Ido do Porto, aos 17 anos e pico, o Colégio Dom Nuno, na Póvoa do Varzim, acolhia-me para uma nova versão da minha atribulada aventura estudantil. Meus progenitores não largavam mão de fazer-me doutor à força. Analiso e bem vislumbro, mas só agora. Os preceptores e professores do Grande Colégio Universal, no Porto, com a minha saída, experimentaram decerto um santo e tranquílo alívio. No Dom Nuno, os alunos com mais de 16 anos podiam sair todas as noites entre as 21 e as 24 horas. "Oh que bendita ideia tiveram meus pais", cogitava eu de contente a falar para os botões. Sentia-me um homem! Era então no "Nosso Café" que eu ia jogar grandes bilharadas com os do meu grupinho. A Laurentina, empregada de balcão, não cessava de me abrir os olhos. Dava-me com tudo quanto tinha pelas vistinhas dentro: com os olhos, com os lábios, com as mamas, com as coxas e, pasme-me, dava-me até com o porta-moedas para me socorrer as deficiências monetárias. E a altura louca do esplendoroso folguedo chegou. Numa dada noite não regressei ao colégio e entreguei-me de corpo e alma à Laurentina, esperimentadíssima mulher da vida e das vidas. Oh que par de mamas e ancão tinham aqueles 32 anos de fêmea sequiosa. E fui ficando, o dia, a noite, os dias, as noites seguintes e os seis meses que vieram adiante. Ninguém sabia de mim. A minha foto já tinha saído nos jornais por duas vezes. A Tina, a "Maneta", guardava-me com quanto tinha e podia. "Mas, chamam-te "Maneta" porquê?" - interroguei eu. "O meu avô tinha uma tasca e era maneta. Daí a família ficou assim conhecida e de filhos a netos todos somos manetas ". Convenceu-me e fomos andando, andando... Que estupendo. A partir da Laurentina nenhuma mulher me levou mais além: em cima, por baixo, de lado, por trás eu fui vivendo tudo que era possível viver. Restou-me só desenvolver a sensibilidade e conhecer a da mulher em seu infinito mistério. Alguém a conhecerá?!... Num Domingo de Páscoa, manhãzinha, a Tina estava ao lavatório a preparar-se. De repente, da cama, reparei pelo espelho que ela a pentear-se segurava o cabelo com um toco... Não tinha mão esquerda!... Levantei-me sorrateiro e puxei-a repentinamente, mas não logrei ver-lhe de novo o toco. Arre, espantoso, com que gana aquela mulher se defendeu para que eu não lhe visse a deficiência. Zangado, desgostoso, decepcionado, resolvi num ápice regressar nesse dia a casa, em Mindelo. Estava a minha família a almoçar em festa. Quando me viram, ao cabo de seis sucessivos meses de ausência, emudeceram. "O diabo ressuscitou..." - Ouvi minha Mãe dizer com um sorriso largo... Ainda hoje me pergunto: "Como andei mais de meio ano com aquela mulher sem dar conta que ela era de facto maneta? Que arte, que génio de fêmea a fazer amor, que doidice... Que saudades... Que poveira amorosa... No entanto... Fui estúpido... Pois fui? Perdi pau e bola: perdi a mulher e a hipótese de ser doutor. Além do mais fiz um grande atraso de vida, mas foi bom, muito bom mesmo. A Laurentina morreu há uma dezena de anos... A recordação sabe-me a mel e fel. Torre da Guia PS = As almas puras podem comentar e maldizer à vontade... |