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Contos-->Tocata In Fuga. (Uma Canção Para Voz e Silêncio) -- 09/01/2004 - 17:53 (Márcio Scheel) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
Tocata In Fuga.
(Uma Canção Para Voz e Silêncio)

Ao amigo e professor José Pedro Antunes, pelo músico que descobri.


Alguns chamam lembrança.
Eu prefiro chamar canção.
Dessas que a gente ouve naqueles discos velhos de vinil, cheio de ruídos, silêncios, imperfeições. Não vou chamar lembrança. Não adianta: para mim tem sempre o gosto de canção: um piano pianíssimo: um conjunto de cordas: um trio de metais soprando leveza noite adentro. O pé marcando o tempo, um olhar meio distraído, essa vontade de cantar.

Dá gosto de noites assim.
De dias assim.
Da vida assim
(suspensa).

Pode ser um sobressalto. Um passo de dança. Pode ser o labirinto. A ilha de Creta.

Pode ser até mesmo uma falta de saídas. Chuva pingando na janela. Televisão fora do ar. Vento. Venta muito no verão. Esse calor sufocante não oferece muitos motivos. O segredo é se entregar à melodia. Um sax inventando a noite. A alma em abandono, na surdina, entre consternada e melancólica, mas livre, quase que a voar. Às vezes a gente tem alma de pássaro. Azul bem leve. Desumanamente leve. Não importa. O gosto é sempre de canção.
Canção tem gosto, sim. Depende da hora, do clima, do calor que estiver fazendo. Depende de suores e cansaços, do corpo que se rende. Quase sempre canção é acre, mas em dias assim, em noites assim, o gosto é refinado, tinto, ou feito de ervas e especiarias. Uma saudade que leva a gente em si. Isso é música. Não tem nada a ver com lembrança ou desprendimento. Canção, simplesmente. Disco muito antigo. Memória é sempre em branco-e-preto. Vale pela trilha sonora, que arde sem mistérios. E pela alma em frangalhos.
Entregar-se à canção. Eis tudo. Um trio de metais. Um conjunto de cordas. Afogar-se nos compassos. Entre um cigarro e outro. Sofrer essa vontade de lirismo que me paralisa o trabalho. Cenas líricas. Roteiros sentimentais. Melancolia suave que tem jeito de meia-luz, de passo de dança malogrado, de vertigem e leveza. Mas não vou falar em lembrança. Talvez em fins de tarde, em ocaso, nas mesmas, velhas e precárias coisas de que sempre falo, as quais não posso fugir, dizer adeus apenas, porque parte inalienável de mim. De nós. De nós dois. Um disco antigo, feito de ruídos e imperfeições, que gira, gira, gira, sem lugar no mundo. Ou uma nostalgia sem ponto final.

Melhor entregar-se à canção.

Dar crédito à saudade, ouvir falar os anjos que não ousam abrir asas em dias assim. Em noites assim. Na vida levada assim: entre ritmo e sobressalto, entre espera, abandono e solidão. Amor, que é a mesma e irrevogável causa de qualquer canção... de toda lembrança. Os desvãos da alma. Alma consterna mais que canção. Minha tocata in fuga. É preciso um certo desprendimento, olhar de cachorro abandonado, além de estar vazio, assolado, patético e humano, para não dizer apaixonado, se quiser fazer sentido. Principalmente, é preciso não falar em amor; em cenas líricas – outra obsessão – premeditadas em silêncio, como quem, fechados os olhos, conta compassos de uma melodia imaginária, que vai ardendo fundo na gente; e evitar os crepúsculos, que é quando o sol vai baixando de tom e sugere uma boa oportunidade para se ter pena de si mesmo, irrefletidamente.

Alguns chamam lembrança.
Eu ainda acredito que só se trate de canções.
Melhor fechar os olhos e esquecer.
E pensar a vida em sons, intervalos regulares, tempos divididos, labirintos de uma harmonia nostálgica e alheia.
Sem palavras.
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