Não chegou a ser um dilúvio, mas os quarenta dias de governo Lula, completados há pouco, renderam uma enxurrada de críticas. Do povo? Da oposição? Também, mas nem tanto.
Os maiores críticos do governo acabaram por ser, e continuarão sendo, os próprios petistas. Especialmente aqueles da famosa “ala radical”, que manifestaram toda a sua indignação com um governo que, para eles, vai contra tudo o que o PT pregou ao longo de sua história. Um governo petista, mas com cara de FHC.
O detalhe é que esses petistas permaneciam quietinhos quando Lula afirmava, ainda na campanha, que respeitaria contratos e cumpriria o acordo com o FMI. Depois da vitória, eles voltaram à luta e criticaram justamente o respeito aos contratos e ao FMI. É natural, já que os radicais não gostam muito de governar. Preferem a eterna luta do tijolo contra a vidraça. No papel de tijolo, naturalmente.
Do outro lado, o das viúvas de Fernando Henrique Cardoso, foi bastante comum ouvi-las dizer que o governo Lula não mudou nada e está simplesmente fazendo o que FHC sempre fez. Logo, as viúvas não têm do que reclamar.
O problema, mesmo, é que nem todo mundo é viúva de FHC, porque não foi bom estar com FHC. Bem por isso, Lula acabou vencendo as eleições. A maioria não quer a continuidade de uma submissão total às leis do mercado e todas aquelas coisas mais.
O brasileiro médio é mais calmo que a ala radical do PT, mas ainda assim sente com desprazer, no bolso e na alma, que pouca coisa mudou até agora. Por isso, ao contrário das viúvas, tem, sim, do que reclamar.
Compreende-se que foram só quarenta dias, que não houve tempo para muita coisa e que o frágil estado do país não permite mudanças drásticas – e, conseqüentemente, catastróficas – em sua direção. Mas isso não impede que muitos brasileiros tenham dormido mal nas quarenta primeiras noites de 2003.
A gasolina, por exemplo, está aumentando a cada vinte dias, e a guerra do Iraque ainda nem começou. O corte de gastos anunciado no início da semana, então, assustou todo mundo. Nada menos que R$ 14 bilhões a menos, incluindo R$ 5 bilhões na área social, onde Lula prometeu que não haveria cortes. Tamanho esforço para conseguir um aumento no superávit primário, preocupação constante do governo Fernando Henrique e que o PT sempre criticou na época em que era tijolo.
Lula pede paciência e diz que as mudanças precisam ser lentas. Segundo ele, o Brasil é como um grande transatlântico, que não pode fazer guinadas rápidas, sob o risco de afundar. Ou seja, demoraremos muito mais que quarenta dias e quarenta noites para encontrar terra firme.
Mas quem tem fome, tem pressa, e acaba não entendendo nada desse jogo de Lula candidato versus Lula presidente, PT versus PT, paciência versus pressa. Quem puder, e não tiver fome, que espere o resultado. Porque ele pode até vir, mas demora.