Usina de Letras
Usina de Letras
26 usuários online

Autor Titulo Nos textos

 

Artigos ( 62287 )

Cartas ( 21334)

Contos (13268)

Cordel (10451)

Cronicas (22540)

Discursos (3239)

Ensaios - (10389)

Erótico (13574)

Frases (50677)

Humor (20040)

Infantil (5459)

Infanto Juvenil (4781)

Letras de Música (5465)

Peça de Teatro (1376)

Poesias (140819)

Redação (3310)

Roteiro de Filme ou Novela (1064)

Teses / Monologos (2435)

Textos Jurídicos (1961)

Textos Religiosos/Sermões (6211)

LEGENDAS

( * )- Texto com Registro de Direito Autoral )

( ! )- Texto com Comentários

 

Nota Legal

Fale Conosco

 



Aguarde carregando ...
Erotico-->10. O SONHO -- 07/06/2003 - 07:03 (wladimir olivier) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos

Nunca sonho algum lhe fora tão nítido. Acordado já, rememorava as peripécias das viagens empreendidas. Queria deixar tudo gravado na memória, pois lhe pareciam explicações que deveria investigar para a configuração do todo harmonioso de sua história.

Mas não se contentava em quedar friamente admirando as facetas inusitadas das representações de imagens e das ocorrências de inter-relação com os ambientes. Os diálogos eram imensamente mais reveladores das condições psíquicas dos momentos retratados, principalmente as próprias falas, que lhe soavam estranhas, em linguagem difícil, quase ininteligível.

Se adentrara os portais da escola muito tarde, inteligente, vencera as diversas etapas até formar-se em curso superior de administração pública. Mas o currículo não lhe serviria de nada na descoberta das inúmeras possibilidades mentais que descortinara. O que mais estranhava era a necessidade de constante tradução para a atualidade, quedando muitos fatos absolutamente incompreensíveis, pois não conseguia fazer corresponder os dizeres aos objetos. Se tudo lhe era muitíssimo natural na hora em que estava imerso nas realizações quiméricas da mente, agora já não conseguia reaver as sensações integralmente.

De qualquer forma, tudo que lhe viera durante o sono parecia-lhe muitíssimo familiar, como se fosse mero desdobramento da personalidade.

Suspeitar de que fora levado a paragens relativas a outras encarnações era o de menos. O que o intrigava, deveras, eram os longos períodos obscuros, em que apenas se via a si mesmo, como que afastando os fantasmas que o perseguiam por locais estranhos. Sabia que era o Umbral da tradição espírita ou o Inferno mais brando das mitologias conhecidas, como o Purgatório da Igreja Católica, mas não tinha noção exata do que o arremessara tão longe dos locais que ora desfrutava, como regalia de quem, evidentemente, se contivera durante existência carnal longa e plana.

Ficou-lhe bem claro que deveria voltar à “performance” regressiva, pois não descobrira momento algum em que não estivera sob os cuidados da doutrina espírita. Os pais eram espíritas. A família toda, “idem”. Os amigos também. Onde a umbanda, o protestantismo e o catolicismo?

Os pais...

Evidenciava-lhe o fato que aquela sua nutriz era a mãe que perdera. Fora adotado, pois o orfanato também se delineara claramente. Explicavam-se os arrufos com a mãe de empréstimo, que o tratava bem, mas sem transbordamentos de carinhos. Sentia, muitas vezes, leve dor na consciência por odiá-la, mas agora compreendia a razão. Não se atemorizava com as conclusões, julgando-as provisórias, pois a verdade, sabia-o bem, viria a configurar-se de um momento para outro, no contatar das entidades familiares. Era questão de tempo.

Confirmou o desaparecimento do cordão que o ligava ao corpo denso e começou a tomar pulso da situação.

Chamou por Margarida, por Felícia e por Ernestina. Mas congregou-as em uma única personalidade. O que não sabia era quanto tempo transcorrera para ela desde que lhe abandonara a convivência. Teria deixado a carne? Que figura feminina viera substituir a imagem de Felícia, apresentando-se tão nitidamente à sua visão?

Começava a conceber a participação das entidades protetoras.

Se os segredos estavam sendo desvendados com tanta facilidade, por que não se revelavam os espíritos amigos para conversa franca, para sagrada orientação de rumos, na tentativa do encaminhamento aos estudos e demais trabalhos evangelizados das colônias espirituais transitórias?

Pensou nos instantes em que a visão se degradara para a compreensão dos fatos recordados e sorriu, pois parecia que a consciência da última encarnação se restabelecia, para o equilíbrio dos raciocínios e para a perfeição das conclusões. A frieza dos sentimentos era suficiente indício de que agüentaria bem a revelação das falhas que, porventura, estivessem sedimentando-lhe a personalidade.

