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Erotico-->4. A PALESTRA -- 26/06/2003 - 08:20 (wladimir olivier) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos

Bem que Raul desejava apresentar-nos Rodolfo, antes da sessão, mas foi impossível chegar perto dele, tantas as pessoas que o rodeavam. Também, se a gente não se adiantasse, acabava ficando em pé. Por isso, julgamos melhor deixar para depois da reunião as apresentações.

O que me passou pela cabeça ao adentrar o recinto da conferência foi um cruzar de idéias e sentimentos, como se todas as recordações da vida confluíssem para um rumoroso caudal, engrossado pelo despertar das sensações que se cotejavam entre o novo ambiente religioso e o antigo do esplendor das imagens e aparatos.

Sei que a minha descrição tende para o subjetivo, porque o que estava examinando, naquele vetusto quadrilátero, eram paredes pintadas de fresco, com tinta de má qualidade e janelas ordinárias, segundo o meu parecer técnico de conhecedor de material de construção. Por isso, não estou gostando nadinha de ficar pondo reparo na pobreza do ambiente, quando fui enormemente impressionado pelas palavras que ali ouvi.

Ao assumir o posto de conferencista, atrás de uma mesa longa que pegava de um lado a outro do pequeno palco, sem cortinados, Rodolfo não estava sozinho. Veio com mais duas pessoas, um senhor idoso, de cabeleira branca bem tratada, mas humildemente trajado, e uma senhora, com um vestido cheio de ramagens discretas, em tonalidades verdes foscas, sobre marrom escuro.

Como não houvesse microfone, achei que a função de diminuir a luz e a prece que o mais velho disse, um padre-nosso, que ele enunciou como pai-nosso, fossem o método de obrigar a platéia a prestar atenção. Nesse momento, puseram um som distante, de suave música clássica, que reconheci mas que seria incapaz de nomear. Em todo caso, assim que se encerrou essa parte, tiraram o som, acenderam as luzes e a senhora falou um pouco a respeito do expediente do Centro Espírita:

— Os irmãos aqui presentes que se acostumaram com as nossas sessões públicas sabem que amanhã, quarta-feira, à noite, estaremos recebendo os inscritos nos cursos de mediunidade. Por isso, se houver alguém que deseje começar a freqüentar as aulas, deve apresentar-se meia hora antes, para uma entrevista rápida, senão a gente não vai saber onde deve levar a pessoa, conforme os conhecimentos que possua. Quinta-feira, as reuniões são fechadas para o público, porque fazemos, nesse dia, as sessões de desobsessão. Quando não damos acesso ao público em geral, é porque não queremos ninguém apenas curioso com o que esteja sucedendo durante a doutrinação dos irmãos sofredores que nos visitam, trazidos pelos protetores familiares ou pelos guias do nosso centro. Na sexta-feira...

Eu poderia, com o conhecimento de hoje, dizer quais foram as diretrizes e programas que a companheira relatou. Contudo, naquele dia, a minha atenção se perdeu, quando comecei a imaginar o que poderia ocorrer nas chamadas “sessões de desobsessão”, conforme me chamou a atenção a expressão, na época, estranha aos meus ouvidos:

“Será que as almas do outro mundo vêm pra se comunicar, trazendo notícias de sua vida, pedindo pros parentes que mandem rezar missas em sua intenção? Ora, vê lá se isso é possível! A gente não está na igreja. Se isso acontecesse, pra que serve o Espiritismo? Estará a serviço das outras religiões? Será que os espíritos continuam crendo nos sistemas que ouviram dos padres e pastores? Então, os espíritas devem levar muita vantagem sobre as demais pessoas, porque ficam sabendo de antemão como é o outro lado da vida. Como será que as almas se comunicam com os vivos? Será que escrevem espontaneamente? Será que falam por meio dos médiuns? Pra que serve a doutrinação que aquela senhora mencionou?”

É bem verdade que pus um roteiro nos pensamentos daquela hora, porque a minha cabeça estava meio confusa. Era como se estivesse um pouco tonto. Entretanto, despertei para o momento, quando Rodolfo começou a palestra.

Do mesmo jeito que não assimilei tudo o que tinha ouvido antes, também as palavras do expositor ficaram turvas e se agitaram como águas tangidas pelos ventos. Em todo caso, algumas frases conseguiram enganchar-se no meu cabedal de conhecimentos, de sorte que as amarrei fortemente aos conceitos religiosos que trazia comigo.

Eis algumas.

— Os amigos que estão pela primeira vez neste recinto devem estar estranhando que o tema de hoje seja tão peculiar ao Espiritismo. Não seria melhor que o orador falasse de modo geral, explicando o que é esta ciência ou filosofia? Será que é religião? Será que é...

