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Erotico-->16. UM SONHO MUITO LOUCO -- 08/07/2003 - 09:14 (wladimir olivier) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos

Durante toda aquela manhã, mantive acesa a impressão de estar sendo vigiado de perto pelos amigos do plano espiritual. Era, evidentemente, a subjetiva influência da missiva de meu irmão.

Passava-me pela cabeça que poderia ter sido eu a receber a mensagem, não estivesse tão interessado em discutir os aspectos teóricos, pretendendo uma explicação para cada pequenino trecho que lia ou comentário que escutava dos colegas de turma.

Estando com Ana, era a mesma coisa, talvez pior, porque exigia dela que expusesse sempre opiniões sobre todos os eventos morais, sentimentais, científicos, religiosos, doutrinários e sociais.; o que fosse que acorresse ao encontro do meu discernimento.

Almocei frugalmente, depois de ter realizado alguns duros exercícios físicos na academia de ginástica, o que era normal nos dias em que Raul não estava comigo. Voltei para o escritório, encostei a porta, sinal para não ser perturbado porque iria tirar uma pestana, encostei as duas poltronas e me ajeitei com a ajuda de uma almofada.

Com as cortinas cerradas, o ambiente se escurecia e me favorecia o desprendimento da realidade.

Naquela tarde, demorei um pouco até fechar os olhos. Provavelmente, as sombras que se agitavam na parede fronteira causaram-me aquele torpor propício para as criações mais estapafúrdias da fantasia.



Imerso nas profundezas da mente, desloquei-me para diante da igreja da praça. Ia sozinho mas me sentia seguido por um comboio de caminhões, que não cheguei a ver em nenhum momento. Diante da construção, dava ordens para que os materiais que trouxera fossem sendo descarregados e dispostos ao derredor do templo. A figura de Frederico se multiplicava e se confundia com a de Raimundo. Reconhecia também os empregados do depósito, entre os quais muitos que há tempos já não mais trabalhavam para mim. Interessava-me pelas fisionomias das pessoas mas não praticava assunto algum com ninguém.

De repente, vi-me com mãos de criança a badalar o sino da torre, som entre alegre e triste, indefinido, a anunciar graves acontecimentos com repercussões festivas. Desci as escadas correndo, sentindo-me com nove anos, e me pus ao lado do altar, vestido de coroinha, com a campainha na mão, que agitava, sem extrair som algum. Olhava-me, muito sério, o oficiante, misto de Aristides e seu sucessor, como a me censurar as travessuras.

Ao olhar para o santo entronizado, vi uma Nossa Senhora muito linda, com uma coroa de flores reluzentes, como se as pétalas estivessem cravejadas de pedras preciosas. O rosto era o mesmo das imagens mais comuns. Eu olhava fixamente para aquela figura e me passava pela mente que a escultura de gesso deveria criar vida, descendo do pedestal, para me acompanhar até o jardim externo.

Nesse momento, tocaram-me no ombro. Era Luís, que reconheci sem tirar os olhos da padroeira.

— Que é que você quer comigo? Não sabe que já morreu? Por que não vai procurar a sua mulher, que pranteia a sua morte?

E apontava para a nave da igreja, sem voltar os olhos, sabendo que lá se encontrava Maria, vestida toda de negro, com pesado véu sobre o rosto.

Eu dizia intimamente:

“Por que é que Ana não vem trazer paz para este meu coração amargurado?”

No entanto, a única aflição que sentia era a de não poder desviar a vista da figura do altar.

Sem perceber, de um momento para outro, me vi longe dali, num descampado, largo terreno apenas coberto de grama. O quadro era todo em branco e preto e eu me perguntava a razão de aquela vegetação não ser verde. Ao meu lado, com suas longas vestes de figura medieval, a mesma Nossa Senhora, animada, a sorrir para mim com olhos absolutamente inexpressivos, onde se notava uma lágrima.

Perturbei-me e fiz força para ajoelhar-me com a intenção de rogar perdão por tê-la trazido comigo para aquele deserto. Angustiava-me a solidão e o silêncio, quando notei no chão alguns livros a me convidarem à leitura. O primeiro que apanhei trazia um título que não consegui decifrar, como se escrito em caracteres desconhecidos. Ao abrir, as páginas estavam em branco. Notei que o espaço em volta se enchia de risotas, alguém a mangar comigo, como se me tivessem preparado uma armadilha em que caí.

Raciocinei que deveria avançar com extremo cuidado, para evitar as sebes de espinhos que me barravam a caminhada. A mesma disposição de vencer os obstáculos que se manifestara antes fez-me entender que se tratava de simples sonho e que poderia escapulir voando.

