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Erotico-->5. TRATANDO DO ASSUNTO -- 27/06/2003 - 08:17 (wladimir olivier) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos

Tínhamos ido num carro só, de sorte que, a caminho do restaurante, já íamos discutindo alguns aspectos da reunião.

Eu permanecia taciturno, caladão, com medo da reação da Aninha. Procurei pela mão dela e achei-a calorosa, apertando-me com força, como a me dar coragem. Era a resposta da tranqüilidade e da compreensão. Era o apoio que nunca me negou em nosso relacionamento afetivo. Era a configuração da companheira da vida, para todos os efeitos, para todas as ocasiões, na alegria e na dor, como nos dissera o sacerdote, ao nos unir em matrimônio pelo sagrado sacramento eclesiástico.

Essa derivação das idéias para os fatos da religião dava-se naturalmente. Eu não buscava encontrar as raízes católicas como também não me recusava a encarar as intuições. Vinham à minha mente e saíam, como quem entra e sai da sala ou da cozinha, tendo o que fazer em outro cômodo da casa.

Mas Raul exigia que me dedicasse a certo rumo da conversa, porque desejava saber coisas de nós:

— Diga-me, você, Cláudio, que foi que você achou mais positivo e mais negativo em tudo o que lhe foi dado ver.

— O de mais positivo é o silêncio que se faz no auditório. Não sei se é porque não há hinos nem diálogos entre o oficiante e o povo, a gente vai se entrosando com os pensamentos que vão nascendo.; e aí está o que achei de mais negativo, quer dizer, o fato de eu me dispersar a cada momento indica que o orador não atraiu muito a minha atenção.

Ana, vendo que eu estava indo por um caminho de difícil retorno, interferiu:

— Eu acho que à noite, depois de um dia inteiro trabalhando, as pessoas não têm muita disposição pra esses assuntos abstratos. Se fosse passado um filminho, ou se fossem projetadas umas fotografias, talvez a gente ficasse mais atenta.

Maria pegou o bicho pelo rabo:

— Será que não existem fotografias de médiuns trabalhando? Seria muito interessante se passassem umas cenas das mesas girantes ou das cadeirinhas escreventes, conforme ele descreveu.

Fiquei pasmo, porque não me ocorria a lembrança de ter ouvido nada daquilo. Então me fechei em copas.

Mas Odete, que estava mais por dentro do assunto, foi logo explicando:

— Essas coisas aconteceram no século dezenove, na época de Kardec, quando, em todo canto, as pessoas se reuniam pra se divertirem com a dança das mesas e de outros objetos pesados. Mas a curiosidade morria ali. Se não fosse Kardec ver que havia movimentos inteligentes...

Raul acorreu para auxiliar:

— O princípio que ele tirou disso foi que somente causas inteligentes é que podem originar efeitos inteligentes.

Odete completou:

— Pois eu já vi na televisão vários efeitos físicos...

Ana perguntou:

— Eu vi o Doutor Fritz operando. Isso pode ser considerado um efeito físico?

Raul queria se manter à testa das explicações:

— Os médiuns curadores, conforme explicou Kardec...

Quem interrompeu então fui eu:

— Espera, aí, querido! Será que ouvi direito? Vocês já leram aqueles livros ou já estão indo, às quartas-feiras, pros cursos?

Ana completou:

— Se Odete estiver fazendo isso, está em falta com a gente, porque escondeu algo da família.

Odete, porém, não se apertou:

— Nós íamos contar tudo, mas resolvemos que seria muito mais importante que vocês vissem com os próprios olhos.

Nessa altura, chegamos ao restaurante e a conversa se dispersou.

Já em torno da mesa, continuamos a falar de Espiritismo mas o nosso interesse se punha sobre o que se dava nas aulas de mediunidade.

Quando chegou a comida, os ânimos estavam bastante alegres e falávamos como se tudo estivesse acertado para o dia seguinte.

Eu havia pedido o famoso “galletto”, metades de frango grelhadas em peças inteiras. Mas Raul e Odete preferiram pedir “pizza” de mozarela. Aí me veio a desconfiança de que eles estavam querendo tornar-se vegetarianos:

— Que é isso, mano, está deixando de comer carne?

A resposta dele foi surpreendente:

— Kardec perguntou a respeito aos espíritos e eles disseram que a carne nutre a carne. Então, não tem nada a ver com a doutrina espírita o fato de a gente estar evitando o consumo das viandas (para quem não sabe, “vianda”, apesar de significar qualquer tipo de alimento, tem acepção especializada como carne alimentar, ou carne de animal terrestre).

Percebi que o tema poderia ferir os seus melindres e me calei, mas compreendi que ele havia meditado muito a respeito e tinha-se preparado, inclusive por ser advogado, com os argumentos da doutrina e do dicionário.

— Você acha, insisti, que os espíritas acreditam que os animais também têm alma e que são dotados de vida pra seu aperfeiçoamento espiritual?

