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Artigos-->Novas ditaduras e a fraqueza da democracia -- 30/06/2002 - 19:41 (Rodolfo Araújo) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
Por uma defesa do humano



Como máquina de consumir e multiplicar riquezas, o homem contemporâneo e pretensamente “globalizado” vê seu auge no momento em que consegue adquirir materialmente tudo o que sonhou – ou disseram para que ele almejasse. Essa pauperização do humano tem profundas raízes no individualismo gerado pelo bombardeio consumista-propagandista. A existência, como ratifica Laymert Garcia dos Santos em Consumindo o Futuro, condiciona-se progressivamente ao poder de consumo. A força essencial do ser humano, hoje, mora no valor das notas que ele consegue sacar do bolso. A interação – se é que se pode chamar assim - , a convivência entre as máquinas de consumir ocorre dentro de princípios absolutamente esquálidos e efêmeros. A troca material une as pessoas com a mesma velocidade que as separa; isso ocorre tanto no ato de compra quanto, nas frenéticas noites adolescentes, em que as paixões duram milésimos.

Estamos vivendo uma transmutação. Vivemos uma exorcização do espírito crítico, um dos maiores inimigos do sistema capitalista. Afinal, pode-se somente derrubar o monstro conhecendo-o de forma detalhada. Deve-se estabelecer uma “falsa amizade” com a superestrutura para, depois, levá-la a cabo.

Nossa relação com o mundo perde-se com maior afinco e desespero na areia movediça do quantitativismo. Pesquisas, porcentagens, enquetes, opiniões rasas, quilos, estatura, preço, número de parceiros...tudo parece estar vulnerável à bolha de números que, na ponta da linha, querem estar coloridos de azuis nos balanços contábeis empresariais. Para quem duvida disso, basta analisar o Brasil instantaneamente: ao abrir os jornais, é muito fácil detectar expressões do tipo “acalmar o mercado”. Ridículo: um povo controlado por um índice absolutamente subjetivo, prepotentemente imposto, arbitrariamente aceito. Risco-país. Mero quantitativismo. Sem humanos; somente números.



Fantasia do consumo



Índices de consumo, audiência e demais quantitativismos. Um dos grandes pilares deste sistema, principalmente no que se refere à sua sustentação espetacularizada, é a publicidade. François Brune, em A Organização da Resistência, busca identificar saídas e caminhos já traçados por bandeiras que se atrevem a desafiar esta arma tão usada e aparentemente inesgotável do capitalismo, em que processos criativos supostamente artísticos prestam tamanho “desserviço” à humanidade.

Brune fala do “direito ao rabisco” como uma das formas de ataque ao sistema publicitário esmagador, que ataca por diversos meios de comunicação, aproveitando-se da já mencionada aceleração das relações humanas. Uma fácil identificação deste tipo de iniciativa localiza-se nos trabalhos da agência canadense “AdBusters”, que é capaz de utilizar os próprios recuros midiáticos para divulgar camopanhas que incentivam humanos a não assistirem televisão e consumirem por, no mínimo, um dia.

Na fantasia do consumo, o ideal consiste no fato de mergulhar o consumidor em um mundo “melhor” que o atual, ou seja, dentro de uma especulação de realidade que pode ser alcançada concretamente apenas depois da aquisição do produto exposto. O comprador do carro X poderá sentir-se um astronauta se jogar todo o seu dinheiro pela máquina, assim como o degustador da cerveja Y, num passe de mágica, tornar-se-á um Don Juan da pós-modernidade, absolutamente sagaz, sem escrúpulos, que ri de tudo isso com a maior tranqüilidade. O universo de imagens criadas pela publicidade constrói uma espécie de universo paralelo, desorganizado, com diversos mundos, cujos epicentros são os produtos. A ação dos AdBusters não foge - apesar de seu caráter de afronta – à criação de ícones. Há, por exemplo, o “Turn Off Day”. Foi criado, logo, um dia específico de revolta. Um símbolo. Um dia para que a criticidade sinta cócegas. Porém, e depois? Ao menos, a iniciativa é louvável, uma vez que procura o questionamento – algo raro, sobretudo em uma sociedade hedonista e acomodada.

