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Erotico-->3. A PREPARAÇÃO -- 25/06/2003 - 07:41 (wladimir olivier) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos

Como sabe o leitor amigo, compareci à reunião na terça-feira seguinte ao almoço da família. Mas é preciso relatar duas conversas muito sérias que me fizeram tomar aquela decisão.

A primeira foi com Ana.

Tendo medo das represálias do confessor, ela me chamou e disse:

— Querido, será que não vamos cometer um pecado mortal, se formos àquela casa do diabo, conforme o Padre Aristides costuma chamar, quando sabe que alguém lá compareceu?

— Ora, meu amor, que pecado pode haver? Quando muito, ele poderá dizer-nos pra tomar cuidado, pra evitar que as palavras nos façam, como é que ele diz mesmo?...

— Ele diz que a gente pode ficar obstinado...

— Não é obstinado. Ele fala outra coisa.

— Ele diz que as pessoas que vão aos terreiros devem ser excomungadas.

— Isso ele diz mesmo, mas o centro espírita aonde foi o Raul não é da Umbanda.

— Acho que não faz diferença nenhuma.

— A verdade é que nós somos muito ignorantes. Então, está na hora de ir mesmo, pra não cometermos nenhum engano. Se a gente não gostar do que estiver vendo, a gente sai. Acho que não vão segurar ninguém à força.

— Nem teria cabimento. Depois, querido, se as coisas forem muito ruins, vamos ter o que falar pro seu irmão e também pra Odete.

— Acho que eu me lembrei: a palavra que o padre diz é “obcecado”. Você se lembra quando ele falou que precisou exorcizar uma pessoa que ficou possessa?

— Mas eu não sou tão carola que vou ter medo do que o padre diz. Ele está querendo pôr medo na gente. Se fosse do jeito que ele falou, o seu irmão não ia elogiar o orador.

— Mas foi você quem perguntou se não iríamos cair em pecado mortal...

— Na verdade, o que mais me amedronta é que alguma alma penada venha perturbar a gente, porque não vamos querer voltar mais lá.

— Mas aí o Padre Aristides vai exorcizar a gente e pronto!...

— Cláudio, não brinque. O assunto é sério. Mas a verdade é que eu também não acredito em muitas outras coisas que eu vejo na religião.

— Aninha, juízo! Afinal de contas, as orações servem pra deixar a gente de bem com Deus e com os santos. Do modo como você está falando, o melhor é não ir lá. Deus nos proteja e os santos digam amém...

— Mas eu estou curiosa é com outra coisa.

— Que coisa?

— Disseram que os mortos vêm conversar com os vivos. E se os nossos pais vierem mostrar que estão bem, longe do inferno, lá no paraíso, já que Raul falou que o purgatório é aqui mesmo?

— Veja como as idéias são terríveis pra entrarem na cabeça da gente. Sempre acreditamos no purgatório. Agora estamos colocando em dúvida. Então, é melhor que a gente se torne crente, vá aos templos, pague o dízimo...

— Mas os pastores, sem o purgatório, vão mandar os pecadores direto pro inferno.

— É mesmo. Eu acho que a gente deve deixar de molho essa idéia. Se não arranjarmos nenhuma boa desculpa, a gente vai. Caso contrário, que os outros vão sozinhos.

— É isso aí. Não vai ser numa palestra pública que os nossos pais irão comparecer. Depois, eu aposto que o Luís não vai dar as caras.

— Por que não?

— Ele vai ter medo que algum espírito vá dizer dos casos dele.

— Você vai ter de confessar de novo esse pecado ao Aristides. Não levante falso testemunho.

— Só estou falando o que me disseram. Nem vou falar quem foi, pra você não dizer que é malquerença de uma linguaruda enxerida.

— Pois eu afirmo que Luís não tem medo dessas coisas. Você não viu o pouco caso que ele fez do Raul?

— Quanto vale?

Como eu estava com pressa, cortei o “papo” e fui trabalhar. No caminho, ruminava a idéia de receber algum recado dos espíritos. Ia matutando com meus botões:

“Será que minha mãe está na bem-aventurança eterna? E meu pai? Ela, com certeza, que viveu sempre pro lar, sem nunca abrir a boca. Ele, eu não sei, não. Parecia que era muito prepotente, muito violento, querendo tudo ali, na chincha.”

Não me lembrei dos casos do Luís nem da fidelidade do Raul. Eu é que não tinha dado motivo nenhum para que Ana me acusasse de nada.

