Costumo refugiar-me nas páginas de um bom livro, quando observo tempestades se avizinhando nos céus aparentemente límpidos, fingidos de brigadeiro, disfarçados de tudo-azul. A leitura me retempera ânimos, acalenta sonhos, municia embornais cognitivos, azeitando, ainda de quebra, as minhas estruturas comportamentais, para que eu possa continuar a travar o bom combate, sem pretensão eleitoral de qualquer natureza, até quando o meu Deus permitir. E elas ainda me prestam um serviço terapêutico danado de bom: descongestionam o trânsito cerebral, desentulhando-o das informações chegadas, sem lenço nem documento, pelos me-disseram dos nossos derredores, alguns ávidos na transmissão de “despretensiosas” fuxicadas.
Vez por outra, entretanto, sem espanto mais algum, observo a realidade reproduzir reflexões e comentários anteriormente lidos, muitos dos quais tidos e havidos por mim mesmo como frutos de uma inteligência sonhadora, não mais aplicáveis aos dias atuais, posto que escritos num passado de muitas décadas. Uma desatenção grosseira, a minha, pois são leituras que se eternizam, escritas, num ontem, por quem soube antecipar-se aos seus, eternizando-se também.
Semana passada, noite de vigília a doente amigo, reli pedaços de Michel de Montaigne. Seus Ensaios, elaborados no terço final do século XVI, guardam lições notáveis, plenamente válidas para os dias atuais de um Brasil quase-adulto. Eis duas delas: “Quando as leis não podem obter o que têm direito de exigir, mais vale que exijam somente o que podem obter”; “De que nos serve entender as coisas se com isso nos tornamos mais covardes, se esse conhecimento nos tira o repouso e a tranqüilidade de que gozaríamos sem ele, se nos reduz a condição pior que a do porco de Pirro?”.
A primeira reflexão de Montaigne espelha as iniciativas de alguns parlamentares. Às vésperas de eleição, apresentam mil e um mirabolantes projetos, que prometem mundos e fundos, apenas para usufruir dos fundos dos incautos, daqueles que votam por qualquer tostão, ou por um frasco de remédio, ou por uma camisa, ou por uma frase de efeito, metida a raivosa, demagógica toda.
A segunda lição nocauteia alguns “bem pensantes”, que imaginam mil e um artifícios para usufruto de vantagens apenas pessoais, o resto sendo apenas mote para perorações pretensamente denunciadoras, externadas assepticamente, de modo cientificamente frio, para arregalar olhos desatentos.
Quando o deputado e ex-ministro Roberto Campos diz que “há hoje no mundo grande ceticismo sobre a capacidade do Brasil para mudanças modernizantes”, não estaria ele se embasando nas duas reflexões escritas por Montaigne há mais de quatrocentos anos?
É tempo de bem pensar, às vésperas de eleições e reeleições...
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