Parecia que Raul desejava algo nesse sentido, porque lhe dava oportunidade de falar a respeito de assunto muito fresco em seu recente acervo de conhecimentos. Respondeu-me sem pestanejar:

— Todo ser existente, qualquer que seja o reino da natureza, foi criado por Deus. Assim, os minerais, os vegetais e os animais têm, no âmago de sua formação, no interior de sua natureza, no princípio de sua criação, aquela centelha divina que tirou tudo do nada, porque nós não podemos acreditar que antes de Deus pudesse existir qualquer coisa.

Foi Maria quem, voltando de telefonar com as outras duas, pôs fim à filosofia:

— O Luís está chegando. Disse pra pedir pra ele um bom bife de vitela, com fritas e salada de agrião.

Não pudemos conter o riso. Então, manifestei-me alegremente:

— Vamos deixar que o marido de Dona Maria refute as palavras do doutor advogado e jurisconsulto. Enquanto isso, posso recomendar-lhes o franguinho, porque está uma delícia.

Só aí notei que Ana, que se sentara entre as cunhadas, havia aderido à “pizza”.

— Até você, querida?

— O quê?

— Não está querendo comer carne?

— Como assim?

— Você não está prestando atenção à conversa?

— Claro que estou! Odete acaba de me dizer que...

— Eu estou falando a respeito das almas dos animais.

— Quem é que está querendo comer as almas dos animais?

Não poderia ter dado resposta mais contundente. Raul, que estava ao meu lado, pôs-se a rir, quase afogando-se. Precisei dar-lhe uns tapas nas costas. Enquanto esta cena se passava, as mulheres tricotavam não sei que conversa entre elas.

— Garçom, por favor! — chamei o rapaz que passava entre as mesas próximas.

Encomendei o prato do Luís e pedi mais uma garrafa de vinho.

— Para mim, outra garrafa de mineral, sem gás, por favor — solicitou Raul.

— Desta vez, você não me pega — disse-lhe. — Bem que eu vi você tomando da outra garrafa de vinho.

— Se você observou bem, viu que eu misturei com água.

— E que o Espiritismo tem contra as bebidas alcoólicas?

— São as bebidas que têm contra os espiritistas. Aliás, contra todo o gênero humano.

— Mas Jesus bebia vinho.; você não há de negar...

— Consta que Kardec não desprezava. Contudo, não há relato algum de que nem um nem outro se tenha embriagado. O mal está nos excessos — concluiu, batendo-me amigavelmente nas costas.

— Eu acho que até pra rir precisa que a pessoa não exagere.

— É bem verdade, querido maninho. Mas, se você pensa que vou achar que qualquer provocação sua irá me afetar, esqueça. Vocês me deram uma alegria muito grande, quando compareceram ao centro espírita. Maior ainda quando confirmaram que estão dispostos a voltar.

— Você tem alguma recomendação técnica especial pra quem vai começar?

— A primeira coisa de que me lembro é que devem manter segredo. Se as carolas ficarem sabendo, vão correndo avisar o Aristides. Aí, vocês vão receber uma visita desagradável. Pior ainda se ele gesticular no púlpito, como a fustigar as pobres almas que estão caindo nas chamas infernais.

— Antes que o Luisinho chegue, você tem alguma explicação pro fato de ele ter roído a corda?

— Qualquer coisa que eu diga será mera imaginação. Como você sabe, eu gosto de raciocinar sobre fatos e não hipóteses. O fato é que ele não veio e não se dignou dizer a razão. Maria não falou nada. Vamos esperar que ele mesmo revele o que aconteceu.

O diabo tem o maldito hábito de mostrar o rabo quando dele se fala. Foi nesse momento que Luís chegou, carregando consigo duas vistosas moças. O ambiente, momentaneamente, ficou gelado. Os três chegaram muito alegres, rindo à toa, como se estivessem tocados por estranha felicidade.

Luís aproximou-se da esposa, beijou-a na face e fez as apresentações:

— Meus irmãos, Raul e Cláudio.; suas esposas, Odete e Ana. Esta é Maria, minha mulher. Estas moças simpáticas são as mais novas aquisições da firma, duas arquitetas que pretendem montar estúdios próprios e que irão estagiar com a gente.

Foi um tal de apertar as mãos com o prazer dos lábios, sem nenhum afeto nos corações. Terminávamos os cumprimentos, quando se aproximaram dois valentes rapagões, jovens de vinte e poucos, ostentando ternos bem talhados e gravatas na última moda.

De novo Luís fez as apresentações, designando os moços como os maridos das jovens, os quais tinham ficado para trás para as manobras de estacionamento.

— Vocês vão-me desculpar, mas eles decidiram vir comigo na última hora, de modo que agora vamos ter de fazer novos pedidos.

Foi assim que puseram fim à nossa tertúlia religiosa.

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