A morte pode ser boa - desde que não seja a nossa claro! Afinal, no capitalismo, mesmo a morte tem uma tabela de preços e, com algum investimento, pode-se obter algum lucro com ela. O descanso eterno de um defunto pode variar de 50 reais, no caso de alguns indigentes bancados pelo serviço público a 120 mil dólares, no caso de um serviço mais sofisticado de congelamento por exemplo. Vamos por partes:
No congelamento, chamado de criogenia, o defunto tem todo o líquido do corpo drenado e substituído por um outro líquido não congelante, sendo depois imerso em nitrogênio líquido, onde permanecerá a espera de uma cura para a morte - que a ciência obviamente não descobrirá -, e o sujeito possa ser descongelado. Li recentemente que nos Estados Unidos uma família visita regularmente um parente congelado, inclusive comemorando seu aniversário. Só fica difícil cantar o tradicional "parabéns pra você", mais ainda o "muitos anos de vida". Outra empresa desenvolveu um processo para a confecção de diamantes a partir das cinzas do ente querido, que passa por uma espécie de purificação, a uma temperatura altíssima, até que se obtenha o diamante sintético. Para os aficionados em internet, uma funerária no Peru lançou um cemitério virtual. Depois de "sepultado", pode-se encontrar uma biografia do defunto, ver fotos, etc. Há até sala de bate-papo. Custa 120 dólares para que a alma do finado vague em paz pelo ciberespaço por três anos. Há também uma galeria de arte que oferece quadros e esculturas que utilizam também as cinzas e, finalmente a que propõe depositar as cinzas em uma pequena esfera de cimento e depositá-la no fundo mar. A intenção é criar uma espécie de coral artificial à medida que se acumulem as tais esferas. Não sei como os homens conseguiram viver, ou melhor, morrer durante tantos séculos simplesmente usando os métodos tradicionais.
É obvio que esses serviços não são oferecidos no Brasil. Para os mais pobres, que cedem ao chamado do crime organizado, resta a "desova" num matagal ou a beira de uma estrada qualquer; uns poucos cidadãos com mais dinheiro ainda optam pelo serviços dos crematórios e, para a maioria da população, oferece-se o bom e velho paletó de madeira, o que pode não durar muito tempo dadas às implicações ecológicas. O Diário de São Paulo publicou há pouco a aprovação, pela Comissão de Meio Ambiente da Assembléia Legislativa do estado, de um projeto de lei de uma deputada petista que proíbe o uso de madeira na confecção de caixões. A explicação é que a confecção de uma única urna requer a derrubada de três árvores, destruindo 12 metros quadrados de floresta. A multa pelo descumprimento da lei, de acordo com o projeto, é de 1.000 UFIRs. Como a notícia não dava mais detalhes, suponho que se prevê então que os defuntos passem a ser sepultados aos montes, em grandes covas coletivas, como se fazia com os judeus na segunda guerra.
O que me incomoda mesmo é que tudo isso reforça a impressão de que, mesmo no além-túmulo, existe uma enorme desigualdade social que só será resolvida quando o mundo dos mortos tiver um presidente como o Lula, com um programa "Inferno Zero", que dará um basta no abismo que separa o céu do inferno e o paraíso seja para todos; com três refeições diárias. Enquanto isso não acontece, já penso em financiar o meu cantinho em suaves parcelas pagas em 56 meses.