Durante a 25° Sessão Especial das Nações Unidas para Habitação, o governador do Distrito Federal declarou que Brasília não possui favelas. Após seu discurso, Joaquim Domingos Roriz, cercado por jornalistas, admitiu a existência de uma favela em Brasília: a Estrutural*. Qual delas é a Estrutural? Aquela do lixão? Discordo do Governador, a Estrutural não é favela... É um inferno!
Sabem aqueles dias em que você descobre não ter dinheiro suficiente para pagar suas contas, postergando algumas delas pra depois do fim do mês, a fim de propor um rodízio de juros e tarifas adicionais pelo atraso das suaves prestações de luz, água, IPTU, condomínio, IPVA, e outras mais que perpetuam-se para toda uma vida, somando-se a capacidade humana de sobreviver. Como se todas as prestações eternas, fossem adicionadas à nossa questão de sobrevivência, e o nosso oxigênio, fosse taxado em pequenas quantias, divididas em várias prestações suaves por toda vida. Olhe que ainda são suaves, reze e ajoelhe-se diante ao fato de não termos que pagar pelo apagão, ou pelas sobretaxas, mas com certeza pagaremos por Minas e Paraná.
Tudo bem! Dê apenas uma volta pela Estrutural. Sua vida é boa, faça um passeio pelo lixão. Os que não vivem no lixo, suportam o vento e a chuva, cobertos por pedaços de compensados emendados em telhas, com estrados, caixas d’água formando uma arquitetura moderna e arrojada nesses tempos de apagão, eclipse, ataque nuclear e guerra bacteriológica, enfim, colapso mundial. Passeie sem medo e sem pudor em meio ao lixo de todos nós, veja as crianças descalças brincarem com pedaços de latas enferrujadas, pedaços de pneus velhos, retalhos de colchões, ripas de madeiras, pedaços de fogões, geladeiras, televisões, enfim, tudo quanto é eletro-doméstico. Inclusive, tudo o que pensarem, vocês encontram no lixão. Faça uma pesquisa de mercado, compare os preços, e verá que em nenhum lugar, poderá encontrar ofertas mais baixas. Onde com apenas hum real, um copo de cachaça, um saco de café, uma lata de óleo, sal, feijão, arroz, ou hum kilo de pão: você consegue o que jamais pensou, ou imaginou... Satisfação barata e pessoal de que sua vida não tão ruim assim.
Portanto a Estrutural não é uma favela. É o inferno sobre a terra. Favela é aqui onde estamos, onde pessoas moram embaixo das pontes, abrigam-se sob o mato extenso e espesso das entrequadras quatrocentos**, tanto sul quanto norte. Favela já tem no Setor Comercial, nas marginais de Brasília e de suas cidades satélites. A declaração de que Brasília não tem favela é um mito criado para exemplificar a idéia de focalizar as favelas dentro dos extremos distantes da cidade, o que foi depois implantado naturalmente em suas cidades satélites. As favelas de Brasília foram construídas com planejamento e exatidão. De fato a Estrutural foi a única favela de invasão irregular em Brasília. O que descaracteriza a descrição de uma favela ou invasão, que de fato deve ter sido a intenção do Governador. Também de acordo com o dicionário e com a capacidade oratória do Governador: Favela são habitações populares construídas toscamente (por via de regras em morros)... Por isso mesmo é que Brasília não tem favelas, Brasília não tem morros, e ponto final. E ainda teve a cara-de-pau de dizer que o assentamento feito em Samambaia*** foi um modelo de programa habitacional.
Mais vale lembrar os programas do antigo governo, não por uma conclusão partidária, mas por uma convicção de que ainda não foi bom o suficiente, e também acreditando mais ainda numa utópica oposição inteligente. Pois, me recordo com nostalgia do saúde em casa, do programa de habitação popular do IDABI, da bolsa escola, e do remoto temporadas populares****. Hoje em dia o projeto do Roriz é: Tem porradas populares, onde o lema é tolerância zero. Não vamos tolerar os impostos vencidos e ainda atrasados, a desobediência da lei seca, bem como todas as leis de trânsito, nem a capacidade e dissernimento de cada individuo brasiliense. Pra onde foi todo aquele orçamento do governo? Será que eu não vi, a banda passar? Pra onde ela foi? Virou a esquina e mostrou a bunda, num bundalêlê auto-astral, prometendo mundos e fundos e não cumprindo nem fundo nem mundo, e ainda flertando com todas as possíveis possibilidades evasivas políticas. Pois é... Olha aí! Olha o meu guri olha aí! É o meu guri!
Sem querer parecer político e já parecendo, queria apenas falar da Estrutural, pois, de fato faz nossos problemas parecerem tão poucos e que às vezes não são nem tão grandes assim. Mas agora sendo político, mas sem parecer, interpreto o descaso do governo para todos os setores públicos e culturais de Brasília, e respondo o “foda-se” governamental com um brado heróico retumbante da “Favela do Fodam-se vocês também”.
[*- Estrutural: invasão na via estrutural em direção de Taguatinga, cidade da Grande Brasília].
[**- entrequadras quatrocentos: Brasília é dividida em Asa Norte e Asa Sul, que são divididas cada uma em quadras e entrequadras, repectivamentes residenciais e comerciais, divididas em 16km de 101 a 116, 201 a 216, e assim por diante até 916].
[***- invasão popular regularizada pelo então Governador Roriz].
[****- programas de governo da gestão do PT liderada pelo ex-governador Cristóvan Buarque].
[*****- obrigado Ayra, pelo ótimo título, eu sabia que um dia como esse chegaria].
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