Usina de Letras
Usina de Letras
18 usuários online

Autor Titulo Nos textos

 

Artigos ( 62285 )

Cartas ( 21334)

Contos (13267)

Cordel (10451)

Cronicas (22540)

Discursos (3239)

Ensaios - (10388)

Erótico (13574)

Frases (50677)

Humor (20040)

Infantil (5458)

Infanto Juvenil (4780)

Letras de Música (5465)

Peça de Teatro (1376)

Poesias (140818)

Redação (3310)

Roteiro de Filme ou Novela (1064)

Teses / Monologos (2435)

Textos Jurídicos (1961)

Textos Religiosos/Sermões (6209)

LEGENDAS

( * )- Texto com Registro de Direito Autoral )

( ! )- Texto com Comentários

 

Nota Legal

Fale Conosco

 



Aguarde carregando ...
Erotico-->AS AVENTURAS DO PADRE DEODORO EM CAMPOS ETÉREOS — XVIII -- 03/08/2003 - 20:29 (wladimir olivier) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
5. CATIVOS

A novidade da luz dispersou as atenções para os objetos. Todos quiseram avaliar de que obras se tratava.

— “A Divina Comédia”.

— Hesíodo.

— Escritos de Platão.

— “Obras completas de Filinto Elísio”.

Deodoro quis saber a razão de escritos tão sem sentido, mediante as preocupações que demonstravam.

Foi Joaquim quem explicou:

— Houve uma época que fiz a leitura desses textos, o que significa que coube ao meu inconsciente realizar tal aparição.

Roberto não concordou:

— Talvez não tenha sido você quem tenha proporcionado ao grupo folhear estes volumes. Penso que o que houve foi uma instigação dos mentores do grupo.

Deodoro se mostrou intrigado com a denominação dada aos protetores:

— Por que você diz “mentores”? Sabemos que todo “mentor” guia, ensina ou aconselha. Um pouco de erudição: Mentor é o nome de uma personagem da Odisséia, de Homero, que era amigo e conselheiro de Ulisses e preceptor de seu filho Telêmaco. Sendo assim, como os anjos que de nós tomam conta nada mais fizeram do que montar uma biblioteca, não vejo como suspeitar que estejam exercendo, realmente, papéis de orientadores. Penso que teria sido melhor se tivesse dito “monitores”, especificando que eles estão auxiliando a gente a absorver os conhecimentos que vamos paulatinamente formulando, ajuda essa que vem antes de sairmos em peregrinação pelos campos etéreos, para a prática do bem, segundo a predisposição do grupo. De resto, não sei se vocês notaram, neste recinto não existe porta nem janela. Seqüestrados, no mundo, muito raramente são confinados com tanto rigor.

Everaldo observou:

— Noto que Deodoro fala sem estremeções. Não terá a fobia pelos locais fechados e não se preocupa com o fato. Por quê?

— Realmente, não vou emocionar-me com algo que terá sua explicação lógica em tempo oportuno. A propósito, o termo para o medo aos locais fechados é “claustrofobia”.

Falou e se arrependeu, porque os colegas de religião o que mais deviam conhecer era o claustro religioso, de forma que o ensino não surtiria efeito. Contudo, Arnaldo correu em socorro do Professor:

— Veja, Mestre, temos um dicionário e uma enciclopédia.

Roberto interveio:

— Sabem o que me vem à memória? Na parte da literatura espírita dita de revelação dos mistérios para os mortais, li que, em certas comunidades de espíritos, os meios de comunicação e os processos de informação são muito mais avançados do que os terrenos, de forma que já não são utilizados livros como estes, convencionais e apenas parcialmente racionais. Naquelas colônias, existem pequenos aparelhos eletrônicos que projetam, em fictícias telas, à vista dos que se reúnem, os verbetes com seus respectivos abonos sonoros e cinematográficos. Quando parti para cá, os humanos estavam recebendo notícias através da televisão, ou seja...

Foi Alfredo quem sugeriu:

— Por que tanto esforço para definir os termos? Vamos consultar os livros e fim. Se vocês não sabem, os encarnados já estão fabricando aparelhos eletrônicos, os chamados “computadores”, onde armazenam as informações e conhecimentos, podendo chamar para a tela do monitor as explicações, segundo a padronização dos antigos pais-dos-burros.

