Enganam-se aqueles que, em sua empáfia, em sua arrogância, em sua incontinência verbal, se arvoram em fornecedores de respostas para todos os grandes problemas da humanidade e do mundo. O diabo é que os problemas, como nós, são humanos, e por isso mesmo envelhecem.
A verdadeira tarefa do escritor, uma tarefa eminentemente social, é criar, inventar, formular sempre novas perguntas, para deleite e alimento dos pósteros.
"Não importa a realidade que se pode reproduzir por meio das palavras. Importa, muito mais, a realidade que por meio delas pode ser criada." (Peter Handke em: "Eu sou um morador da torre de marfim")
É claro, não falo àqueles que se comprazem em boiar à supérfície das mensagens, dos conteúdos, ou, na melhor das hipóteses, à flor das frase e das palavras, o que já é alguma coisa, mas não é tudo.
O escritor, em seu barco, descreve uma cidade que adivinha submersa sob a superfície das águas de um lago (DIVINARE).
O tradutor atravessa o mesmo lago e já pode divisar as ruínas dessa cidade que o escritor apenas adivinha (LEGERE).
O leitor precisa ser respeitado, porque só ele pode mergulhar de fato nas águas do lago e empreender a reconstrução da cidade que o escritor apenas adivinha, e que o tradutor divisa em ruínas no fundo das águas. Nesse sentido, o leitor completa a obra dos escritores e tradutores (CO-LEGERE / COLEGAS).
A língüística de extração saussureana ensinou os estruturalistas a discernir, corretamente, os dois eixos da linguagem:
o eixo sintagmático: a superfície das frases e dos discursos, as palavras que ficaram à tona depois que o falante ou escritor realizou o seu mergulho em profundidade [a teoria da informação fala em processos estocásticos];
o eixo paradigmático: tudo o que é relegado em favor das palavras que permanecem à tona, as várias outras opções que não se realizaram, mas que, obra da poesia, permanecem mais do que vivas, presentes em sua ausência (in)visível.
Mas o que fazer se tantos, depois de tudo o que as ciências da linguagem e do espírito já nos ensinaram, ainda se iludem com seus enunciados, ainda acreditam na linearidade do discurso, no óbvio, no visível, na superfície dos seus falatórios. Despejam, vomitam, escancaram a sua ignorância das implicações mais profundas do que fazem, e chamam-se poetas, escritores. Continuam falando e escrevendo, mas nunca, jamais conhecerão, visitarão as ruínas da cidade, jamais terão a promissora incerteza dos mergulhadores.
"Poesia: respiração difícil à margem de um rio." (Thomas Bernhard)
"A arte não reproduz o visível. Ela torna visível." (Paul Klee)
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