LEGENDAS |
(
* )-
Texto com Registro de Direito Autoral ) |
(
! )-
Texto com Comentários |
| |
|
Artigos-->Memórias de um solo -- 04/02/2003 - 12:10 (J. Eduardo P. Pontes) |
|
|
| |
Memórias de um solo
Ontem à noite, percorrendo o meu E.Mail vi o nome do Guido Pessotti em
algumas mensagens e fui tocado pela nostalgia da minha juventude aventurosa
no vôo à vela, lá pelos idos de 1968 mais ou menos.
Guido Fontegalante Pessotti, porte altivo, peito proeminente, cabeça
grande, voz grave e olhar fulminante. Eu chegava perto do Guido a uma
respeitosa distância de não menos que uns três metros, no través, o
suficiente para ouvir fascinado qualquer coisa que ele estivesse falando.
Um dia até me atrevi a cumprimentá-lo e disse casualmente "Bom diiia Guido
!!!" e a resposta imediata " Bom dia porque ??".
Em uma das minhas idas a São José dos Campos me foi concedida à subida
honra de solar mais um "Olympia", desta vez o PCL, o mais bonito e mais
elegante dos três que lá existiam, construído rigorosamente segundo as
plantas originais e supervisionado, no detalhe, pelo George Munch. Pintado
de branco resplandecente, era para mim o "Ventus C" da época. Tinha, porém,
um trem de pouso muito especial constituído de um par de rodinhas (
bequilhas de T-6 ) montadas em um eixo que se fixava no patim do planador
por meio de um pino. Era um trem alijável, ou seja, após a decolagem o
piloto acionava um comando e lá se iam as rodinhas, havia que se tomar
cuidado; muito baixo poderia se danificar a fuselagem, muito alto se
perderiam as rodinhas ou coisa pior .
Para completar a honra o reboque seria feito pelo Guido pilotando um
protótipo STOL cujo nome, certamente de inspiração tecnológica, era
"Panelinha". Este avião havia sido projetado e construído ao longo de muito
tempo por um grupo de alunos e professores do ITA, entre eles o próprio
Guido.Era fraco mas imponente com sua discreta cor creme e a característica
mais marcante, o diedro era negativo. Comentava-se que os montantes haviam
sido fabricados mais curtos que as indicações dos desenhos, um pequeno
engano.
Pronto para a decolagem, lá na frente o "Panelinha" já fazendo poeira e com
alguém ligando o longo cabo, naquele tempo ainda se dizia "corda" porque
era mesmo de corda, da grossura de uma salsicha e bastante longo para
evitar o excesso de poeira melhorando a visibilidade a partir do planador;
em vôo formava um gracioso arco que atuava como um amortecedor suavizando
os eventuais trancos.
Sinal para a ponta de asa e começa a rolagem, eu com todo capricho decolo o
planador e já procuro o tal comando de alijamento das rodinhas enquanto
continuo subindo e, não sentindo firmeza no acionamento, subo ainda mais e
logo percebo, lá embaixo do nariz, o avião ainda na corrida com a cauda
levantada como a de uma galinha assustada. Pico para encontrar a posição
correta e o avião também decola finalmente.
O Guido por sua vez, mostrando que também era bom em manobras raras, aponta
o avião para uma grande árvore que existia solitária e deslocada uns 20
graus à esquerda e após a cabeceira e continua até que as rodas do avião
roçam a copa da árvore e eu vejo a barriga da corda entrar pela folhagem.
Já me sentindo culpado por alguma coisa não me atrevo a cabrar e continuo
na mesma atitude até que a fuselagem do planador também raspe, com certo
ruído, nas folhas. Dai para diante o vôo transcorreu na mais absoluta
normalidade, tanto que não me lembro de outros detalhes.
O pouso exigia alguns cuidados porque a pista era de terra e o planador não
tinha roda, alguma coisa bastante precisa com velocidade mínima porém
tocando com o patim antes que a cauda, isto eu fiz e muito bem feito
parando todo satisfeito bem em frente à torcida. Nesta altura já era uma
torcida, um monte de gente que não estava ali na hora da decolagem, e no
meio o Geraldo Prockesh e o Guido gesticulando para alguns tipos fardados.
O Plínio Junqueira e George me ajudaram com o planador e disseram para eu
sair de fininho e que depois explicavam.
Aconteceu que, devido à minha decolagem um pouco dramática, as tais
rodinhas tinham se soltado mais ou menos na metade da pista de uma altura
de, no mínimo, 20 metros e bem em frente a um hangar da FAB cheio de
aviões. Lá estava por exemplo um T-6 com tanques auxiliares nas pontas da
asa, projeto do Osíris Silva quando se graduava em engenharia aeronáutica.
Voltando às rodinhas, estas de peso considerável, atingiram a pista e, como
se tomadas de vontade própria, decolaram novamente e se dirigiram, sem
notificação, diretamente para dentro daquele hangar causando alguns danos e
certa comoção entre mecânicos, técnicos, sargentos, engenheiros e outros
que lá estavam.
Desta vez voltei para casa muito orgulhoso e contente com a vida pois o
famoso Guido Pessotti havia, veementemente, tomado a minha defesa em um
incidente causado por um par de rodinhas com um grupo de pessoas sem senso
de disciplina que estavam trabalhando em um dia de fim de semana quando as
portas daquele hangar deveriam estar fechadas.
|
|