Em artigo intitulado O Paradigma da Ideologia, o filósofo esloveno Slavoj Zizek, crítico contumaz da posição dos Estados Unidos no mundo atual, percebe uma polarização cada vez maior nos diálogos intra e extranacionais, e exemplifica lembrando as discussões acerca da Guerra ao Terror comandada pelos norte-americanos, quando se dividiu o mundo em “pró-terroristas” e “pró-democracia”, não deixando margem para a dúvida ou o questionamento. Diz o autor:
“A mensagem básica da mídia é a seguinte: os joguinhos fáceis já terminaram, e, agora, todos devem tomar partido (contra ou a favor do terrorismo). E, como ninguém é abertamente a favor dele, isso significa que a própria dúvida em si, a simples adoção de uma atitude de questionamento, é denunciada como apoio disfarçado ao terrorismo”
O caso citado por Zizek é emblemático, mas não isolado. É cada vez mais difícil manter distância de posições extremadas, em qualquer nível, em qualquer situação, e disto deriva a diminuição progressiva da liberdade de opiniões e do julgamento racional dos acontecimentos. O maior dos racionalistas, o francês René Descartes, já avisava que “nunca nos devemos deixar persuadir senão pela evidência de nossa razão”, invocando em favor do afastamento de dogmas e preceitos aparentemente inquestionáveis para não se formarem juízos inadequados. Em outras palavras, distanciar-se dos extremos sentenciosos.
No período em que Descartes viveu, a França absolutista do século XVII, a formação de juízos independentes era mais do que uma linha a ser seguida: era um desafio ao poder. Assim permaneceu durante os dois séculos após a sua morte, até que a nossa multifacetada sociedade ocidental contemporânea, erguida sob os parâmetros do respeito à variedade de opiniões e culturas, garantiu-nos uma certa tranqüilidade, até porque os exemplos totalitários de um passado próximo (fascismo, nazismo, comunismo e tutti quanti) ainda não se haviam cicatrizado. Estávamos fadados a viver entre a diversidade.
Pois, ao fim e ao cabo, a História muda apenas para confirmar-se. Após anos acreditando que a pós-modernidade nos havia garantido a pluralidade, eis que deparamo-nos novamente com as velhas dualidades e a velha incapacidade humana em reconhecer um grande número de opiniões. A polarização maximizada, intolerante, violenta e cega é a tônica de nosso tempo. Manter a neutralidade, com vistas à compreensão nuançada dos fatos, é considerado sinal de fraqueza ou de covardia, como no Rio Grande do Sul dos chimangos e maragatos, que, não por acaso, não apunhalavam, e sim degolavam uns aos outros.
Conclui-se, como tantas outras coisas neste início de milênio, que o máximo que a nossa capacidade perceptiva alcança é a figura do outro. E perceber não é compreender, e muito menos aceitar.
Celso Augusto Uequed Pitol
uequedpitol@bol.com.br
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