Pedro Santiago decidiu morrer. “Não tenho a mulher que amo. Não tenho emprego. Não tenho estudo. O que é que estou fazendo aqui?” Nos últimos cinco dias, Pedro certificou-se do horário exato da passagem do trem: 14:35. Não tinha erro.
O sol duro machucava como um carrasco cruel e sádico. Seu coração frio caminhou em direção à linha do trem.
Quase jeans e quase camiseta no corpo. Trapos. Garrafa de uísque paraguaio na mão direita. Cabelo no olho. Testa úmida e olhar distante. Estava decidido. 14:30. “Tenho três fósforos e um cigarro. O último desejo de um homem fracassado: fumar um cigarro.” Acendeu o primeiro: não pegou. Acendeu o segundo: não pegou. Estava nervoso. Suas mãos estavam trêmulas. 14:33. Sentiu todo o peso do mundo nas pontas dos dedos. A responsabilidade de acender um mísero e estúpido cigarro. Só mais um fósforo. Batia os dentes freneticamente. Suava frio. Acendeu o fósforo e teve tanta fé como jamais havia tido antes. Falhou. Aquilo era tão lento, tão lento, que ao mesmo tempo que viu a chama apagar-se , viu sua alma incendiar-se. Possuído por um ódio louco, o que costumamos chamar de “demônio” , Pedro COMEU o cigarro. E chorava. E chorava tão alto que se Deus existisse teria ouvido. Deitou-se na linha do trem.
14:34:30. Sua vida passou em trinta segundos: o vício. O roubo. As mentiras. Os pegas de carro sábado à noite. Os filhos que ele teve com quem não queria. Os filhos que ele não teve com quem queria. A bicicleta roubada. E nem um cigarro! Sentiu uma paz tão grande ao saber que estava próximo de deixar tudo aquilo para trás, que dormiu para esperar o trem passar em cima de seu corpo surrado.
Acordou. “YEAH, YEAH, YEAH ! Estou no céu!” Dormiu tanto que não percebeu que já eram 15:00. “Mas ... .... espere aí! Ainda é a linha do trem! Não pode ser ! O trem não passou! Mas que droga!!!” De repente, Pedro começou a rir. Ria compulsivamente. “Ha ha ha ha ha ha”. Tinha um sorriso doentio nos lábios. Sorriso de criança. Puro e espontâneo. Inexplicavelmente Pedro achou que podia fazer tudo. Não importava o que realmente tinha acontecido com o trem. “Destino? Acaso? Foda-se. Dou uma chance a mim mesmo”.
A morte, ao contrário do que se pensa, não traz alívio algum. Ela apenas acaba com tudo. É uma fuga como qualquer outra droga, porém, definitiva. A vida é dor. Finda a dor finda a vida. Pedro Santiago sentiu-se HUMANO, eu disse HUMANO, dos pés à cabeça. Estar perto da morte o fez saber o quanto sua vida era especial. Estar vivo. Dar um sentido à sua existência. Fazer planos e concretizá-los. Abençoar seus pulsos com o trabalho honesto ao invés de cortá-los num banheiro sujo de um quartinho alugado da Ceilândia.
Correu e correu e correu e correu e correu e correu*.
*Não posso deixar de pensar em Pedro correndo ao som de “Jumping Jack Flash” dos Rolling Stones.
Corre Pedro, corre!