Enquanto todos buscavam compulsar os volumes na busca dos verbetes de seus interesses, Deodoro elaborava uma questão para apresentar em seguida. Mas não foram tão rápidas as pesquisas, de sorte que teve tempo para algumas reflexões próprias:

Se é verdade que o tempo, nesta zona purificatória, transcorre de modo diferente que no universo tangível dos encarnados, então, quantos anos terão passado desde que cada um de nós veio para cá? A mim me parece que a menção do envio de tropas americanas para a Ásia não estava nas cogitações de ninguém quando morri. No entanto, perdi completamente a noção da época e do local, quando hibernei em forma bem pouco condizente com as premissas humanas.

— Hermó, por favor, verifique se é possível pôr data nos acontecimentos referidos por Sua Santidade no último sermão que ouvimos.

— Imediatamente, Professor. Consta aqui que os Estados Unidos estiveram na Coréia, no início da década de cinqüenta. Também se registra o auxílio prestado aos anticomunistas do sul do Vietnã, já nos anos sessenta e setenta. Mas as indicações mais atualizadas se referem ao verbete relativo aos computadores, com a indicação precisa de que, em 1993, era lançado um novo programa da série Windows.

— Em que ano estão lá na Terra?

— Por aí mesmo, talvez. Para termos a certeza, só indo até lá, o que não é difícil. Pergunte ao Roberto.

Chamado à conversa, este esclareceu:

— Se você está lembrado, Deodoro, em “O Livro dos Espíritos” existem muitas alusões ao fato de que os espíritos ficam ao derredor dos encarnados, para aborrecê-los, prejudicá-los, auxiliá-los, inspirá-los. Sendo assim, não vejo como não alcançarmos o mesmo benefício, dado que convimos estar de posse de nosso livre-arbítrio. O chato, perdão pela má palavra, é que estamos presos. Ou não?

Deodoro bem se lembrou de alguns trechos que referendariam as palavras do amigo, entretanto, quis enfatizar dois outros aspectos:

— Estou tranqüilo quanto a estarmos reclusos, porque já passei por semelhante experiência, tendo tido o poder de criar ou de descobrir o fecho da janela por onde escapuli do hospital que primeiro me agasalhou. Também devo dizer que não me afeta o fato de se terem passado duas décadas, aproximadamente, desde que faleci. Como não me sinto pior que antes, como meu organismo não apresenta nenhum desgaste debilitante — ao contrário, estou cada vez menos envergado pela senectude, tanto que meu cérebro está demonstrando agilidade bem superior aos derradeiros tempos da encarnação — não posso reclamar de nada. Suspeito que, em me transformando em alguém melhor, recuperarei as oportunidades de oferecer meus préstimos aos em pior estado e vencerei etapas com muito maior rapidez. Mas vou aprovar a idéia de irmos à face do globo, para confirmarmos as informações passadas a Kardec pelos espíritos superiores. Que vocês acham disso?

Arnaldo e Alfredo assentiram com a cabeça. Os outros, não. Foi Joaquim quem desejou manifestar-se:

— Antes disso, querido Professor, devemos expor as nossas intuições quanto às suas palavras de otimismo. Quanto a mim, suspeito de que não vai ser muito fácil realizar tal viagem.

Deodoro, sustando a tempo um sinal de impaciência, redargüiu:

— Ora, é só configurar no pensamento um local bem determinado, vamos dizer, o Corcovado, para lá nos deslocarmos de imediato.

— Você já tentou fazê-lo?

— Sozinho, eu sei que não conseguiria. Mas, se todos nós obtivermos o apoio dos anjos protetores, iremos realizar o feito sem problema.

— Então, voltamos ao meu ponto inicial. Será que todos concordamos com essa deslocação? Eu me explico, falando por mim. Não contei ainda os episódios mais tristes da minha vida. Na verdade, criei certas inimizades. Os fatos em si não têm interesse, mas o caso é que não gostaria de me ver diante dos desafetos, alguns já neste plano e outros, talvez, ainda encarnados, mas com asseclas nesta dimensão com poder de me atingir.

Aquilo tudo parecia muito estranho a Deodoro. Ele mesmo não dava conta de ninguém que pretendesse feri-lo. Estaria errado?

— Que sugere o amigo Joaquim que façamos, especificamente?

— Eu acho que nós devemos, primeiro, comprovar o fato de que não conseguiríamos sair deste calabouço filosófico. Em seguida, resignadamente, deveremos contar as nossas histórias, caracterizando os percalços que deveremos enfrentar para resolvermos todas as nossas pendências, porque não cumprimos a recomendação de Jesus, qual seja, Deodoro?...