Sei agora que ele falou a respeito de uma doutrina milenar. Naquele dia, fiquei sem saber o que pensar, porque o que aprendera na faculdade estava muito distante daquela realidade. Lembrava-me das aulas e da facilidade com que os professores falavam da organização das empresas, do relacionamento das pessoas no trabalho, das leis e decretos, do sistema de catalogação das mercadorias, da história do comércio etc. Dispersivo, imaginei-me fora dali, comendo, num restaurante, uma “pizza” ou um “galletto al primo canto”, bebendo uns goles de bom vinho. Assim, fui levado a considerar aquela zonzeira como produto da fome.

Nessa altura das reflexões, Ana, ao meu lado, sussurrou:

— Na próxima vez, acho que vai ser bom que a gente coma antes de vir, pelo menos um lanche, pra que a sua barriga pare de roncar.

Eu pensei que os rugidos internos não estivessem assim tão altos e me envergonhei. Mas isso resultou em volver a atenção ao palestrante, depois de me acomodar direito no duro assento.

Rodolfo dizia:

— A mediunidade não é um dom especial. Todas as pessoas têm, um pouco mais, um pouco menos, a faculdade de entrar em contato com o plano da espiritualidade. Como em tudo na vida, como se aprende a desenhar, a tocar piano, a falar uma língua estrangeira, a bordar e até a cozinhar, também para trabalhar junto a uma mesa mediúnica é preciso bastante treinamento e também muito estudo.

Para mim, a idéia do estudo era novidade. Eu conhecia, de ouvir falar, o médium Chico Xavier e já vira muitos livros com o nome dele. Uma vez conversei com Raimundo a respeito do médium e ele me disse que não sabia quantas obras dele tinham sido publicadas. Estimava em mais de sessenta. Com certeza, mais de dez tinham sido, que foram as que ele havia lido. Para dizer a verdade, ele me trouxe um livro que escondi na gaveta do escritório e que, depois de uns dois meses, devolvi, dizendo que tinha lido mas que não tinha gostado. Era mentira mas foi o meio que encontrei de não entusiasmar o empregado, senão ele não ia parar mais de me trazer semelhante literatura.

Nesse momento de minhas meditações, Rodolfo chamou minha atenção, porque ergueu um livro para que todos vissem.

— Este daqui é “O Livro dos Médiuns”, de Allan Kardec. Tem mais de quatrocentas páginas de explicações muito importantes para quem quer obter conhecimento prático de como exercer a função mediúnica. É neste livro que se baseiam as aulas que são dadas no centro, nas quartas-feiras. Quem tiver oportunidade de ler, vai achar fascinante a maneira como o codificador da doutrina descreveu todos os fenômenos que ocorrem entre os dois planos, o terreno e o espiritual.

Antes que eu tivesse ensejo de reclamar intimamente do preço, porque desconfiava que esse era um dos métodos de arrecadação de fundos da instituição, o orador esclareceu:

— O preço que nós cobramos pelos livros de Kardec, para quem deseja adquirir as obras principais do Espiritismo, é meramente simbólico. Nem as casas espíritas, nem os livreiros especializados, nem as editoras visam a lucrar com estas obras. Assim, o valor material dos volumes se perde em insignificantes moedas, mediante a qualidade de vida que proporcionam os ensinos que neles se contêm. E, se alguém desejar ler sem pagar, podemos emprestar gratuitamente, porque a nossa biblioteca circulante tem volumes em quantidade razoável. A inscrição é grátis e a devolução é obrigatória. Aliás, o nosso irmão Raspace [“o senhor que fez a prece”], daqui a pouco, vai solicitar que alguns irmãos não se esqueçam de informar a respeito de empréstimos antigos.

O objetivo era o de fazer o povo rir mas eu interpretei como de muito mau gosto a tirada do simpático orador, porque não acreditava que, num meio em que se falava tanto de honestidade e do cumprimento de dever, para que as pessoas não caíssem no Umbral, houvesse quem desleixasse as obrigações. De resto, quando se encerrou a palestra, o convidado a falar a respeito das dívidas limitou-se a dizer que havia uma relação de faltosos no quadro de avisos.

Raul aproveitou esse momento para nos perguntar:

— Vocês gostaram?

Ana olhou para mim.; eu olhei para ela.; e ficamos sem saber o que gaguejar, porque não havíamos trocado nenhuma impressão. Raul sabia que nós éramos muito positivos nas afirmações que fazíamos e não insistiu, contentando-se com o meu gesto indicativo para que ele aguardasse a resposta para depois.

