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Contos-->Filme Noir -- 09/10/2000 - 16:07 (Fatima Dannemann) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
Filme Noir

Fatima Dannemann

Madrugada. Princípio de manhã. As luzes esmaecidas do café enfumaçado parecem cenário de filme noir. Junto ao balcão, daqueles de mármore encardido e gasto pelo tempo, bêbados filosofam com prostitutas sobre o eterno conflito entre sentimentos e a fome de carne. Um cheiro de charuto vagabundo, corta a atmosfera do lugar que tem um nome pomposo Café des Jardins na placa de acrílico arrebentada. Nem uma flor por perto, somente o ar de submundo e decadência.

Nesse lugar que mais parece um cenário de filme de detetive, com o cheiro de charuto e álcool impregnando o ar, uma moça solitária ocupa uma mesa de canto. Fecha os olhos e chora enquanto pensa na vida. "Que estou fazendo aqui?". As mangas compridas do casaco puído, escondem as picadas em seu pulso. Muita injeção de drogas pesadas já tentaram lhe dar ânimo a sua pobre vida. Em vão. Entre uma viagem e uma ida ao café, onde sempre entra sozinha e em silêncio para o último trago da noite, foram embora os seus sonhos e a realidade para ela é um mundo cinza.

Atrás do balcão, o dono do café mal humorado não vê a hora que os últimos vagabundos vão embora e que ele possa fechar suas portas e descansar um pouco. Gordo, careca, bigodudo, mal arrumado, parece um capanga, não um bartender. Comprou o negócio há alguns anos. Mas, os intelectuais mudaram de endereço e o Café des Jardins foi ocupado por bêbados e malandros. De lá, vê a moça que chora em silêncio. "Apanhou de novo. Deve estar devendo ao traficante", pensa enquanto lava uns copos borrados do batom das prostitutas.

A moça bebe devagar um copo de tequila... Abre e fecha nervosamente a bolsa. Nem um comprimido. Nem um baseado. Nem uma seringa com uma dose de heroina. Completamente junk e drogada, ela sente que o efeito da última picada vai passar. "Não posso segurar essa onda sozinha"... Bebe depressa a tequila sentindo seu corpo entorpecendo de vez... "Talvez bata uma onda... Preciso fugir disso". Ela não sabe do que quer fugir. Nem interessa. Há muitos seus sonhos de princesa urbana ficaram perdidos. Largou seu curso de sociologia na Sorbonne e caiu na noite. Conheceu homens e mais homens, namorou viciados, vagabundos, traficantes, toda a espécie de bandidos. E agora está ali, sonhando com a maneira mais rápida de conhecer a morte.

Seu choro e ar sombrio confronta-se diretamente com o sorriso artificial das putas em busca de sua última trepada antes de descansar. Os bêbados até insistem. Mas, elas duvidam que eles possam pagar o preço do prazer que elas desejam. E riem alto com a boca rubra de batom barato, comprado num brechó.

Um rádio toca músicas antigas. La vie en rose, nada pode ser rosa naquele ambiente. Jardim só no nome do café que o dono nunca trocou. O ajudante do bar prepara o café para si mesmo enquanto não chega o momento de ir para casa. Café au lait com um brioche dormido e o resto da manteiga que sobrou de um couvert. Um bacana que levou uma moça ao café por engano mas jantou lá. A comida até que não é ruim, pensava o ajudante. "Se o negócio fosse meu... Fechava para reforma, mudava a decoração, cardápio, expulsava os vagabundos e faria daqui um lugar decente", pensava ele sonhando em propor ao patrão que lhe vendesse o negócio.

Sonhos... As prostitutas e os bêbados não têm mais sonhos. Eles pouco dormem e acordados precisam enfrentar o dia a dia. A moça da mesa no canto, não sonha e não quer saber do dia a dia. Seu golpe de misericórdia é quebrar o copo da tequila. O ruido desperta atenção. Mas, não o suficiente. Ela mal consegue uns olhares blasés. "Deve ser crise de falta de homem", debocham as prostitutas. Mas a moça vai além. Um caco do copo é o punhal com que corta seus pulsos... O sangue toma conta da mesa do canto enquanto bêbados, putas, dono do café e ajudante colocam seu corpo agonizante na rua. "Não queremos confusão com a polícia".

Mas, o dia nasce vermelho no café. Sob a marquise, a moça solitária morre aos poucos. Prostitutas voltam para casa entre alegria e espanto. O dono do bar fecha as portas expulsando os bêbados. "Amanhã vai ser a mesma coisa. Todos os dias são iguais nesse café decadente", pensa o ajudante tomando ligeiro o primeiro metrô do dia. Ele fugiu, como todos, deixou a moça morrer sozinha para evitar confusão com a polícia. Todos os dias são iguais no submundo. E a vida, como um filme noir, continua...
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