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Artigos-->Darcy Ribeiro defendendo Lula -- 22/08/2002 - 09:45 (rodrigo guedes coelho) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
LULA LÁ



DARCY RIBEIRO



Estou me cansando de ouvir falar de Lula com descaso. Qualquer

advogadinho idiota, porque formado, se acha melhor que ele, mais

preparado para governar. Um intelectual desses que leu meia dúzia de

livros ou escreveu qualquer bobagem, um tecnocrata que desempenhou bem

ou mal algum cargo, todos se acham melhores que Lula e falam dele sem

sombra de respeito. Por que?



Essa gente pensa que o exercício do poder, em postos de alta

responsabilidade, cabe a uma categoria particularíssima de pessoas, na

qual não incluiriam jamais um ex-operário ou um líder sindical, ainda

que muito bem-sucedido. Para eles, o exercício da Presidência se dá

naturalmente, é quando um figurão tradicional sucede a outro ou entrega

o poder a um militar golpista. Nesses casos nunca se pergunta por

competência para governar, nem se alega incompatibilidades.



Não devia ser assim, mesmo porque foi esta gente que nos governou até

hoje, quase sempre da forma mais desastrosa para o povo. Quando se fala

da necessidade de reformas ou renovações, devia-se estar falando de

afastar esses protagonistas fracassados, para chamar ao poder

presidencial personagens novos que, ao menos, não tenham demonstrado sua

inépcia para compor e reger governos democráticos capazes de promover

uma prosperidade generalizável a toda a população. Vale dizer, gente

como Lula, descomprometida com a ordem vigente tão privilegiadora da

minoria rica que enriquece cada vez mais, quanto perversa para com o

grosso da população brasileira que se miserabiliza cada vez mais.



O povo, ao contrário, percebeu que nada pode esperar desses poderosos

que ocuparam a arena política desde sempre ou nela querem ingressar pelo

controle de máquinas partidárias e de mídias. Todos eles falam

exaustivamente de seus méritos. Seja uma larguíssima experiência, no

trato da coisa pública, como governantes ou parlamentares. Seja a

astúcia de intelectuais coniventes, mas dispostos a pôr a serviço do

povo sua suposta capacidade de governar com sabedoria. Seja ainda o tipo

de empresários bem-sucedidos que, sabendo ganhar dinheiro nos seus

negócios, se acham também bons para reger os bens públicos. Seja até,

outra vez, um general mandão com talento para por ordem na baderna

nacional.



O eleitorado rejeitou a todos eles e consagrou a Lula colocando-o na

segunda rodada. Pode até errar, elegendo mal, amanhã, o novo presidente,

induzido que foi a ver como bom para o povo aquele que os donos das

máquinas publicitárias de vender refrigerantes ou sabonetes nos querem

impingir. Mesmo nesse caso, porém, vota pela renovação.



Que renovação maior pode haver do que a de colocar Lula na Presidência

do Brasil? Pela primeira vez na história lá estaria um homem que veio do

fundo dos fundos. Lula é o flagelado que deu certo. Teve êxito, mas

permaneceu fiel a suas origens. Assim foi porque Lula se construiu na

luta de toda uma vida admirável de líder sindical e de político popular

pelos direitos dos trabalhares e dos cidadãos.



Hoje, Lula é tão operário como foi criança, um dia. É de assinalar,

entretanto, que sua formação ele não a alcançou nas universidades, nos

parlamentos ou nos quartéis que são os úteros de gestação de nossas

precárias classes dirigentes. Ele se fez foi nos movimentos sociais que

são um ambiente melhor para fazer o governante apto e leal de um país

que não deu certo, por culpa não do seu povo, mas das elites.



Minha vivência com o poder, aqui e lá fora, é que dita esse testemunho.

Vejo Lula como mais competente que Ulysses ou Montoro, Maluf ou Antônio

Ermírio, Garrastazzu ou Pires, Fernando Henrique ou Jaguaribe para

conduzir o Brasil por caminhos novos, modernos, de uma modernidade

socialmente responsável e assumidamente brasileira.



Dele, tenho certeza de que não ouviremos mais falar do tolo orgulho de

sermos a segunda economia agrícola do mundo - produzindo soja para

engordar porcos no Japão, mas indiferente à fome do povo. Com Lula no

poder ninguém alegará mais que somos a sétima ou oitava economia do

mundo, esquecendo que nossos salários são dos mais baixos da Terra. Nos

livraremos também da balela de que o Brasil é um país em desenvolvimento

porque se tornará evidente que estamos é sendo afundados no poço do

atraso.