François Brune alerta para os ataques à ditadura do consumo como empreitadas que, em alguns casos, mesmo indo de encontro aos alicerces da “consumocracia”, prendem-se a este mesmo sistema. Para o teórico francês, deve-se golpear a raiz da “ideologia do consumo”. Isto requer uma dose cavalar de coragem. É por demais áspero deslocar-se das almofadas do dinheiro para atacar seus meios de fluxo e as imagens e mundos que são criados a partir da relação “aquisição/satisfação”, como ressalta Brune.

Ainda em sua análise, François diagnostica o direcionamento atual dos nervos humanos. A pulsão, o institnto dos homens reside no ato de consumir. O vício está em adquirir cada vez mais; a sombra da exclusão consiste em não poder mais comprar. Para certas pessoas, é tão humilhante não ter o carro do ano quanto ficar sem comer. Confirma-se, logo, uma relativização completa do “valor” material.

Laymert Garcia questiona o fenômeno da globalização no que se refere à dicotomia entre excluídos e incluídos. A saída para o mundo não é, certamente, a democracia do consumo. Quem garante que, com dinheiro, a existência torna-se mais rica, mais crítica, mais modificadora? O monopólio tecnicista continuaria e os produtos seriam somente uma fita crepe na boca dos que não podia antes comprar. Isso, por sinal, já existe: o Plano Real é notabilizado por “levar o frango à casa dos brasileiros”. Por acaso isso é o suficiente? Não houve uma modificação na estrutura de formação das pessoas diante de si mesmas e do mundo. Não houve um verdadeiro caráter humano nisso.

O individualismo, a busca da autorealização, a escalada constante em busca do ápice sócio-econômico caracteriza-se como um fértil campo de aproveitamento da própra propaganda e dos meios de alimentação do quantitativismo. Mercantiliza-se o humano, sim, e com muito afinco.



A Mercantilização do Humano e a ditadura da quantidade



Ainda no âmbito da publicidade, o que mais é capaz de levar a compulsivos vômitos qualquer um que tenha a milagrosa oportunidade de fazer avaliações críticas acerca do mundo é a questão do “marketing pessoal”. A autopromoção, fincada com o corpo inteiro no hedonismo, é uma das vedetes das publicações empresarialistas atuais. Inúmeras revistas e livros neurolingüisticamente testados procuram cativar os pobres leitores a serem “ousados”, “desafiadores”. O homem “de sucesso” é o “versátil”, que “tem idéias”, que “sabe este ou aquele idioma”, etc. Assim como não existe quem não consome, também deixa de ser quem não se encaixa nas proféticas fórmulas do “profissional atual”. Que mal há em saber espanhol e alemão e não dominar o inglês, por exemplo? “No mundo globalizado, em que as fronteiras estão se dissolvendo, isso é inadmissível”, certamente diria alguma revista do tipo “Homem Ltda.”

O processo de desumanização justifica-se ainda mais com a questão tratada no tópico anterior, que se refere ao “teletransporte” do ser humano para os mundos individuais de cada produto, nos quais se pode ser um “super-homem”, repleto, transbordante de qualidades como virilidade, segurança, simpatia, beleza e mais outras inclusive mencionadas nas revistas e livros “S.A.”.