Quis orar, mas julgou desnecessário.

Refletiu sobre a crítica que fizera a respeito das orações do sacerdote por ocasião da encomendação de sua alma, durante o enterro, e percebeu a falência do julgamento. Se a prece não fora dita com sentimento, com emoção, com verdadeiro espírito místico-religioso, se o padre não pusera fé, esperança ou caridade nas sacratíssimas palavras, ao menos que a repercussão em sua alma fosse a que censurara e não a estúpida reação de quem pensa dominar todas as idéias e sensações.

Doeu-lhe a observação como se dita pelo melhor amigo ou pelo preceptor mais exigente. Que outros deslizes estivera cometendo durante os últimos tempos, ali, ao pé do túmulo?

Olhou ao derredor e não encontrou as cruzes, as imagens, os ciprestes, os chorões... A paisagem era outra.

Quis caracterizar o local, mas não lhe foi possível. Tudo lhe era muito estranho. Não havia horizonte e, ao mesmo tempo, também não havia paredes, muros, nada que bloqueasse a visão. A claridade era suavíssima, mas cambiante, indo do rosado mais intenso, ao branco leitoso, passando pelo amarelinho claro, pelo verde esmaecido, pelo azul celeste pálido das manhãs ensolaradas, sem nuvens, bem cedo.

Começou a refletir sobre a nova condição espiritual. Nada igual houvera lido nas inúmeras descrições das obras emanadas dos espíritos escritores. A paz e a tranqüilidade eram reconfortadoras. Nada de pressões íntimas a sobrecarregar-lhe o cenho com as preocupações das culpas.

Refletiu bastante e agradeceu ao Senhor a benemerência desse total desprendimento dos pesos conscienciais. Era o esquecimento mais completo da personalidade, o que havia, de resto, imaginado que ocorreria aos que se guindassem ao paraíso, para a companhia eterna e absoluta do Criador.

Mas tinha noção do eu, sem temer, contudo, que fosse desfazer-se naquela atmosfera nirvânica e não sensual. Sabia que algo deveria acontecer a qualquer momento, pois o tempo ali não demonstrava fluir, a não ser pela variação esplendorosa das nuanças de cores.

Era tanta a paz, tanta a perfeição do sentimento de alheamento de todos os sofrimentos, tanto o prazer de existir, que começou a temer por condenação absurda. Não seria o castigo dos que se julgavam superiores? Não seria a ilusão da perfeição, longe de todos os seres que jamais poderiam equiparar-se à sua grandeza moral, espiritual, intelectual, sentimental?...

Que estranho modo de fazê-lo perceber que todos os seres devem merecer a mesma consideração, como filhos de Deus e como irmãos!...

Naquele ermo luminoso, lágrimas do mais profundo arrependimento brotavam-lhe insopitáveis, em convulsivo pranto.

Analisou os sentimentos e até neles começou a perceber que ninguém jamais, por certo, sofrera tão intensamente. Até mesmo na dor era maior, era mais completo, era mais...

Ajoelhou-se, humilde, e pediu perdão ao Pai, rogando-lhe que o pusesse perante todas as pessoas que ofendera, para a tardia mas nunca inoportuna reconciliação. Se fosse preciso, repetia, lágrimas contidas, ficaria naquele lugar até que...

Não sabia o que acrescentar, na desconfiança de que qualquer condição pudesse revelar que desejava estar senhor de si e da situação, como sempre fizera.

Aos poucos, a consciência foi colocando outras cores no ambiente, deixando-o cada vez mais soturno e amedrontador. Mas agradecia a Deus o poder de perceber-se como era realmente. Muito haveria, com certeza, para aprender, mas dispunha-se ao trabalho, como nunca antes, em qualquer circunstância.

Desejou ver as crianças, essas, sim, no etéreo desde há muito. Os filhos iriam ser os guias de que necessitava para prosseguir existindo em contínua evolução. Bendito Kardec, bendito Jesus e benditos todos aqueles que lhe deram as noções básicas para a compreensão da vida após a vida! Na carne, aprendera pouco, mas o suficiente para saber que tudo por que passava lhe estava sendo proporcionado por acréscimo de misericórdia.

Só não compreendia por que tardavam tanto a atendê-lo. Que mais queriam como testemunho de sua elevação e de seu espírito de sacrifício?...

Nesse momento, a escuridão fez-se total.

Comentarios
O que você achou deste texto?     Nome:     Mail:    
Comente: 
Renove sua assinatura para ver os contadores de acesso - Clique Aqui