— A recomendação se encontra nos versículos 25 e 26 do capítulo V de São Mateus: “Reconcilie-se o quanto antes com seu adversário, enquanto estão caminhando juntos, no temor de que seu adversário o entregue ao juiz, e que o juiz o entregue ao ministro da justiça, e você seja posto na prisão. — Eu lhe digo, em verdade, que você não sairá dali, sem que haja pago até o último centavo.” Mas eu gostaria de considerar a proposta muito apropriada. Sendo assim, se ninguém discordar, vamos concentrar-nos para descobrir ou fabricar uma passagem para o exterior.

Todos concordes, iniciaram uma longa meditação, no sentido de facultar aos seus poderes vibratórios o exercício de abertura de uma porta na parede. Contudo, por mais que envidassem esforços mentais, nada conseguiram. Aliás, Deodoro foi ficando cada vez mais alegre, porque se confirmava o fato de que precisavam melhorar para adquirirem domínio sobre a natureza que lhes dava forma. Esquecia, evidentemente, a manifestação anterior de que bastava pensar para se deslocar. É que se lhe formava na mente o desejo de conhecer os novéis companheiros de modo íntimo, ao mesmo tempo que pretendia ouvi-los a respeito dos sucessos dos empreendimentos carnais, para dar-lhes reforço à deliberação que os levava a segui-lo na qualidade de benfeitor ou protetor.

O fracasso estimulou o grupo a examinar de perto a muralha intransponível. No afã de verificar a constituição energética ou fluídica das paredes, instintivamente começaram a percorrer o recinto em todas as direções, como se estivessem numa capsula sem gravidade. O novo fez que se divertissem muitíssimo, dando piruetas feito crianças em balão inflado de plástico, cheio de bolinhas de plástico macio e inofensivo.

Foi Deodoro quem chamou a atenção dos outros para a insólita figura que lhe ocorrera:

— Amigos, por favor, terei sido o único a imaginar um bando de crianças a se divertir num brinquedo que eu mesmo jamais vi?

Hermógenes interrogou o Professor:

— Que brinquedo?

— Algo como um recinto feito de borracha em que as crianças entram e se atiram no meio de um colchão coberto de bolinhas multicoloridas, que as arremessam para o alto, umas contra as outras, em pura alucinação de movimentos e atropelos.

Hermógenes revelou:

— Pois eu conheci esse objeto e tive ocasião de condená-lo, em nome da saúde pública, já que havia um contato muito perigoso para a disseminação das doenças transmissíveis, em ambiente hermeticamente fechado.

— Então, eu fui capaz de captar-lhe não só as idéias mas também as imagens que se formaram em sua mente. Não estará aí o princípio da aparelhagem citada por Roberto, para favorecer os espíritos quanto à consulta dos livros?

Everaldo propôs uma condição científica:

— Como todos devem recordar-se, existe um princípio do empirismo que condiciona os fenômenos, enquanto ação e reação tipicamente material — seria este o nosso caso — às práticas laboratoriais de controle, porque só o que se consegue dominar através dos experimentos é que se deve dar como completamente conhecido, ao menos na condição de caixa-preta. O que estou vendo neste grupo é muita dispersão, o que ocorre comigo, inclusive.; menos com Deodoro. À vista de não estarmos completamente isentos da molecagem dos primeiros tempos na carne, proponho que iniciemos as exposições biográficas por Deodoro, que deseja impressionar-nos com a clarividência de seu intelecto e com a lhanura de seus sentimentos. Desculpe-me, Professor, mas os seus intentos não me passaram despercebidos. Comece por aí, por favor.

— Ia mesmo solicitar para me permitirem ser o primeiro, reconhecendo que emiti as vibrações que Everaldo soube traduzir tão bem. Mas, se me derem consentimento, irei desfiar um roteiro de fatos que reputo agora em descompasso com a natureza orgânica da Terra, que geraram pressupostos de grandiosidade espiritual, porque colocados entre os sacrifícios, conforme o exemplo do Cristo. O primeiro problema é o do celibato clerical. Vejam que não faço referência específica ao voto da castidade, porque não creio que um único sacerdote tenha abdicado dos prazeres sexuais por vocação religiosa. Foi a confissão que mais ouvi e a que mais expus, pecado magno do qual nunca me arrependi verdadeiramente e que me obrigou a inúmeros terços de penitência. Gostaria de confirmar a concordância do grupo, antes de prosseguir.

