Creio que dentre as artes, a de escrever é a mais difícil...
Tive um aluno...
Escrevi "tive" pois ele ficou três anos na mesma série e a escola não mais permitiu que continuasse. Transferiu-o, por achar que ele era "mau exemplo" e estava ocupando a vaga de quem realmente necessitava.
É uma escola noturna voltada, mais, para adultos, que normalmente trabalham durante o dia, ou para as moças que se casaram muito jovens e querem "recuperar o tempo perdido". Cada caso é um caso...
Mas o meu personagem central é Márcio, que foi reprovado por três vezes consecutivas, no primeiro ano do Ensino Médio.
Já o conheci nesse nível, pois estou nessa escola há três anos. Só não consegui entender como chegara até ali, pois mal sabia escrever e tinha uma falha de dicção muito grave; quase não se podia entender o que dizia... Mas era aluno atento.
Certa feita, no final de uma de minhas aulas, sobre linguagem literária, o garoto entregou-me um papel todo amassado, pedindo-me para ler depois.
Indagado sobre o assunto do "papel", com simplicidade, e uma nesga de tristeza, disse-me:
- É um poema, fessora. Leia e depois me diga se gostou.
Atarefada, com atividades nas próximas turmas, guardei o papel na agenda e segui.
Ao chegar a casa, tarde da noite, consulto a agenda para inteirar-me dos compromissos do dia seguinte.
E lá estava o poema de Márcio, que, com boa vontade, consegui decifrar, e aqui transcrevo, com as devidas correções ortográficas, sem, contudo, alterar-lhe o conteúdo, nem a linearidade dos versos:
ROSAS NA JANELA
Passava pela calçada
De uma rua pequenina
E atrás de uma cerca enferrujada
Avistava-se uma janela azul...
Um vaso de rosas brancas
Fazia parecer
Que a janela era o Céu
E as rosas, estrelas perfumadas...
Que mãos teriam feito
Tal “obra-de-arte”?
Isso, eu não sei;
Mas meu dia ficou perfumado...
No final do poema, um bilhete:
“Fessora
Gostei tanto da aula que você deu sobre a metáfora e o efeito das imagens sensoriais, que deu vontade de fazer estes versos. Na tal casa de janela azul, mora uma moreninha linda que nem olha para mim. Acho que a janela é a do quarto dela.”
Foi decidido por um “grupo de professores” em Conselho, que o aluno deveria ser reprovado, por não haver “alcançado” o conteúdo mínimo exigido.
Resultado final: Márcio foi reprovado em todas as matérias. Menos em LITERATURA.