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Erotico-->AS AVENTURAS DO PADRE DEODORO EM CAMPOS ETÉREOS — XX -- 05/08/2003 - 06:41 (wladimir olivier) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos

Não era só Hermógenes que estava a admirar os conceitos emitidos por Deodoro. Todos os outros ficaram dependurados em sua voz, como aturdidos por expressões do mais irreverente materialista. O Professor ousava citar os Evangelhos, sem perder o compasso na verberação contra os conhecimentos que deflagraram o desespero do amigo.

Hermógenes desejou intervir:

— Professor, perdão por eu haver caído tanto. Na verdade, sufocava a suspeita de que a minha vida não estava totalmente esclarecida. Da mesma forma que não terminei o curso da primeira vez, voltando à vida laica para, finalmente, reingressar no seminário, aqui também pareço desorientado quanto aos princípios que me devem sustentar religiosamente. Se não tenho controle sobre mim mesmo, como disse Arnaldo com inteira razão, quer significar que estou louco?

A pergunta caiu no vazio do silêncio dos sete. Todos, uns mais, outros menos, tinham a mesma sensação. Aos poucos, foram cedendo às emoções e as lágrimas borbulharam intensas, inclusive com muita força na reação mais equilibrada de Deodoro.

Desta vez, foram incontáveis as vezes que os ponteiros deram voltas completas no mostrador. Mas o pranto não tinha o sentido do desespero nem da inconformidade. Eram o resultado de sofrida contenção, desde que descobriram que estavam ao deus-dará dos quiproquós conceituais.

Por iniciativa de Joaquim, deram-se as mãos em solidariedade que se declarava perene e irrestrita. Aos poucos, foram compenetrando-se de que a queda vibratória repercutia fortemente nas paredes da biblioteca, chegando, mesmo, a turbar-lhe a cor clara original, dando-lhe nuanças entre o avermelhado e o cinzento, refletindo com precisão os volteios dos sentimentos. Foi num crescendo o interesse pelo fenômeno, a tal ponto que chegou o grupo a se esquecer dos problemas pessoais para observar que colorido se seguiria a determinadas posturas emocionais. Contudo, a partir desse momento, todo o recinto foi voltando ao normal, com o acréscimo de mais algumas bandeiras ao lado da brasileira.

Foi Deodoro que deu início à nova fase das discussões:

— Meus irmãos (era a primeira vez que utilizava o termo), temo que tudo o que disse foi por pura inspiração.

Everaldo contraditou-o:

— Não há nada que temer. Se o que disse é verdadeiro, vai ajudar a todos nós. Se é falso, não lhe cabe responsabilidade.

Roberto chamou a atenção para si:

— Perdão, amigos, mas não vamos precipitar conclusões. Está claro que Deodoro e todos nós temos merecido o apoio de nossos protetores. Esta prisão nada mais é do que uma câmara de descompressão magnética, ou algo assim, conforme li em diversas mensagens espíritas passadas mediunicamente aos mortais. Se estivéssemos ao ar livre, iríamos atrair seres menos felizes, que existem muitos irmãos desejosos de crivar os semelhantes com seus dardos de maldade. Mas os nossos benfeitores, que devem conhecer-nos as reações emotivas muito mais do que nós mesmos, agindo sabiamente, deixaram-nos reclusos para não sermos alvo de perturbações ainda maiores, porque os seres de pior categoria têm a capacidade de molestar os que, inocentemente, se dão a eles sem considerar que o seu exemplo de vida reta, segundo os padrões dos mandamentos de Deus, são imperceptíveis para a inteligência rudimentar de quem está habituado ao crime, ou seja, ao pecado. Acredito que, se nos reequilibrarmos, sem maiores delíquios sentimentais, porque estamos tristes pela análise dos desvios de conduta que conscientemente perseguimos, como se o prazer fosse o objetivo essencial da vida, e não o amor a Deus e ao próximo, e como se as antigas relações que nos completavam o mundo estivessem apenas nos sentimentos da perda e da saudade conseqüente, e não no futuro reencontro em situação de maior desenvolvimento evolutivo, dentro de muito pouco tempo, pelo menos no sentido de não ficarmos pesarosos pela demora, como ocorreu enquanto nos debatíamos dentro de um sofrimento que nos parecia intérmino, iremos ser apaniguados pela descoberta de uma porta por onde sair, para ganharmos novos horizontes existenciais e não apenas a configuração de algumas bandeiras que, por certo...

