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Erotico-->20. NA UMBANDA -- 17/06/2003 - 06:58 (wladimir olivier) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos

Assim que se deparou de volta ao orbe, espantou-se Lourival que portava a pele negra. Como fora aquilo? Lembrava-se de que Felícia era, realmente, descendente de africanos. Mas a sua cor era completa novidade.

Como é que regredira nos aspectos intelectuais? Será que viera na qualidade de “negro-príncipe”, de “negro-líder”, de “negro-revolução”?

Avaliou o local do encarne e verificou que se tratava de Salvador, capital da Bahia, em época bastante posterior à libertação dos escravos. Seria simples e maneiroso explorador do turismo?

Sabia-se pai-de-santo, pois as primeiras recordações lhe indicavam claramente o fato, mas não se dera conta de que estaria convicto até às raízes de todas as práticas do terreiro. Parecera-lhe que fora para a umbanda fugido do protestantismo e do catolicismo. Evidenciava-lhe, agora, o fato de que não teria alternativa religiosa.

Pesquisou a origem dos pais, dando-se conta de que a família derivava os conhecimentos diretamente das crenças africanas.

Se lhe dissessem que conhecia todos os cantos e pontos, que sabia de cor todas as linhas dos orixás, que estaria em condições até de revelar o que de secreto se faz nas tendas para a iniciação dos neófitos e para os demais trabalhos de proteção ou de auxílio, refutaria o pensamento de pronto.

A curiosidade o arrastaria para as questões da crença, mas não nos interessavam tais arremessos culturais. Era preciso que apreciasse o desempenho moral relacionado às pessoas do grupo familiar que o acompanhavam na aventura carnal.

Lourival pôs-se de sobreaviso para conosco, com medo de que iríamos perturbar-lhe as investigações, mas logo compreendeu que fora burlado pelo destino, uma vez que Felícia, muito jovenzinha, em trabalho de parto, o deixou às voltas com a criação e educação de casal de gêmeos.

Sabia que Margarida se transvestira, como ele mesmo, e que o amara apaixonadamente. Mas era simples meninota. Não tivera oportunidade de crescer para a madureza das sensações. Recordou-se dos clubes de fãs dos artistas de projeção nacional ou internacional e comparou a esposa com as criaturas envolvidas sentimentalmente com os fantoches produzidos pela “mídia tecnológica”.

Não gostou das aproximações psíquicas, mesmo porque a sua querida não possuía qualquer lustro cultural, analfabeta e dedicada às tarefas rotineiras dos terreiros. Ali, sim, se estimulava para as invocações e se deixava imantar com facilidade para a incorporação das entidades.

Lembrava-se bem de que conseguira recusar-se a oferecer o corpo para Exu e demais entidades da maldade. Ele, ao contrário, deixava-se levar por quanto espírito desejasse fumar e beber, crendo-se dominado até à inconsciência.

Temeroso de ter facultado algum crime para a perversidade dos elementos que buscavam na quimbanda as soluções para os entreveros pessoais, desejou vasculhar todas as lembranças das inúmeras participações nas sessões públicas e reservadas do lar espiritual que o resguardava e para o qual se considerava obrigado a dar de si de maneira absoluta.

Mas as coisas se lhe desfizeram na mente, sem que chegasse a grandes resultados. Viu-se envolvido com as forças policiais, acusado de assassinato, mas não chegou a decifrar o mistério. Parecia imantado para a consecução dos atos da maldade.

Como nos pesadelos dolorosos, Lourival rogou-nos que o despertássemos, pois se acreditava em débito em relação a muitos seres, por não lhes ter facilitado a compreensão da bondade, do amor, da comiseração. Eram as virtudes que lhe faltaram naquele ambiente triste, onde a fome dos filhos era a constante que o levava a perlustrar os descaminhos das loucuras.

Quis saber com que idade deixara o orbe. Vinte e oito anos.

