Usina de Letras
Usina de Letras
14 usuários online

Autor Titulo Nos textos

 

Artigos ( 62285 )

Cartas ( 21334)

Contos (13267)

Cordel (10451)

Cronicas (22540)

Discursos (3239)

Ensaios - (10388)

Erótico (13574)

Frases (50677)

Humor (20040)

Infantil (5458)

Infanto Juvenil (4780)

Letras de Música (5465)

Peça de Teatro (1376)

Poesias (140818)

Redação (3310)

Roteiro de Filme ou Novela (1064)

Teses / Monologos (2435)

Textos Jurídicos (1961)

Textos Religiosos/Sermões (6209)

LEGENDAS

( * )- Texto com Registro de Direito Autoral )

( ! )- Texto com Comentários

 

Nota Legal

Fale Conosco

 



Aguarde carregando ...
Erotico-->12. JOSÉ LEOCÁDIO -- 09/06/2003 - 07:27 (wladimir olivier) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos

Lourival resolveu decifrar parte do mistério. Imaginou que o amigo estivesse querendo conduzi-lo para as profundezas. Sendo assim, em bom jargão espírita, seria caso de obsessão, ou, na expressiva formulação bíblica, de tentativa de possessão.

Objurgatórias não realizaria nem as cantilenas do exorcismo. Para ele, qualquer ser do universo, criatura de Deus, era irmão necessitado de apoio e compreensão.

Relembrou as palavras que dizia aos enfermos da alma, no centro de atendimento evangélico, e decidiu que iria invocar-lhe a presença. Retornasse de onde estivesse, para as explicações das pessoas que se amam. Afinal de contas, mantiveram tantas horas de proveitoso colóquio durante a vida, que não custaria muito ouvi-lo para as recriminações ou os conselhos, conforme seu grau de adiantamento.

Não surgiu ninguém, mas veio-lhe a idéia de que o suicídio fizera o companheiro cair em descrédito. Evidente que deveria arrastar-se, sofredor, pelas lamas putrefatas das trevas profundas, pois o crime de ofender o Criador, atentando contra a própria vida, era imputável, inafiançável, quase diria imperdoável, não fora infinita a misericórdia do Pai. Mas, se a cada um segundo as obras, era certo que Zezinho (não seria melhor chamá-lo mais respeitosamente de José Leocádio?)...

A interrupção na linha de pensamentos desviou-o para outras lembranças. Rememorou o dia em que conheceu o jovem amigo, novo ainda na repartição, em que ingressava por concurso público. Por mais de vinte anos, privaram de amena amizade, um levando ao outro o estímulo da melhor vida possível. As famílias congregaram-se desde o início e, se Lourival não fosse tão turrão em matéria religiosa, teria aceitado ser o padrinho da cerimônia levada a efeito na paróquia do bairro. Mesmo assim, ajudou na solenidade civil, apondo sua assinatura no testemunho das promessas de assistência e de apoio mútuo dos nubentes.

Lembrava-se de que, mais tarde, chegaria a vez de Zezinho dar-lhe testemunho de companheirismo, no amparo à dor da perda das crianças. Se o remorso lhe rondara a consciência por ter permitido o trágico passeio, foi Zezinho quem lhe veio trazer o consolo fértil de quem tem em Deus incondicional fé.

E dizer que, mais tarde, se mataria...

Começava a desconfiar de que os temores de Isabel, a esposa, eram infundados. Zezinho jamais se manifestara pela mediunidade dos companheiros nem dera sinal em qualquer centro. É certo que era avesso ao espiritismo, que não admitia sequer a hipótese da sobrevida espiritual. Mas, depois do trespasse, com certeza a verdade se teria evidenciado.

Pensou na própria condição e avaliou quão difícil lhe estava sendo ultrapassar a fase da solidão. Que se diria de quem não tinha qualquer noção de como se portar no etéreo?

Mas agora, depois de tê-lo visto algo desesperado, ansioso, querendo arrastá-lo consigo, estremeceu. Veio-lhe à mente o fato de que todas as preces estavam bloqueadas, em sua emotividade, em sua fé, em sua confiança na recuperação do pobre infeliz, pela suspeição de que amargaria, obrigatoriamente, duros reveses, na ambição de regenerar-se.