Foi a vez de Alfredo interromper:

— Permita-me, Roberto. Você está falando tanto e tão depressa, sem tomar fôlego, que não consegui inteirar-me de todas as suas palavras. Acredito que, se estivesse diante de um texto escrito, teria de reler várias vezes para conhecer todas as suas intuições. De qualquer modo, preciso interpretar as diferentes cores que vi atuando sobre a superfície das paredes. Não sei se o vermelho está mais para a paixão e o cinzento para as aflições e sofrimentos. O que tenho como certo é o fato de estarmos retidos por causa própria, ou seja, porque nós é que construímos esta biblioteca e demos forma a tudo o que nela se contém. Já vimos que os livros todos têm ressonância nos conhecimentos que deles formamos em vida. Restaria esclarecer os verbetes em que os fatos mais recentes se acham assinalados. Mas vou passar por cima disso, porque a explicação deverá decorrer naturalmente ao elucidarmos o que fazem as bandeiras, haja vista, que nenhum de nossos anseios teria dado origem a tão disparatadas criações. Alguém teorizaria sobre isso?

Após trocarem vários olhares inexpressivos, Deodoro pediu a palavra:

— Parece que, desta vez, as leituras proibidas de Roberto não lhe estão servindo muito. Aqui cabe apenas levantar hipóteses. A mais plausível estará para ser confirmada em tempo oportuno, quando sairmos da cafua, apenas para lembrar uma antiga prática escolar para os alunos desobedientes, ou seja, um quarto em que eram presos em plena escuridão...

Everaldo observou:

— Mestre, a situação do grupo não é a mesma. A comparação está equivocada. Note como a luz está bastante mais intensa. Aliás, são três os focos de iluminação, dado que o recinto parece haver alargado suas dimensões.

Deodoro aproveitou a oportunidade para perguntar ao outro:

— A que você atribui o seu pranto?

Tomado de surpresa, Everaldo titubeou:

— Não sei ao certo. Provavelmente, por sentir saudade dos tempos tranqüilos em que vivi com meus pais e meus irmãos, num sítio de nossa propriedade.

— Onde ficava?

— No município de Buriti, no Estado do Maranhão.

— Vamos ver se a bandeira do Maranhão está entre as outras.

Não foi difícil de reconhecer o pavilhão amado:

— Está aqui, sim.

Foi uma correria para descobrir cada qual a sua bandeira natal. Todas lá se encontravam e outras que foram sendo identificadas: Portugal, Itália, Espanha, Turquia e mais vinte, algumas das quais sem nenhuma relação com as viagens de Deodoro e de Joaquim, os únicos a saírem do país.

— Eis que o mistério persiste, afirmou Deodoro. O que o companheiro Hermógenes acha disto?

Provocado, Hermógenes não hesitou:

— Agradeço aos amigos terem demonstrado cabalmente que se deixam influenciar sentimentalmente pela dor alheia, tanto que o meu desregramento provocou a tristeza geral.

Deodoro fez um gesto significativo, solicitando que saltasse por sobre os tópicos menos felizes.

— Pois bem, as bandeiras que não se vinculam às nossas vidas de sacerdotes podem estar relacionadas com as vidas anteriores. É uma provocação material para o despertar das recordações antigas. Se for isso, em breve estaremos rememorando as alegrias e as tristezas de outras encarnações.

Roberto imediatamente interveio:

— Everaldo irá zangar-se se você estiver com a razão.

— Como assim? — perguntou o citado.

— É que, pelo sentido evolutivo das existências corpóreas, muito provavelmente iremos deparar-nos com vidas menos frutuosas, mais carregadas de pecados e de imperfeições. Portanto, vidas que nos trarão mais motivos para depressões morais. A menos, é claro, que saibamos definir com propriedade quais os defeitos que tínhamos em mira eliminar e quais os que realmente o foram.

Deodoro ficou bravo:

— Eu tenho sido acusado de exigir ordem. Mas como é que iremos examinar o sucesso vital de cada um, se não demos vazão às nossas histórias nem relatamos as nossas fraquezas? Quanto a mim, ao ver as bandeiras da Itália e da Espanha, irromperam-se-me recordações muito doces, as quais temo que se tornarão amargas, se me confessar suspeito de gozar a vida sem nenhuma consideração pelos irmãos que permaneciam miseráveis nas favelas, nos cortiços, passando fome, ou melhor, morrendo de fome, e mesmo sem dar muita importância aos judeus chacinados pelos nazistas, nem pelas populações civis dizimadas pelo poderio bélico dos aliados, haja vista Hiroxima e Nagassáqui.

