A segunda regressão propiciou a Lourival série imensa de surpresas desagradáveis.
Quando quis encontrar aquela que respondera pelo nome de Margarida, não encontrou. Não se encarnara para as provações conjuntas.
Estranhamente, não reconheceu também nos pais e nas demais criaturas consangüíneas quem quer que fosse das antigas e das recentes encarnações. Era, sem dúvida, ave em outro ninho.
Preciso é que se diga que, durante a hipnose, não há perfeito entrosamento entre o magnetizador e o paciente, de forma que as dúvidas devem resolver-se pelas observações e pelo raciocinar mais aguçado de quem conhece outros dados que possam explicar causas e conseqüências dos eventos considerados.
De pronto, Lourival percebeu que não estava sozinho na caminhada, pois o plano espiritual o assistia com muita veemência, haja vista que muitos carinhos lhe foram destinados, gentilmente retribuídos desde a mais tenra infância.
Era ilha de paz e de felicidade que, no estágio atual, não sabia explicar. Teria querido afastar-se dos desmazelos morais, para enfrentar maior rigidez doutrinal e mais profunda disciplina religiosa?
Saltou para a idade madura e se viu na condição de pastor, respeitadíssimo dentro da comunidade, recitando os Provérbios de Salomão e os Salmos de Davi. Quis refazer a memória, pela leitura da Bíblia, e alcançou sucesso. A vida entre os mórmons, em país de língua inglesa, foi levada sem ânsias.
Voltando à pátria, viu-se unido a algumas mulheres, estas, sim, reconhecidas dentre aquelas que lhe ofereceram carinhos clandestinos na anterior peregrinação pelo orbe.
Mas a rigidez moral do grupo não admitia a mesma liberalidade sexual das comunidades estrangeiras, de modo que se casou, sem amor, com uma das fiéis, filha de importante ministro, com quem se uniu para dar oportunidade de acesso à carne a inúmeras criaturas, doze no total, que não reconheceu dentre nenhum dos familiares das demais encarnações.
Recordou-se da descrição anterior, quando juntou as quatro vidas numa só, e desejou saber a causa de ter sido escorraçado do culto, já que havia ofendido a honra de uma das irmãs.
Agora não mais se dava o fato. Viveu vida longa e pacata, ao lado da esposa, cercado pelo afeto de todos.
Que ocorrera para não se poder considerar integrante de tal grupo?
Precisou, para responder à questão, penetrar no Umbral, após o decesso. Viu-se perante colônia de protestantes intransigentes nas regras de procedimento religioso, não admitindo quem levantasse qualquer problema de caráter bíblico, o que não era o seu caso, pois investia contra a letra dos registros sagrados, talvez até por força de sentimento de saudade ou da necessidade de restabelecer vínculos com os seres que magoara. Havia resgates a proceder.
Incomodado com as lembranças, avaliou que fora expulso, sim, mas da colônia espiritual, por ofensas graves à honra da esposa, que o queria manietado intelectualmente, na irreflexão de quem não admite o mundo para todos os sofredores, para todos os carismáticos das demais seitas, para todos os filhos de Deus, na expectativa de que o Céu se abrirá só para os eleitos. Era gente que levava a sério as premissas religiosas do culto, a ponto de se enceguecerem para a verdade espiritual.
Aqui, Lourival não foi capaz de caminhar sozinho, já que não se supunha suficientemente cordato para ter admitido cair em círculo tão restrito, ao mesmo tempo que não concebia razões para que o grupo o aceitasse como membro efetivo, nos repentes de vida inteira sob coação.
Levamo-lo a considerar as peripécias anteriores ao encarne, quando foi convocado pelos protetores para o reingresso. Havia, de há muito, decidido perseguir os familiares, contra quem se insurgira quando cunhados. Contudo, passara muito pouco tempo desde que desencarnara e a maioria dos que seriam alvo de perseguição permanecia no mundo denso, inclusive Margarida.
Como não tinha noção do tempo, não sabendo o que se passava com os demais, resolveu integrar-se ao grupo requisitante, já que estava em crise e havia a informação de que evoluiria, se se prestasse a serviços junto à comunidade dos protestantes. Foi, pois, aceito pelos responsáveis pela congregação no etéreo, mesmo porque teriam méritos por receberem ser tão degradado no aspecto moral. Era o meio de que se utilizavam (como ainda agora) para prestação de serviços socorristas, sempre no intento de arregimentação doutrinária.
Algumas irmãzinhas aproveitaram-se dos contactos realizados e, à medida que se despediam do corpo terreno, iam encaminhando-se para novas realizações. Foi assim que cresceram em conhecimentos morais, não tanto para a subtração dos débitos, mas para novas investigações e perquirições conscienciais.
Lourival quis saber como e onde se encontravam presentemente, mas não lhe respondemos, a não ser por generalidades, já que poderia reconhecê-las na carne, em sua esfera atual.
Expulso da colônia protestante, Lourival não se comoveu e buscou os companheiros e adversários de outras épocas, para os ajustes de contas e para as composições familiares mais convenientes. Queria reencontrar-se na carne com Margarida e faria qualquer sacrifício para alcançar tal objetivo.
Apagamos-lhe, todavia, a visão desse período, para levá-lo a refletir sobre as conseqüências do tempo em que passou protestante e pastor. Não poderia considerar-se vitorioso, mas adquirira noções muito melhor estruturadas no campo religioso. Abriu-se-lhe a vista para a defesa intransigente das pessoas da comunidade. Se há exclusão de quem não partilha dos mesmos ideais, há, acima disso, fraternidade, solidariedade e muito amor, compaixão e comiseração pelas falhas dos que se apresentam arrependidos, por se julgarem absolutamente desorientados do lado de fora, na erraticidade.
Há sofrimento, dor, infortúnio, já que a perfeição não se atinge e o paraíso não se abre. O Senhor parece renegá-los e isso é causa de martírios e de pungentes e dolorosos sacrifícios. É o mal do fanatismo, da irreflexão, da vontade de superação das condições humanas ou espirituais, sem a contrapartida do estudo sério e honesto da verdade evangélica. Querem que as palavras de Jesus os sirvam na contextura de sua filosofia. Não aceitam alterar a formulação de suas concepções.
Mas são firmes na defesa dos que titubeiam no auxílio comunitário. Impedem o desenvolvimento livre, porém, dão amparo para que não se desande para as trevas exteriores. Em suma, concluía Lourival, dormem o sono da espera do juízo final, aguardando que soem as trombetas dos anjos.
Eis que começava a entender os dizeres que lera em diversas obras mediúnicas.
Pôs-se de joelhos e orou sentida prece de agradecimento, por ter sido agasalhado e perdoado pelos irmãozinhos. Lembrou-se dos sacerdotes católicos contra quem arremessava vibrações negativas, ainda mais porque não toleram os conceitos espíritas, e chorou amargamente, reconhecendo a fragilidade de suas virtudes. Se estivesse ele no comando da organização espiritual protestante, teria tido a boa vontade de admitir tais entidades como companheiros de jornada terrena?
Deixamos o irmão entregue a tais cogitações ali mesmo, ao lado da tumba fictícia de sua mente perturbada. Somente após a configuração de todas as respostas a respeito da situação psíquica do momento do novo encarne é que o imantaríamos para a regressão seguinte.
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