Dirigia com cuidado, no meio do trânsito intenso, mas algo me chamou a atenção. Era um “outdoor” com uma propaganda de sorvete. Em meio à névoa provocada pelo calor, numa piscina, a moça quase nua provocava os passantes, com enorme sorvete roliço a tocar nos lábios. Não pude conter uma palavra de desaprovação:

“As coisas estão muito mal na sociedade. Depois reclamam que tem tanto estupro, que as meninas engravidam já com dez e onze anos, que existe meretrício de adolescentes, mocinhas e rapazotes a venderem os corpos pra sustentarem os vícios...”

Então me vieram à memória as campanhas do Padre Aristides, para angariar fundos para aliviar os sofrimentos dos menores com AIDS. Recordei-me de que era eu quem fornecia os materiais de construção para as obras de quatro ou cinco paróquias da região, sempre sem ganhar nada além do suficiente para pagar os impostos, porque vender sem nota jamais, que as penitências eram salgadas.

Foi pensando nessas coisas da vida e do mundo que cheguei ao depósito. Sempre era um dos primeiros, porque fazia questão de verificar a abertura das portas e do cofre para retirar o dinheiro para o caixa. Depois disso, ficava sossegado, avaliando os cheques para os depósitos do dia.

Estava ali entretido, quando recebi um telefonema do Raul, pedindo pra não me esquecer do encontro. A conversa foi rápida mas me deixou intrigado com o inusitado do aviso.

“Será que isso é assim importante pra ele?”

Foi quando me ocorreu que um dos empregados mais antigos, um senhor de mais de sessenta anos, o “Seu” Raimundo, era espírita e gostava de contar para os balconistas e os peões casos das almas do outro mundo que compareciam ao centro que freqüentava. Recordei-me de um que me deixou impressionado, quando ele falou do motorista que morreu num desastre e que deu o nome e o endereço certinhos. Lembrei-me de que alguém disse que o médium (naquele momento estranhei muito a palavra) tinha lido a notícia no jornal. Aí o “Seu” Raimundo insistiu que o acidente tinha sido na Bahia e que nenhum jornal havia publicado nada a respeito.

Foi pensar no diabo, eis que mostrou o rabo:

— Patrão, posso interromper?

— Vai entrando, Raimundo. Bom-dia!

— Bom-dia!

O homem era respeitoso e calado. Se eu não perguntasse nada, ele ia ficar ali até que eu me levantasse ou alguém viesse chamá-lo. Por isso, achei conveniente dar trela:

— O que o traz aqui?

— Vontade de puxar uma conversinha, sim, senhor.

A forma de falar conservava certos resquícios dos tempos da escravidão.

— Tem algum problema no depósito ou na loja?

— Tudo em paz, conforme a proteção de Jesus.

— É verdade que você aprende a falar assim no terreiro?

— Eu não vou na Macumba, não, senhor. Eu vou no Centro Espírita “Coração Amoroso de Jesus”, lá onde eu vi o Doutor Raul.

Aí eu percebi o motivo da visita.

— Ele falou lá em casa que gostou muito do palestrante, o “Seu”...

— O nome do irmão é Rodolfo. Ele fala que é uma maravilha. Dá gosto de ouvir, sim, senhor. Por que o senhor também não vai fazer uma visitinha? Terça-feira tem sessão pública. Tem palestra e passes. A gente sai de lá completamente descarregado.

— Quer dizer que você chega lá com algum encosto, homem?!

— Deus me livre e guarde! Mas também, se eu carregar algum espírito maligno pra lá, ele vai receber umas lições que não irá esquecer nunca mais.

— Mas eu sou católico, apostólico e romano. Eu vou à missa e me confesso. E sou amigo do Padre Aristides.

— Quer saber de um segredo? Pois, um dia, baixou um espírito que disse que o Padre acredita nessas coisas, porque, se não acreditasse, não precisava ficar falando tanto mal do Espiritismo nem mandando rezar tantas preces pras almas do purgatório. Se o purgatório é aqui mesmo, então, ele está fazendo o bem pra muito encarnado sofredor.

Não sei por que mas aquele “papo” meio sem pé nem cabeça me fez interessado nas teorias do relacionamento entre o mundo material e o mundo espiritual. Quando Raimundo saiu, estava decidido a ir saber o que se passava naquele lugar.

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