Roberto, que tinha sido rebaixado um momento antes, contestou:

— Deodoro (que eu não me perca pelo tratamento), penso diferentemente. Que importância há de ter o conhecimento de nossas faltas, de nossos erros, de nossos crimes e de nossos pecados? Você não estará querendo, por força do hábito (do mau hábito), ouvir as nossas confissões, para perdoar-nos em nome do Senhor? Veja bem que, agora, a nossa condição de igualdade nos coloca aptos para a refutação, sempre que nos parecer que a verdade não está sendo valorizada adequadamente. Como sempre, procuro não vibrar emotivamente, para não lhe passar a sensação de que me ofendi e desejo tão-só revidar. Mas o fato é que as suas palavras como que me trouxeram à lembrança as lutas dos espíritas contra os católicos, muito especialmente contra os sacerdotes responsáveis pela manutenção da crença tradicional. Lembra-se da queima dos livros em Barcelona? Pois eu acho, salvo melhor juízo, que não devemos ficar a narrar os nossos casos, porque episódios desagradáveis é natural que todos tenhamos a sobrecarregarem a consciência. Também não quero incentivar as narrativas mais felizes, justamente daqueles feitos evangélicos reconhecidos socialmente como de sacrifício em prol dos necessitados. O irmão citou eventos da guerra e eu lhe pergunto se teria você algum meio de dissuadir os litigantes a não cometerem as atrocidades? E a sua riqueza daria para sustentar por quanto tempo os famintos de todo o orbe terráqueo? Nem que o Vaticano se despojasse de todos os seus bens, que não são poucos, ainda assim não aliviaria nem um centésimo da fome que grassa pelo mundo. Você haverá de citar Jesus, pelo extremo sacrifício, em prol de toda a humanidade. E eu deverei concordar que os espíritos mais lúcidos têm de seguir os conselhos e os exemplos do divino mestre. Entretanto, ficarmos a lamuriar a perda das oportunidades representa exatamente o contraponto das atividades que deveríamos exercer imediatamente. Você acha que eu fiquei contente pelo fato de ter tido lepra? A minha revolta foi imensa. E sabe o que me aconteceu? Eu parti para todas as leituras que pudessem, ainda que de longe, me oferecer esperanças de curas. Sabia de padres que benziam e que curavam. Ouvia dizer que médiuns chamados de cura também realizavam verdadeiros milagres. Procurei a todos e nenhum me limpou as feridas. A ciência realizou alguns benefícios, tanto que os remédios eram eficazes para doentes no estágio inicial. Eu me deixei contaminar pelo mal inadvertidamente, porque estava muito mais interessado em satisfazer meus apelos sexuais, tanto que não diferençava entre moças e rapazes. As leituras de Kardec e de outras obras mediúnicas atiçaram-me contra mim mesmo, porque insistiam em me mostrar perverso desde anteriores encarnações, como se o meu sofrimento viesse para resgate de antigas maldades. Agora eu lhe pergunto, e a todos vocês, se o fato de eu citar, caso a caso, todos com quem me relacionei irá fazer alguma diferença para o tratamento das defecções morais que carrego. Vejam que estou sendo fundamentalmente claro na especificação do meu saber doutrinário espírita, como ainda sei muito proficientemente os Evangelhos, o direito canônico e os pontos básicos da Teologia Cristã. Estarei totalmente arrependido do que fiz? Ainda bem que não trago na consciência a transmissão do meu mal, como muitos que conheci que se esgarçavam perispiriticamente porque, sabendo-se portadores de doenças como a sífilis ou a AIDS, não deixaram de praticar o ato sexual ou de se drogarem, fornecendo o sangue a ser injetado nas veias dos parceiros de vício.

Notava Deodoro que Roberto ia desfiando conhecimentos que ele mesmo não tinha:

— Posso interromper para perguntar?

— Claro, Monsenhor, digo, Professor.

— Você foi o último que aqui chegou. É natural que tenha tido contato com eventos recentes, como o dessa doença que você chamou de...