Foi assim que levitei de volta à praça da matriz, onde os operários terminavam a construção de uma casa enorme, mas muito diferente do templo que antes lá se erguia. Imaginei que se tratava de um centro espírita e busquei a respectiva inscrição, querendo ler o nome de “Padre Zabeu”. À medida, porém, que ia dando a volta ao edifício, foram juntando-se a mim inúmeras pessoas, a maioria das quais com rostos desconhecidos. À minha frente, seguia Raul, que conversava com meu pai. Achei que encontraria minha mãe, mas era Odete quem me dava a mão. Joana passou correndo, seguida de Jurandir. Pensei que Luís também estivesse por ali mas, ao erguer os olhos por sobre o alto telhado do prédio, vi o espírito de meu irmão, iluminado como um ator no palco, que me acenava e se afastava na direção do céu.

Quando desejei comentar com Odete, percebi que era Ana quem me segurava o pulso, estendendo a outra mão, a indicar a porta da frente, onde se lia “Centro Espírita da Paz Divina”. Irresistivelmente, a multidão encheu o auditório. No palco, representava-se uma peça, estranha cena de casamento entre uma parturiente, que permanecia na mesa obstétrica, e uma pessoa com um chapéu colorido do tipo dos farricocos a cobrir-lhe o rosto. Oficiava o sacramento Raspace.

Eu dizia baixinho, como a conversar com Ana:

— Não está certo que a nossa cunhadinha se case de novo. Luís só morreu na aparência. Ele está em outra dimensão e seu espírito está mais vivo do que nunca.

Ana, porém, sobre o palco, erguia um recém-nascido, pedindo aplausos para o povo.

Do meu lado, Rosa Maria embalava Mateus no colo, enquanto Lucas folgava com seus brinquedos na sala de casa.

Eu me interrogava:

“Como é que estou na igreja, em casa e no centro ao mesmo tempo? Será que Kardec não vem pra me explicar o que está acontecendo?”

Alguém, atrás de mim, me disse:

— Eu posso fazer isso, se você não se virar.

Ato contínuo, me voltei para saber quem tinha dito a frase, mas tudo se dissipou.



Acordei sob a impressão completa das imagens que se representaram em meu inconsciente, com Raimundo me chamando:

— Patrão, patrão!

— Que foi, homem de Deus!

— Está aí uma pessoa que insiste em falar com o senhor.

— Peça pra esperar um pouco, que estou zonzo com o sonho que estava tendo.

— Perdão, “Seu” Cláudio! Achei que era importante.

— Não faz mal, Raimundo. Mas me deixa acordar primeiro.

Saiu o velho empregado, mantendo a porta encostada. Depois de uns bons dois minutos, fui atender quem me procurava.

Era um sujeito de óculos e engravatado, portando uma pasta preta. Foi logo apresentando-se:

— Laerte, ao vosso dispor! Oficial de Justiça. Trago uma intimação em nome de Luís...

Mediante a curiosidade dos empregados, cortei-lhe a verborrágica manifestação e introduzi-o no escritório.

— Prazer. Sou Cláudio, irmão do finado Luís.

O homem pareceu desconcertado. Continuei:

— Morreu há dois meses e pouco, em desastre automobilístico. Se o senhor quiser entregar-me o documento...

— Não posso, a menos que obtenha ordem do meritíssimo. Neste caso, a entrega haverá de ser ao advogado da família, em virtude da pendência de que trata o processo.

Abri a caixinha de cartões de visita, retirei um do Raul e estendi-lhe, recomendando:

— Nosso advogado é o Doutor Raul, meu irmão. O senhor tem aí o endereço completo.

— Muito obrigado. Passar bem.

— Passar bem.

Abandonei-o à porta do escritório e imediatamente passei a registrar tudo que me lembrava do sonho. Queria ser o mais fiel possível ao relatá-lo a Ana. Nessa tarefa, passei o restante da tarde, interrompido muitas vezes, inclusive pelo Raul, que afirmava ter de conversar muito comigo em particular.

Em casa, como não era o dia marcado para o “Evangelho no Lar”, tínhamos a noite à disposição para pôr os assuntos em ordem.

Primeiro, foi Ana quem contou tudo a respeito da exposição que fez Maria. Odete também se incorporara ao grupo e fora de muita serventia na apreciação espírita das resoluções.

Fiz referência ao “óbolo da viúva”, a ver se Maria batera com a língua nos dentes, mas Ana não se deu conta da extensão da facécia ou fez que não entendeu, porque os temas jocosos não estavam na ordem do dia. Engoli o sorriso amarelo que preparara e redobrei a atenção, quando ela mencionou que a cartinha de Luís merecia sérios reparos.

Insisti em que me dissesse quais as críticas mais contundentes, mas ouvi dela apenas que não iria dizer mais nada, não antes de consultar os seus pares na reunião da próxima semana.

Informei-a a respeito do sonho e mostrei-lhe o meu escrito. Depois de haver lido, perguntou-me:

— Por que foi que você ficou tão impressionado a ponto de escrever tudo isto?

— Eu acho que pode ter sido um aviso, uma premonição.

— Em que sentido?

— Quando Maria se casa de novo.

— Qualquer pessoa normal pode imaginar isso mesmo. O que eu acho é que esse sonho precisa ser interpretado por algum analista ou psiquiatra. Achei muito obscuras várias passagens...