Qualquer outra informação iria perder-se no vazio das recusas das considerações morais a respeito. O que desejava saber, verdadeiramente, era a razão de ter sido abandonado pelos instrutores, pelos benfeitores. Especialmente, voltava-se contra a minha figura, pois crescia-lhe o temor de que fora levado àquela situação penosa por alguém que sabia estar apaixonado pela criatura que o amara com exclusividade.

Dessa vez, precisei afastar-me do contacto hipnótico, caso contrário o amigo iria escapar da influenciação do grupo.

Recorremos, então, aos espíritos a quem dera permissão, à época, de freqüentar a carne na qualidade de filhos. Verônica e Nicanor se apresentaram e Lourival logo descobriu que não poderia ter sido diferente, uma vez que, irmãos, iriam buscar os parceiros com quem mais tarde voltariam unidos para outra encarnação.

A presença de tais seres foi suficiente para despertar-lhe o interesse pela solução dos problemas morais. De novo equilibrado emocionalmente, inquiriu a respeito do destino das pessoas que orientara mal ou que ferira, na ânsia de cumprir as obrigações determinadas pelos orixás.

Aos poucos, foi compenetrando-se de que a consciência estava a pregar-lhe uma peça, pois, sem se dar conta, volvera a sofrer as mesmas dores do último perpassar umbrático. Como é que agora o Pai permitira que sofresse duas vezes pelas mesmas falhas? Quem poderia explicar-lhe o contra-senso?

As questões se acumulavam, sem que fosse capaz de dar respostas.

Provocamos, então, forte regressão às épocas em que perambulava errático em busca de Felícia. Constatou que estava ensangüentado e que não se continha de furor. As ânsias eram muito piores que os simples estremecimentos de agora. Havia sido, evidentemente, despachado de forma criminosa para o outro lado, mas consciente de quem fora o antagonista.

Forte tendência para o perdão assegurou-lhe que havia ultrapassado a fase das perseguições. Desejou saber a razão de estar tão envolvido com tal desafeto e nós lhe confiamos a identidade da mulher que o atraiçoara. Reconheceu Catarina. Mas não se assombrou com a calma revelação. Era claro que a tentativa de união de ambos se registrara na peregrinação mais recente.

Quis saber por que fora adotado. Será que não teria sido melhor ser filho natural? Não lhe foi difícil perceber que fora rejeitado para a concepção.

— Quanta luta, meu Deus! Quanta luta...

Lourival estava próximo de todas as verdades. Faltava-lhe decifrar a existência daquele cordão luminoso a perder-se no vácuo fluídico que se lhe abria à visão para além da espessura energética em que se situava.

Estava, evidentemente, confuso e impossibilitado de raciocinar a respeito do que quer que fosse.

Demos-lhe passes para a regeneração da memória, para que não se confundisse com as personagens que lhe apareciam e desapareciam de contínuo. Incapacitado de observar o quadro das representações, de qualquer modo deixava lá impressas as motivações existenciais mais dolorosas. Era fácil, portanto, para os encarregados da reintegração de sua personalidade avaliar o grau da santa loucura a que se entregara.

Riscos de ser tragado pelas trevas não havia, de modo que o deixamos envolto em graves pensamentos, no aguardo de que despertaria para nós assim que se convencesse de que o Pai fora misericordioso e justo, ao lhe ter proporcionado a oportunidade de crescer dentro da doutrina espírita, na derradeira encarnação.

Não queríamos que fizesse a apologia das teses kardequianas, mas tínhamos a esperança de que pudesse perceber que todas as leis por elas enunciadas estavam sendo a base sobre que erguer o edifício da evolução.

— Felícia! Felícia! — repetia, constrangido, como se houvera sido causa de infelicidade que só sua lembrança apontava, já que se não traduzia o sentimento íntimo na tela da projeção consciencial.

De repente, o entendimento. Lourival rojou-se ao solo e desejou abraçar aquele ente que lhe dera...

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