— AIDS, que é a sigla correspondente à expressão inglesa que se traduziu por Síndrome da Deficiência Imunológica Adquirida.

Deodoro não se apertou:

— Acquired Immunological Deficiency Syndrome, se o meu inglês estiver correto.

— Afirmo-lhe que está.

— Então essa doença atinge as pessoas através do contato sexual ou sangüíneo?

— Devo informar, se for para desenvolver o tema, que me mantive em espírito na sociedade humana por longo tempo, errando pelo espaço contíguo à atmosfera terrestre, implorando pela ajuda dos médicos, antes de me saber morto. Foi assim que pude estruturar muitos conhecimentos atualizados, pelo menos até uns dois ou três anos atrás, quando notei que havia obtido melhora acentuada. Se não for falta de humildade, posso exibir minhas mãos inteiramente regeneradas, porque aperfeiçoei bastante minhas incipientes virtudes. Mas o caminho é estreito e difícil e as tentações ainda me fazem preferir a avenida mais larga e cômoda das riquezas óbvias da proteção espiritual, sem o correspondente esforço de superação das deficiências. Acredito, se puser fé nas informações que se encontram em Kardec, que deverei volver ao plano terreno muitas outras vezes, até adquirir direito ao passaporte às esferas superiores, ou melhor, a algum mundo de maior felicidade, como tanta gente que, por mérito próprio, está em Júpiter, planeta do sistema solar que abriga os espíritos mais evoluídos e que já nada mais têm a realizar na Terra.

— Pela tese que você está apresentando e que sou bem capaz de reconhecer no livro que li e que se encontra na estante com certeza, para utilizar-me do termo alienígena “carma”, os que sofrem estão cumprindo a obrigação de resgate dos crimes passados. Se for assim, aqueles que pereceram aparentemente inocentes nas guerras, civis atingidos por mortíferos bombardeios, estão pagando penas insuspeitas, porque dificilmente têm a noção dos malfeitos das vidas passadas. Os que chegam ao etéreo atingidos pela tragédia, desde que conformados e cientes da divina justiça, cumprem o seu darma, outra expressão da filosofia oriental, permitam-me, ou seja, tudo realizam de conformidade com a lei, merecendo, desde logo, a promoção a um setor do Universo mais condizente com suas qualidades. Isto tudo não está a justificar que nos interessemos pelos seres em penúria? Não foi esse o procedimento de Jesus, que buscava, inclusive, os criminosos...

Roberto não conseguiu sufocar a tentação:

— Diga, Mestre, os criminosos “de colarinho branco”, ou seja, os fariseus, os doutores da lei, os sacripantas que mantinham as suas posses, ainda que sob o domínio romano.

Deodoro regozijou-se:

— Sinto que o amigo não mantém a postura preconizada pelo Cristo, qual seja, a do perdão. Eu estou cansado de citar. Pronuncie você a sentença bíblica, por favor.

Roberto acertou “de prima”:

— “Se o seu irmão pecar, vá argüi-lo entre você e ele somente. Se ele o ouvir, você ganhou seu irmão.” “Então Pedro, aproximando-se, perguntou-lhe: Senhor, até quantas vezes meu irmão pecará contra mim, para que eu lhe perdoe? Até sete vezes? Respondeu-lhe Jesus: Não lhe digo que até sete vezes, mas até setenta vezes sete vezes.” (São Mateus, capítulo XVIII, versículos 15, 21 e 22.)

— Então, Roberto, que conclusão deve você tirar a respeito dos “elogios” que você teceu aos publicanos de todos os tempos?

— A conclusão é a mesma de sempre, qual seja, a de que eu sei a letra da lei mas não pratico, ser imperfeitíssimo que sou. Mas estou melhorando, graças a Deus! Mas você ia fazer referência ao verbo “esgarçar”, que apliquei ao perispírito dos sofredores. Eu explico. Você teve oportunidade de ver a minha mão meio desfeita. No sentido que empreguei o verbo, estava “esgarçada”, ou seja, esfiapada, desfiada, desfeita, lanhada, ferida. O perispírito tem elasticidade para sofrer esse tipo de impacto da consciência culpada. Eis que estou afirmando que os amigos aqui reunidos estão passando por momentos até gloriosos nesse aspecto, porque a repercussão de seus pecados não se reflete em sua vestimenta etérea. Vejam bem: não se reflete ainda, porque há crises que podem oferecer o risco desse prejuízo.

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