— Todos somos igualmente pecadores, suspirou quase inaudivelmente Joaquim.

Os demais assentiram calados. Deodoro continuou:

— Pois o que vejo de mais grave está noutro dispositivo contra o direito natural. Enquanto, de um modo ou de outro, dávamos vazão à libido, talvez alguns gerando problemas de relacionamento, não íamos afetando o corpo, porque os gozos corpóreos foram dados aos seres, e não só aos humanos, por Deus. Quem estudou os costumes dos apóstolos, por exemplo, sabe que há notícias a respeito de quase todos, em relação a serem casados e terem famílias. Nem por isso sofreram nenhuma censura de Jesus. Estou enganado?

Ninguém se manifestou. Deodoro foi avante:

— Somente depois de mais de um milênio de cristianismo é que a Igreja, em concílio, resolveu que os padres não poderiam mais casar-se, em virtude de sérios problemas eclesiásticos envolvendo prejuízos materiais para a comunidade religiosa. Sei que, depois, os prejuízos vieram a ser espirituais, estes, contudo, de muito mais fácil resolução. Ora, o fato de não constituirmos família está a produzir em minha mente uma crise peculiar. Vivo, jamais me dei conta da ofensa que poderia estar cometendo contra outras pessoas, porque julgava que a procriação fazia eclodir uma nova alma, numa nova vida. No etéreo, começo a constatar que há programações de vida, de modo que a ninguém é dado o direito...

Parou para meditar sobre o impulso que o levava a considerar o fato de ter filhos um direito.

Joaquim voltou a manifestar-se:

— Talvez o Professor esteja tentando definir a situação como de direito dos filhos ao nascimento. Restaria aos pais o dever.

— Bem dito, amigo. É exatamente isso o que gostaria de ter expressado. De qualquer modo, os meus quarenta últimos anos de vida se deram de modo muito triste, porque fui perdendo todos os parentes. Meus pais morreram, meus irmãos também, os meus sobrinhos “estavam noutra”, se me permitem a gíria, tios, tias, primos e demais parentela simplesmente desapareceram de meu círculo vital. Fiquei sozinho. Se tivesse tido uma esposa e filhos, teria netos e bisnetos, provavelmente, e essas pessoas preencheriam o meu tempo de aposentadoria. Mas não me iludo. São apenas conjeturas pela experiência da longa peregrinação terrena. Agora é tarde para lamentar a solidão e a crescente disparidade de pensamentos com as pessoas do meu relacionamento. Inclusive, já não entendia sequer os projetos dos sacerdotes que propugnavam reformas na Igreja, acreditando que faleciam os preceitos teológicos cristãos. Obediente, todavia, não dei trabalho aos superiores nem questionei os mais jovens. Simplesmente, coloquei-me, como diriam estes, “para escanteio”. Desejo saber se tenho motivos para suspeitar que tenha feito baldar alguns planos de encarnação e que, por isso, tenha molestado alguns seres que comigo contavam para mais uma realização na carne.

Everaldo quis contribuir:

— Por que não empregar o termo “carma”, extraído das religiões orientais, especialmente da Índia, e que considera o conjunto das ações humanas bem como suas conseqüências?

Deodoro concordou:

— Se for para facilitar as exposições, acato a sugestão. Mas o que eu queria mesmo é saber se todos têm a impressão de terem ficado em falta para com espíritos desejosos de ingressar no orbe.

Após uma rápida consulta mental aos demais, Joaquim esclareceu:

— Para nós se constitui em novidade tal preocupação. Segundo o que pude depreender do pensamento enfeixado nas informações que os colegas me passaram, nós estamos muito mais propensos a examinar os casos concretos de desavenças de que temos conhecimento. Por mim, acho que Deodoro está buscando desviar-nos a atenção das reais ofensas que tenha praticado. Conte-nos, por exemplo, um caso de convivência sexual com uma paroquiana, para deduzirmos que possa ela ter sido iludida por Vossa Reverência, ou que o marido e os filhos dela tenham recebido o influxo poderosíssimo de angustiante decepção. Isso de ficar filosofando a respeito do direito natural e do direito social, com base no direito canônico, faz-nos sentir o ranço das discussões didáticas especialmente preparadas para levar avante o ano letivo, marasmando as aulas. Não terá sido esse outro “pecadão” do Professor?

Comentarios
O que você achou deste texto?     Nome:     Mail:    
Comente: 
Renove sua assinatura para ver os contadores de acesso - Clique Aqui