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Erotico-->11. A MORTE DOS AMIGOS -- 08/06/2003 - 07:24 (wladimir olivier) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos

Lourival não queria lembrar-se dos eventos sobre que não tivesse absoluto domínio. Passou, então, a refrescar a memória a respeito de todos os amigos, em sua longa jornada terrestre, e da despedida de cada um deles. Era maneira bastante adequada para ocupar a mente sem desagrado. Iria rememorar momentos de enorme felicidade, pois jamais se acusara de ser mau para qualquer deles.

Quis voltar aos primeiros companheiros desaparecidos, aqueles ainda jovenzinhos. Não se recordava de nenhum. O mais que conseguia era fixar-se em rosto muito conhecido, o qual foi dado por desaparecido em incêndio. Aliás, toda a família fora tragada pelo fogo e, naquela ocasião, quando mal entrara na escola, estivera macambúzio durante bastante tempo.

Eram companheiros de brincadeiras, de correrias e também de bancos escolares. Com Roberto, mais novo uns dois anos, jogava bolinhas de gude a ganho. Mas sempre devolvera todas ao amiguinho, que não era muito bom no desempenho dos arremessos. Ele, sim, conseguia arrecadar muitas bolinhas dos demais.

Quis imaginar por que razão ficara tal dado tão nítido e não foi difícil pensar na possibilidade de que Roberto não teria nenhuma queixa dele. Ao contrário, era um amigão para todas as horas, defendendo-o do assédio das outras crianças, que desejavam querer vantagens sexuais...

Lembrou-se das intimidades que manteve com o pequeno e tudo lhe veio com muita clareza. Em épocas próximas, volvera a lembrar-se dessas atividades sexuais da primeira infância e ficara muito aborrecido por terem dado oportunidade a que tais fatos acontecessem. Gostaria de ter permanecido imaculado para a juventude, pois essas aventuras deixaram-no angustiado durante o namoro mais sério com aquela que viria a ser a esposa de toda a vida.

Será que Roberto teria levado para o etéreo as recordações daqueles instantes primitivos?...

Para quem desejava só lembranças sem atropelos emocionais, estava começando muito mal. Encontrou as desculpas que empregara para o disfarce das responsabilidades e avaliou, com justiça, que nem sua idade não lhe facultava compreensão da moralidade em torno da sexualidade, nem sua história de restrições fora muito enérgica, para que pudesse acusar-se de violência contra as determinações dos mais velhos, esses, sim, responsáveis e comprometidos com sua educação.

Mas não podia ir muito longe na inocência dos primeiros tempos...

Viu que iria desenrolar outros acontecimentos nesse campo terrível para quem se desejou monogâmico perante o grande amor de sua vida.

De repente, aquele longo arrepio pela espinha...

E as mulheres de que se lembrava? Como é que poderia acusar-se de infiel, se jamais Ernestina pudera acusá-lo de nada?

Percebeu que as lembranças a respeito dos amigos estavam levando-o a descobertas surpreendentes. A consciência estava tranqüila, mas e os relacionamentos extraconjugais?

Por que a lembrança de Margarida e de Felícia se misturaram de início, quando agora estava diante de Ernestina, e somente dela, excluindo todas as outras mulheres, restando apenas aquelas brincadeiras da primeira idade?

Mulheres, religiões e acontecimentos vinham-lhe à mente de forma completamente aleatória. Refletiu:

— Sonho ainda, pois nada do que penso está firmando-se como realidade. Se são o fruto da imaginação, suplico ao Senhor que me mande os companheiros espíritas que partiram antes de mim, para que me esclareçam, pois não tenho meios de configurar a verdade dos fatos.

Deu-se um beliscão bem forte, mas avaliou que estava muito bem acordado. Só aí percebeu que a escuridão se desfizera e que o local em que se encontrava era o mesmo campo-santo, perto da sua sepultura.

Queria desfazer-se das más impressões do sonho de paz, pois se configurara que era muito egoísta e que se aproveitara de todas as pessoas.

Voltou a se lembrar dos parceiros de existência carnal.

Reinaldo era outro companheiro dos tempos de rapaz. Mais velho, fora quem o levara a uma casa suspeita, onde moças recebiam homens por dinheiro. Percebeu que estava utilizando-se de eufemismos. Não aceitava que se des-prestigiasse a moralidade das pessoas, pois aquelas mulheres eram verdadeiramente vítimas da sociedade. Se pudessem, com certeza escolheriam outra vida...

Não fora bem sucedido naquela tentativa e ficou durante alguns anos em estado de choque. Mas conheceu Ernestina em um baile, onde foi levado pelo mesmo amigo, que o queria feliz.

Desconfiava de que os pais é que pediam para levá-lo a tais lugares, pois, de livre iniciativa, não se moveria de casa. Entraria na faculdade em breve, mas ficou preso aos encantos da mocinha.

Eram lembranças muito doces, mas penosas do ponto de vista familiar, pois a mãe cismou que não deveria...