Resolveu que iria imprimir à oração pelo amigo o melhor conceito de comiseração e de consolação, na impressão vibratória dos sentimentos que deveria causar aos protetores, para que liberassem a visita, para os entendimentos imprescindíveis.

Diria um pai-nosso. E o repetiria muitas vezes, até perceber que as emoções eram profundas, verdadeiras, de respeitosa saudade pelo companheiro...

Ajoelhou-se e pronunciou as sagradas palavras com o máximo de concentração, da mesma forma que fazia ao início e término das sessões de desobsessão. Tão perfeita foi a entonação que ouviu da própria voz que suspeitou que não haveria de ser atendido somente caso algum impedimento insuspeitado não permitisse a manifestação.

Sentou-se à beira do túmulo e ali ficou a devanear a respeito das sessões a que comparecera para o auxílio dos encarnados, na recuperação e esclarecimento dos sofredores. Aguardava, pacientemente, que o amigo se anunciasse por voz direta, conforme suspeitava que acontecesse naquele plano.

Olhou para o monstro das mil faces que, obediente, permanecia estático, como na expectativa dos acontecimentos. As ondas desencontradas que emitia e que Lourival a medo captava davam-lhe a idéia de temíveis acontecimentos futuros. Que revelações estariam para ser feitas?

Relembrou sua primeira sessão em que os espíritos se manifestaram para valer, mas penduleou o pensamento para situação semelhante, quando, em existência anterior, adentrava o terreiro para as manifestações de outras entidades.

Temeu que as comparações pudessem levá-lo a esquecer-se das vibrações pelo amigo e voltou a concentrar-se naquela pessoa tão estimada e tão mal interpretada ao final.

Isaura estivera em sua residência muitas vezes, depois da morte do marido, sempre chorosa e sempre necessitada de apoio. Ernestina a amparava e ele só imprimia às conversas as características doutrinais de que ela mais carecia. Eram informações colhidas nas obras mediúnicas, mui especialmente nas de André Luís, cujas colônias de atendimento após a morte lhe ensejavam pretextos para discorrer a respeito da necessidade de se inteirar das diretrizes da fé kardequiana.

Isaura parecia ouvir interessada, mas, católica de confissão e comunhão, não se decidia a acompanhá-los, jamais.

Certa feita, deixou de visitar o casal por mais de ano, até que lhes telefonou, indicando novo endereço, afirmando que se arranjara com antigo namorado, apaixonado de outros tempos, que, tal qual ela, enviuvara.

Formalmente, nunca mais se encontraram, mantendo-se Ernestina ao corrente da amiga, que se reconciliara com a felicidade. Aos poucos, caíra no esquecimento.

O que atemorizava Lourival, na fórmula de recordação do passado, é que não conseguia visualizar os acontecimentos, como se tudo fosse produto da imaginação. Quando se lembrava de Zezinho, dos casamentos, do falecimento dos filhos, dos encontros das famílias nos natais e “réveillons”, tudo se fixava fortemente na retina, como se estivesse presente aos acontecimentos naquele justo instante. Mas a morte do parceiro e tudo o que daí se seguia não era real, como se nunca nenhum desses fatos tivesse ocorrido.

Seria porque não agira de modo conveniente? Haveria a interferência de problemas conscienciais, como se houvesse desleixado da responsabilidade do encaminhamento do amigo ou da família pelas trilhas da verdade doutrinal?

As perguntas não mereciam resposta, da mesma forma que o tempo estava passando sem que a evocação tivesse sido atendida.

A forte decisão de resolver definitivamente o caso da tentativa de arrastamento para o Hades iria ter de ficar para depois.

Olhou para o conglomerado de imagens e solicitou permissão para que se desprendesse alguém com quem pudesse realmente conversar.

Imediatamente, surgiu-lhe a figura da mãe, a verdadeira, a natural, a cuja fugidia lembrança só recompusera durante a regressão. Que teria ela para lhe informar?

Comentarios
O que você achou deste texto?     Nome:     Mail:    
Comente: 
Renove sua assinatura para ver os contadores de acesso - Clique Aqui