Nesse momento, feita a prece de encerramento nos mesmos conformes da anterior, o povo se levantou e foi formando fila em toda a extensão dos corredores, fila que se iniciava numa porta lateral que permanecia fechada. Odete explicou:

— Agora vamos ter a sessão de passes. Se vocês não estiverem “a fim”, podem esperar a gente lá fora.

Mas Ana foi categórica:

— Nós viemos pra conhecer. Vamos continuar seguindo vocês.

Demorou mais de meia hora para chegarmos à saleta. Não sei se por influência do ambiente calado em que estávamos mergulhados, não nos atrevemos a trocar idéias, nem sussurrando. De minha parte, limitei-me a recordar alguns trechos da palestra, para dar contextura aos pensamentos, mas bem pouca coisa fui capaz de trazer ao consciente. Estava com a mente turbada, como se tivesse bebido algum aperitivo que me deixasse com a imaginação nas nuvens.

Ao entrar na saleta dos passes, clareada tenuemente com uma luzinha azul, deparei-me com quatro fileiras de cadeiras.; diante de cada uma, havia uma pessoa. Entramos e logo me vi sentado, com as mãos nos joelhos, voltadas para cima, olhos fechados, a recitar um pai-nosso e uma ave-maria, que para mais não tive tempo.

Mas pude observar que o moço que estava à minha frente gesticulava lentamente, como a me retirar camadas externas de algum produto invisível. Tentei me recordar de alguma cerimônia católica parecida mas a única que me veio à mente, apesar de nunca ter presenciado, foi a do exorcismo, só que não havia água benta a ser borrifada pelo aspersório. Quando o passista chegava com os braços perto do solo, imprimia um movimento mais brusco, como a se livrar de algo pegajoso nas pontas dos dedos. Percebi também que ele falava umas palavras bem baixinho, mas não pude entender nada. Concluí que estava rezando.

O meu benzedor (palavra sacrílega hoje mas que empreguei na ocasião) foi dos primeiros a suspender a tarefa, contudo, enquanto todos não deram mostras de haver terminado, ninguém foi dispensado.

Saímos por outra porta e, no corredor de acesso ao portão para a rua, recebemos uns copinhos descartáveis com água. Bem baixinho, Raul me explicou:

— Água fluidificada.

Eu ia dizer que era água benta mas não tive ensejo. Reservei a observação para depois.

Já na rua, estendi as pernas, endireitei as costas e me espreguicei, como a retomar as energias que repousaram durante a forçada contenção física. Foi quando percebi que não estava mais tonto, nem um pouquinho sequer, sendo fácil o raciocínio e a rememoração dos fatos. Tudo ocorreu como se o ar da noite, fresco e revitalizante, me tivesse despertado do estado de torpor, do magnetismo, do esquecimento de mim mesmo. Reassumi o controle das ações da vontade e as idéias se firmaram no sentido que pretendia dar-lhes.

Estávamos os cinco reunidos, quando se aproximou o orador da noite. Correram as apresentações e a pergunta que me parecia infalível não aconteceu. Ao contrário, ao invés de perguntar se nós havíamos gostado da palestra, Rodolfo quis saber se nos interessávamos pelo curso de mediunidade.

Foi Raul quem abriu o jogo, de maneira bem franca:

— Será que você percebeu algum talento escondido em algum de nós?

Rodolfo esclareceu:

— Não tenho certeza mas todos vocês me parecem bem dotados de fluidos e energias. São saudáveis. Não precisam do socorro espiritual. Aproximaram-se do centro por iniciativa teórica, sem mórbidas curiosidades. Pelo menos, foi como o amigo Raul me contou.

Achei que deveria participar com alguma expressão favorável.; afinal de contas, estava ele procurando comprar um imóvel:

— Realmente, um pouco de interesse tivemos despertado pelo meu irmão. Mas também achamos que era bem a hora de saber se os nossos parentes têm condições de vir conversar com a gente, porque tanto eu quanto Ana não temos pais, como deve ter informado o Raul. Sendo assim, a bem da verdade, talvez fosse oportuno pôr o nosso nome na relação dos novatos, assumindo desde logo o compromisso de comparecer às quartas-feiras, porém, se formos dispensados das terças, porque ficaria muito puxado pras nossas crianças.

Depois de dizer tudo isso, murchei. De repente, falara uma porção de coisas sem ter consultado a minha mulher. A conversa, então, girou em torno dos meninos e dos filhos de Raul, derivou para os rebentos de Maria, descaiu, quando precisamos dizer que Luís não tinha vindo por motivos desconhecidos, e se encerrou com a recomendação de que viéssemos preparados para duas longas horas de concentração e meditação.

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