O diabo é que nossa opção no dia 17 não se dará nem entre Lula, como o

novo, e qualquer vetusta figura tradicional. Se dará, isto sim, é entre

Lula e Collor, que é muitíssimo pior do que todos eles. Pior porque

ainda mais servil à nossa velha elite, feita de filhos e netos de

senhores de escravos calejados na maldade; de ricaços descendentes de

imigrantes que olham de cima, com desprezo, a quem não enricou também; e

sobretudo desta casta de gerentes das multinacionais, só leais a seus

patrões. Velha e infecunda elite que sempre detestou o povo brasileiro,

que o manteve sempre atrasado e faminto, usando-o como mero carvão de se

queimar na produção, mas que defende de unhas e dentes sua hegemonia que

uma vez mais ameaça perpetuar-se. Apesar de todos eles, havemos de

amanhecer.



DARCY RIBEIRO, educador, etnólogo e antropólogo, foi vice-governador do

Estado do Rio de Janeiro (governo Brizola), reitor da Universidade de

Brasília (1961-62), ministro da Educação (1962-63) e chefe do Gabinete

Civil da Presidência da República (1963-64). Faleceu em 17/02/97.





Aos 67 anos de idade, o Profº Darcy Ribeiro escreveu esse desabafo, dias

antes de ocorrerem as votações do 2º turno das eleições de 1989, das

quais saiu vitorioso Fernando Collor de Melo. Mostra-se tão atual quanto

verdadeiro, e seu contexto vem sendo perpetuado a cada período de

eleição presidencial, pela luta do bem contra o mal, personalizada na

persistência do candidato Lula contra os candidatos das elites

dominantes, esses últimos sempre a preferência da maioria dos que

sofrem, como iludidos pela ideologia do sistema vigente, e daqueles que

querem se manter no poder.



No Brasil, Eleições Presidenciais traduzem-se em momentos de incertezas

e de dúvidas quanto ao futuro da Nação. Contudo, são sempre superados

pela esperança na "cara boa" e na "boa fala" daqueles que negam aos seus

corações a liberdade de se exporem e de se mostrarem aos olhos e mentes

dos eleitores.



Como disse na França FHC, "o povo brasileiro é caipira". Em parte parece

ser verdade, pois como a fé inquebrantável que tem o homem simples do

campo, esperamos que Nossa Senhora de Aparecida se personifique e venha

"iluminar a mina escura e fundar o trem da nossa vida" e, nesse meio

tempo, vivemos uma "vida de gado", tocados de uma lado a outro até o

matadouro, ou como disse, pertinentemente, Darcy Ribeiro, "usados como

mero carvão de se queimar na produção".



Muitas vezes, nos contentamos com as migalhas que caem das mesas do

poder, o que nos castra e nos mantém dóceis e incapazes de sair da nossa

caverna (O mito da caverna - Platão), de vermos a luz do sol, provarmos

o ar e o vento fresco, e de nos sentirmos maravilhados com as coisas e

as cores do mundo exterior. O sair da caverna traduz-se em mudanças, e

aqueles que o fazem são poucos e passam a não serem bem vistos pela

maioria conservadora.



É mister delegar o destino da Nação a um filho que se identifica com a

maioria oprimida, aquele que fala a "mesma língua" e tem a percepção

talhada pelas cicatrizes que carrega da vida dura do oprimido. Alguém

que quando inicia uma frase, qualquer que seja, diz humildemente: "Nós"

e não "Eu", como oposto ao "Eu sei como fazer"; "eu sei mandar", "eu

entendo do problema e vou resolvê-lo", pois, qualquer que seja o eleito,

não governará sozinho, e se o fizer, será mais um ditador.



Eis que surge mais uma oportunidade, e se não a abraçarmos, como

saberemos do sucesso? Com certeza, se Lula for presidente causará um

desapontamento, pois consideraremos os anos, as alegrias, o orgulho e

tantas outras coisas, perdidas enquanto ele persistia.



Chegou o momento de passarmos a assumir a responsabilidade das nossas

decisões, sejamos honestos com nós mesmos. Cumpre-nos, portanto, o dever

de exercer a cidadania plena e o direito de sermos felizes e de

preparar-mos o "berço esplendido" aos nossos filhos, que com certeza

serão "iluminados pelo sol de um novo mundo".



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