A mãe...

Misturou as emoções e chocou-se com o fato de que havia real repulsa por aquela que o criara. Teria sido por causa da perda de um filho, causa inicial do desejo da adoção?

Admitiu que não tinha o controle da situação psicológica dos pais à época. Mais tarde lhe deram formação espírita de primeiríssima. Como não se soubera adotado, tinha de começar a encaixar as peças do quebra-cabeça.

Mas forte estremeção impedia-o de levar avante o julgamento das sensações relativas à mãe.

Lembrou-se de Reinaldo e pensou, em seguida, em José Leocádio. Zezinho foi o amigo que o acompanhou até fase bastante avançada da vida. Era pau para toda obra e ajudava-o no emprego da Secretaria da Fazenda.

E o comércio de peles?...

De novo, a percepção de que dera muito mais importância para as ocorrências de outras existências do que para a monótona seqüência de fatos da última peregrinação.

Zezinho morrera atropelado na via pública. Fora velado e enterrado com muita angústia da família, sem que Lourival tivesse podido amainar tal sofrimento, apesar de conhecer todas as palavras mágicas da consolação espírita. A viúva não aceitava que o marido fora tão imprudente ao atravessar a avenida e suspeitou, durante muitos anos, que Zezinho havia planejado o acidente fatal. Tinha medo do suicídio do marido e temia revelar segredos de suas intimidades. Mas Lourival fora confidente...

Nesta altura dos pensamentos, começou a avaliar seus momentos de fraqueza perante as confissões do querido companheiro e colega de trabalho. Quisera levá-lo para o centro, mas não conseguira.

Neste ponto das recordações, a mente começou a embaralhar-se. Viu os amigos fundirem-se numa só pessoa. Outros colegas começaram a aparecer e, em seguida, eram abocanhados pela monstruosa figura que se criava. Os chefes, os amigos do centro, os companheiros da rua, os assistidos da benemerência, os vizinhos, os familiares, os filhos, a esposa, tudo era engolido pela pujante figura que se criava diante de si. De repente, o seu mundo íntimo ficou vazio de pessoas. Era ele e o outro, algo indefinido, ameaçador, impositivo, imenso, com garras e tentáculos, mas inofensivo, pois na primeira investida para agarrá-lo, Lourival fez que recuasse prudentemente.

Mil olhos o observavam, enigmáticos, frios, apaixonados, incoerentes, distantes, em fogo, rancorosos...

Apertou a vista, esfregou os olhos com os punhos, tentou conhecer os sentimentos a respeito daquele amontoado de sensações díspares e concluiu que algo o povo deveria estar esperando dele, para que se quebrasse o encanto de tão misteriosa construção psíquica.

Via o monstro diante de si mas não acreditava em sua realidade. Deveria ser o símbolo de algo muito grande, como uma Esfinge a provocar a sua inteligência para o enigma que se propunha.

Não temeu, não vibrou de forma desconcertante, não se arrependeu de ter permitido que tal ser se alimentasse de suas memórias. Sabia que havia protetores, preceptores, anjos guardiães...

Nem bem se pôs a pensar nessas entidades especialíssimas e começou a ver fantasmas incorporando-se àquela figura.

Agora sim, longo estremecimento começou a tomá-lo por inteiro. Queria ficar firme, corajoso, íntegro, sem lágrimas, mas não pôde desvencilhar-se de sutil sensação de impotência. Desde que regressara do mundo físico, tudo parecia montar-se para o efeito da acusação, do sofrimento, da dor.

Queria livrar-se do pesadelo, mas não conseguia.

Sentou-se à beira da sepultura e encarou demoradamente o monstro que tinha diante de si.

— Decifra-me ou devoro-te! — era a fala que atribuía à quimérica figura.

Quanto tempo ficou ali pensativo, não foi capaz de imaginar, a verdade é que, de vez em quando, alguém se destacava do grupo e vinha saudá-lo, oferecendo-lhe, invariavelmente, os préstimos para a solução do mistério. Mas eram pessoas desconhecidas, lembranças de seres que lhe passaram pela vida sem qualquer importância, encontros com contribuintes no balcão da repartição. Agradecia afetuoso, na ânsia de maiores esclarecimentos, mas tais entidades tinham existência muito fugaz e desapareciam irremediavelmente, sem respostas.

Milhares de apertos de mãos depois, Zezinho veio-lhe ao encontro, com sorriso sarcástico na ponta dos lábios, como que acusando de algo. Ao estender-lhe a mão, sentiu forte empuxo para baixo, como se o quisesse arrastar para as profundezas.

Lourival hesitou em acompanhá-lo, julgando melhor oferecer resistência a tal impulso. De repente, Zezinho desfez-se no ar, à sua frente. Que significaria tudo isso? Iria deixar o monstro intacto, sem solicitar o desprendimento de ninguém mais, até que resolvesse de vez aquele misterioso caso. Que esperassem por ele! Queria desfazer-se da dívida que o gesto do amigo lhe indicava.

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