O ser humano, em sua condição quantificada, vai-se esfarelando à medida que a velocidade crescente domina seu cotidiano. Segundo Laymert, as relaçõs entre as pessoas enfrentam uma dissolução com direção à superficialidade latente em decorrência da aceleração da vida. Tal consideração verifica-se facilmente na cobrança empresarial por “resultados rápidos”, “crescimento pessoal veloz” e outros itens indispensáveis ao homem-máquina contemporâneo. Além disso, os relacionamentos afetivos duram cada vez menos. As crianças preferem ficar ao lado de diversas pessoas diferentes ao longo do dia. Expande-se a sensação de monotonia. Dez minutos já podem significar tédio. Ler um livro, por exemplo, simboliza para um indivíduo televisivamente educado e alfabetizado, um imenso fardo.

O falso humanismo da democracia de consumo é acompanhado por uma realidade muito mais presente e, simultaneamente, aterradora: a ditadura da quantidade. Vivemos cercados por um universo tecnicista, no qual somente aqueles que dominam os números e sabem manipulá-los em favor dos interesses heegemônicos sabem sobreviver. Países são qualificados arbitrariamente segundo princípios de “desenvolvimento humano” criados por um reduzido grupo de mentes que, no mínimo, não estão preocupadas de forma veraz com a coletividade mundial.

O caso do Brasil atual é altamente caracterizador deste panorama. Vive-se uma crise política, uma vez que as pesquisas eleitorais atestam um crescimento da predileção dos votantes por um candidato que tem nas mãos a bandeira da oposição ao governo pró-neoliberalismo. Pesquisas de intenção são jogadas ao público sem o menor questionamento profundo. A única tensão gerada centra-se na seguinte hipótese: “e se a opoisição ganhar

?”. Com isso, os especuladores, os grandes empresários e situação reúnem-se para discutir as táticas de defesa do capital dominante. A partir de números absolutamente subjetivos, como o “risco-país”, taxa de juros, cotação do dólar e outros elementos tecnicamente ditatoriais, define-se que rumo a nação deve tomar: para que se evite a “ameaça vermelha”, é preciso que o candidato da situação vença. Estranhamente, surgem novas pesquisas apontando exatamente tal panorama. Agora sim, o país vai “continuar nos eixos”. A “comunidade empresarial e financeira está calma”. O “mercado está calmo”. Quem é “mercado”? Chegamos ao ponto de fantasiar e conferir poderes divinos a uma instituição econômica. Um gari, que trabalha até nos finais de semana, mal sabe que importância tem o dólar em sua vida. Aliás, o dólar deve influir na vida de milhares de pessoas ao redor do mundo? Os “humores do mercado”. Uma fábula, mais um universo paralelo do capitalismo totalitário. Todas as especulações às quais assistimos, sejam elas financeiras ou eleitorais, constituem uma virtualidade produtiva. Não são objetos atuais. François Zourabichvili, em Para pôr um ponto final no ”virtual”, considera que o “virtual se opõe a atual, como o que é potencial, em germe: é a realidade do devir como tal (...) É um adjetivo, designa um estatuto e não um tipo de coisa ou uma realidade de determinada espécie”.

Estamos distantes do momento em que o mundo será regido por princípios fundamentalmente humanos. Assistimos a uma enorme massa de pessoas que tragam informações sem o menor senso de criticidade, mergulhando em mundos paralelos por pura influência do encanto capitalista, que, por seus inúmeros tentáculos, encarrega-se de proliferar os valores que o sustentam gerações adiante. Dói perceber crianças pequenas discutindo com os pais sobre “esta ou aquela marca de tênis”. Não se trata de saudosismo ou de uma tentativa de transformar a vida em pura literatura – por melhor que isso pudesse ser. O que não podemos deixar de lado é a luta pelo resgate do humano. Este sim, está perdido entre números, pocentagens, mundos paralelos, em si mesmo. Este pobre e individualista representante da contemporaneidade vai de vento em popa em direção a um abismo, no qual, bastante ferido, lembrará que tem nervos para sentir o próximo, o humano. Esperamos não chegar a esse ponto. E, se tivermos que alcançar um limite, que não seja tão velozmente como este maldito sistema nos impõe. Lutemos pelo humano, acima de tudo. Homem, tenha piedade de si.

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