Governos autoritários e democráticos têm em comum o desejo de controlar a informação sobre o que neles se passa. A colossal diferença entre uns e outros, naturalmente, é que os primeiros dispõem da força, nas suas mais diversas manifestações, para alcançar o seu objetivo. Já os segundos dependem de meios compatíveis com a natureza aberta do regime - de resultados incertos, portanto - para divulgar o que lhes interessa e esconder o que não lhes convém. Por sua vez, a imprensa livre se orienta pelo princípio de que as autoridades têm o dever de abrir-lhe as portas das instituições governamentais, cabendo exclusivamente a ela escolher o que repassar à população do que ali encontre - as "notícias que é apropriado imprimir", conforme o mote secular do New York Times.
Por isso, as tensões entre os detentores do poder e o jornalismo independente são não apenas inevitáveis como indissociáveis da paisagem democrática. No Brasil, o avanço e a consolidação da democracia nos últimos oito anos acentuaram a demanda da sociedade por aquilo que entrou para o léxico como "transparência" - a obrigação dos mandatários de permitir e facilitar o acesso dos cidadãos, pela mídia em primeiro lugar, aos atos e decisões oficiais, incluindo as etapas que levaram a eles e os seus protagonistas significativos. Então, aproveitando a deixa, o PT fez praça de cobrar transparência do governo Fernando Henrique, ao mesmo tempo que se outorgava o monopólio da defesa da moralidade pública. Chegando ao governo, o partido emitiu, de início, sinais contraditórios sobre o exercício dessa transparência.
De um lado, o novo secretário de Imprensa do Planalto, Ricardo Kotscho, anunciou um "decálogo de princípios", que não poderia ser mais animador. "A informação é um bem público, não propriedade do governo", diz o primeiro deles. "A informação é um direito e não um favor", diz o segundo. "É proibido mentir ou tergiversar", diz outro ainda. Enquanto isso, no entanto, veio a público um "Manual do deputado petista 2003", que, no tocante às relações com a mídia, parte da premissa de que ela é culpada, salvo prova em contrário. "A imprensa separa o joio do trigo, mas só publica o joio", acusa o documento. Entre várias outras "dicas" aos parlamentares, encontra-se esta pérola: "A recomendação é falar pouco."
Não tardou muito para que o espírito defensivo e avesso à transparência desse manual fosse transposto para o Executivo, fazendo tábula rasa da comunicação aberta eloqüentemente prometida no decálogo do secretário. No começo do mês, caiu um diktat na cúpula da administração federal, dos ministérios às agências reguladoras: nenhum funcionário está autorizado a dar qualquer informação à imprensa sem autorização específica do setor de comunicação de cada Pasta. Além disso, o governo deu de tratar como sigilosas as reuniões mais rotineiras, negando-se a confirmar que tenham ocorrido e a identificar quem delas tenha participado. Até a agenda cotidiana de ministros virou segredo de Estado. Essa absurda "lei do silêncio" deu origem a um manifesto de jornalistas "pela liberdade de informar", encaminhado ao sindicato da corporação no Distrito Federal para ser entregue ao presidente Lula.
Duas explicações podem ser aventadas para essa conduta. Uma seria a de que a conhecida mentalidade centralizadora - e não raro paranóica - das velhas organizações de esquerda se instalou no Planalto e se fará sentir com mais intensidade, especialmente no que disser respeito à imprensa, quanto mais se multiplicarem as dificuldades de governar e as disputas por poder no primeiro escalão - a "fogueira das vaidades" a que nenhum governo está imune. Quanto mais virulentas as intrigas palacianas, mais os envolvidos tendem a vazá-las aos jornalistas, de forma a prejudicar os desafetos, e mais o governo recorre à mordaça para prevenir o dano.
A outra explicação para a tática do silêncio é a de que o governo simplesmente estaria querendo ocultar dos brasileiros a sua perplexidade.
Mas esse é um segredo de polichinelo, salvo na área econômica e cercanias, é patente que o Executivo está virtualmente paralisado, ou "batendo cabeças", como confessou dias atrás o presidente petista da Câmara dos Deputados, João Paulo Cunha, endossando as críticas do editorial do Estado de 19 de março, que empregava a expressão "batidas de cabeças" ao tratar justamente das colisões na equipe presidencial que travam o seu desempenho. E, se Lula está "comendo o pão que o diabo amassou", como diz, o País precisa saber por quê.