Eu complementei:

— Você me lembrou das parábolas das escrituras, que Jesus precisava explicar aos discípulos e apóstolos.

— Não vamos aborrecer os espíritos que nos assistem com comparações sem sentido.

Senti que Ana extrapolava sua importância, por estar numa turma mais adiantada, obrigando-me a reconhecer a minha inferioridade. Pensei em liberá-la do habitual fornecimento de opinião, mas a própria razão de estar mais avançada na doutrina me convenceu do contrário. Sem comentar a observação que ela tinha feito, sem transição, interroguei-a:

— Você não acha que o fato de eu estar levando material de construção pra erguer os prédios sagrados não significa que estou preocupado em edificar a minha educação religiosa?

— Vejo que você meditou sobre o assunto. Pensando bem, por que não julgar que você está impando de vaidade por contribuir pra uma causa nobilitante?

Tomado de surpresa pela interpretação insuspeitada, levantei uma questão:

— Você está querendo dizer que é possível disfarçar, também nos sonhos, as intenções mais vis?

— Tudo é possível, no campo da fantasia.

— Concordo com você. Mas sonhar não será representar mentalmente os problemas do dia-a-dia ou aqueles que causam temores ou traumas psicológicos?

Se tivesse parado para pensar sobre a minha maneira de expressar-me, talvez atinasse com certo ranço de despeito por ter sido considerado mais ou menos perverso.

Ana, porém, desviou-se do ponto em que eu havia centrado o pensamento e asseverou:

— É preciso tomar muito cuidado com os frutos da imaginação. Rodolfo alertou-nos pras criações terríveis da mente, que é capaz de formular todo um universo de mentiras, nas quais passamos a acreditar religiosamente, como no caso dos romances espíritas que retratam as colônias do Umbral. Os leitores são conduzidos por vias concretas, até que se enredam em composições absolutamente distantes de tudo o que se encontra registrado nos livros da Codificação. São obras aparentemente doutrinárias, contudo, se não estivermos atentos, seremos engodados pelos obsessores de plantão, que nos farão crer em construções que erigiremos quando desencarnarmos, porque, no etéreo, as vibrações mentais criam o ambiente em que iremos subsistir.

Notei a correção dos raciocínios e a fluência verbal e admiti, no íntimo, que Ana estava sendo excelente aluna do palestrante encarregado das aulas. Não tinha, porém, como comprovar ou reprovar o que escutara com o máximo de atenção. Entretanto, não perdi o interesse em decifrar algumas partes do meu sonho. Solicitei novo parecer dela:

— Você não acha que a presença espiritual de Luís, no meu sonho, possa ter sido uma visão da realidade em que ele está no momento? Não lhe parece que havia uma mensagem de bem-estar, de resignação, de evolução, no fato de ele se alçar pra longe do campo terrestre? Não estaria tentando informar que permitia que a esposa contraísse novas núpcias? Não terá sido significativo que o noivo estivesse encapuzado, uma vez que não poderiam os meus benfeitores desvendar o mistério do futuro cônjuge?

Falei rapidamente para poder dizer tudo. Ana foi fulminante:

— É muito cedo pra que Luís tenha adquirido tanto adiantamento espiritual. No campo evolutivo, as coisas acontecem segundo um encadeamento natural de causa e efeito...

Ela desenvolveria ainda por mais alguns instantes as suas teses, mas eu me perdi em meus pensamentos, até que desabafou:

— Você quer que eu expresse minhas opiniões e depois nem presta atenção no que estou dizendo. Aposto que não é capaz de reproduzir nada do que eu disse.

— Você falava da lei de causa e efeito, quando me desliguei.

Procurei abraçá-la mas Ana não cedeu:

— Chega pra lá que estamos tratando de temas sagrados.

— Pois muito bem! Vou tirar uns “xerox” destas páginas e vou dar a várias pessoas. Vamos ver como é que o meu sonho repercute entre os meus amigos. Quem sabe eles não vejam tanta coisa negativa.

Magoou-se minha companheira:

— Se você rejeita as verdades que estou expondo, por que quer sempre perguntar tudo pra mim?

Falou séria, como se me desse uma lição definitiva. Mais tarde, refletindo sobre a atitude dela, pude perceber que tinha razão quanto a eu ter sempre tratado de tudo sem profundidade, adaptando as teorias à minha disponibilidade de tempo e de interesse, sem interpretar nada à luz da lógica, da filosofia ou da doutrina.

“Será este o caminho que devo trilhar a fim de passar pra próxima turma? Estarei sendo supérfluo e isto está me impedindo de compreender de forma completa os termos em que se expõem as teses espíritas? Deverei merecer que o Mestre venha deslindar pra mim os segredos de suas parábolas?”

Admito que até hoje me envaideço por haver comparado o meu sonho com as estórias de Jesus e por ter sido inteligente para fazer a ligação entre as interpretações simplistas e as verdadeiras, como se eu estivesse falando como os discípulos e Ana, como o próprio Mestre.

Mas o episódio do sonho teve desdobramentos para além do que havia imaginado.

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