O Âmago Revelador*
O conto “O gato Preto” de Edgar Allan Poe, erege-se numa narrativa de significados um tanto quanto complexos, paradoxalmente estruturados em formas simples e objetivas, o que nos revela o estilo Poe - “ a economia dos meios narrativos”, buscando com o mínimo de meios, o máximo de efeitos.. E neste aspecto, no decorrer da história, percebe-se a maestria da narrativa de Poe na construção de um enredo psicológico conflituoso, que envolve um personagem/narrador (protagonista) e um gato (personagem antagonista).
Nesse rico universo simbólico da narrativa, é revelado o âmago do ser humano despojado dos moldes sociais, livre em atitudes arbitrárias, incompreensível e incomum ao contexto em que participa. E uma vez que se exterioriza esse âmago, o personagem se desestrutura, configurando outro ser capaz de atitudes aterrorizantes. Contudo, esse ser não mostra-se definitivo, voltando sempre a forma anterior, que questiona e tenta explicar as atitudes que o outro “eu” cometera. O personagem mostra-se consciente dessa oscilação e/ou transformação e tenta explicá-la, primeiramente, como consequência da bebida: “Meus animais, sem dúvida, sentiam a mudança operada em meu caráter.(...)Meu mal porém ia tomando conta de mim - que outro mal podia se comparar ao álcool? (p.3).
Interessante também, a abordagem sobrenatural que envolve o texto, o personagem/ narrador não consegue ver/entender em si próprio a mobilidade para o acometimento dos atos grotescos. Ele vê em si, o domínio de uma força exterior, “fúria satânica”, “pervesidade mais que diabólica”. E nessa postura justifica seus atos, sem abortar a idéia de que estes são perversos, embora, tende a agir definitivamente assim,
“Oprimido por tais tormentos, sucumbiu o pouco que restava em mim de bom. Pensamentos maus tornaram-se meus únicos companheiros - os mais sinistros e perversos dos pensamentos. meu mau humor habitual se transformou em ódio por toda a humanidade(...)(p.7)
Embora a narrativa sugere todo um “ar de terror sobrenatural”, corroborado pelo sentido místico e fantasmagórico que assume o “gato preto” no decorrer do texto. O que evidencia-se, na verdade, é uma patologia psicológica do personagem/narrador, que determina uma espécie de paranóia que, basicamente, estrutura o enredo. E essa interpretação é válida na medida em que se encaixa dentro da verossimilhança do enredo.
Ainda que o personagem negue que tenha algum distúrbio psicologico, (No entanto, não estou louco e estou absolutamente certo de que não sonho” p.1) seus argumentos não são consideráveis, haja vista que ele próprio é quem narra a história. E por tratar-se de narrativa em primeira pessoa, o personagem narrador possui um campo de visão limitado, contestável.
Nesse sentido, o que sumariamente nos reflete a obra de Poe, é, antes de terror, a tecitura de uma drama simbólico revelador dos recônditos da psiquê humana.
*RODRIGO NOGUEIRA DA SILVA - acadêmico do 3º Semestre de Letras pela UNEMAT Campus de Pontes e Lacerda-MT.
Referências Bibliográficas
Gancho, Vilares Cândida. Como analisar narrativas. São Paulo, Ática, 1991.
Gotlib, Nádia Batella. Teoria do Conto.3ª ed. Atica, São Paulo.1987.
|