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Contos-->Parte final de "Cidade do Mal" -- 16/09/2003 - 10:18 (Clóvis Luz da Silva) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
Homine Albuquerque, setenta e quatro, não tinha os mesmos atributos físicos de Pedro Soares, porém as maldades e desafeição às mulheres eram do mesmo quilate, como bem prova sua sempre invencível disposição de mandar sua mulher à feira vender os produtos que ela mesma plantava e colhia, enquanto ele ficava em casa tecendo peças de roupa ou num canto qualquer jogando conversa fora com os amigos e bebida para dentro do estômago. Foi numa tarde que a disposição de Homine em ser cruel ao extremo com sua esposa se revelou em toda sua extensão. Ao voltar da feira, a mulher tropeçou num galho e caiu, tendo lesionado o pé esquerdo. Não podendo levar para casa as sobras da venda, pediu que avisassem o marido para ir auxiliá-la. Ao ser avisado, simplesmente ignorou os sofrimentos da mulher, deixando-a curtir a dor, sob calor infernal, até que secasse mais uma garrafa de bebida. Bêbado, foi aos tropeções, não para ajudar a mulher, e sim para obrigá-la a carregar o cesto até sua casa, ainda que mal pudessem, um pelo efeito do álcool, outra, pela dor, ficar de pé um minuto inteiro.

Gentil Cardoso, mantinha comportamente incompatível com o nome. Não era simpático com sua esposa e suas filhas. Pelo contrário, todas as manhãs as três deviam lavar a casa, as roupas que ele sujava na noite anterior nos embates a dinheiro que aconteciam no estabelecimento mais movimentado da cidade. A crueldade de Gentil era proporcional ao desapontamento de quando perdia suas lutas. Quanto mais apanhava de seus oponentes mais sua mulher e filhas sofriam. Era sua cartase predileta mandar que elas, depois de terem limpado toda a casa e lavado suas roupas, cozinhassem três pratos diferentes, para que ele e alguns amigos pudessem continuar a bebedeira da noite anterior em volta de uma mesa bem ornamentada com pratos deliciosos. Aprendera muito bem Gentil Cardoso a essência da lei de Novo Eden. As mulheres da casa eram suas escravas. Vivam para satisfazer-lhe os desejos, e se ao menos desconfiasse que estavam executando suas tarefas com má vontade, ficavam o dia inteiro sem comer e dormiam todas numa mesma cama, despidas, sem lençóis e com as janelas abertas para que o frio rigoroso fizesse da noite uma tortura pedagógica.

Como foi chocante a descoberta dos crimes destes três homens. E foi sob o efeito do álcool que vieram à tona. Homine Albuquerque convidara certo amigo para compartilhar alguns tragos de vinho. Pelas tantas, deixou escapar que tinha medo de ser descoberto. “Em quê?” Indagou o amigo. “Não é nada...esquece”. Respondeu, sem graça, Homine. Ao sair para pegar mais uma garrafa de vinho, Homine tropeçou e do bolso de sua calça caiu um pedaço de papel. O amigo, não tão bêbado quanto o outro, vendo que Homine não percebera o fato, juntou o pedaço de papel, no qual estava escrito: “Reunião, dia 13, às sete, na casa de Gentil Cardoso.” Assinava o bilhete Pedro Soares. Depois de ler o escrito, o homem colocou o papel no mesmo local e na mesma forma como o apanhara. De volta, Homine Albuquerque, vendo o bilhete, arregalou o olho, tomado por um susto inominável, e o colocou de volta no bolso. Imediatamente brotou em sua mente a lucidez dos sóbrios, e, como se não tivesse ingerido uma gota sequer de vinho, disse a seu amigo que voltasse outro dia, pois precisaria resolver um problema naquele momento.

Esse amigo de Homine me relatou o episódio e fiquei incumbido de investigar o caso, para levar informações ao chefe supremo do Conselho Impiedoso. No dia da reunião na casa de Gentil Cardoso eu já estava postado num local estratégico de onde podia ver quem chegava. Primeiramente chegou Homine e sua esposa; depois, Pedro Soares com a esposa e os dois filhos. Aproximei-me da casa vagarosamente, e como já estava escuro, foi fácil não ser notado. Juntamente com os convidados, Gentil Cardoso, a mulher e sua filhas desceram para um compartimento subterrâneo, embaixo do compartimento central da casa, oculto, como constatei, por um enorme tapete vermelho. Antes, Gentil fechara toda a casa, apagando os candeeiros um pouco antes de descer. Dessa forma, se alguém o visitasse julgaria não ter ninguém na casa. Cioso por querer saber do que se tratava a reunião, esperei por quase duas horas. Quando finalmente o barulho denunciava que estavam retornando ao pavimento superior, agucei os sentidos para detectar algum fato elucidativo. Com que surpresa notei que todos, inclusive as mulheres, estavam conversando e sorrindo, tomados de uma felicidade jamais vista em nenhum lar de Novo Eden.

Infelizmente não pude ouvir nada porque naquele exato momento alguém bateu à porta de Gentil Cardoso, e todos, com exceção de sua mulher e filhas, voltaram para o local secreto. Rapidamente uma das filhas abriu a porta, e entrou um amigo de Pedro, dizendo-se disposto a beber até não mais agüentar. Pedro, então, mandou que sua mulher fosse à adega pegar uma garrafa de vinho. O detalhe curioso é que a mulher e as filhas de Gentil, há alguns instantes radiantes e efusivamente satisfeitas com a vida, voltaram a manifestar na face uma aparência mórbida, dessas que só se manifestam como fruto de uma tristeza profunda no coração. Resolvi ir embora, já que tinha elementos suficientes para oferecer um denúncia de conspiração contra os três homens ao Conselho Impiedoso. E o fiz, contando os detalhes que até relatei. Convocados pelo Conselho, os três acusados não quiseram revelar os objetivos de suas reuniões secretas. Não disseram também por que suas filhas e esposas delas participavam e por que, ao final, pareciam ser as mulheres mais felizes do mundo. Como se recusassem a falar, Pedro Soares, Homine Albuquerque e Gentil Cardoso foram condenados à morte.

Chegou a hora. É meio-dia. O verdugo já está pronto. Os condenados também. Vejo a multidão em alvoroço. A maioria dos presentes tem um brilho sórdido no olhar, como se desejando que o sangue daqueles infelizes caia sobres suas cabeças. Outros, contudo, não parecem contentes com o destino daquelas criaturas. Dentre esses últimos, percebo ali, discretas, algumas mulheres. Parecem ser das famílias dos condenados. Parece também que escorrem lágrimas de seus olhos. Estranho...Depois de tanto sofrerem nas mãos desses homens tais mulheres ainda choram por que eles vão morrer? A tradição da cidade é que os filhos homens tomem conta da família. E no caso de não tê-los, o restante da família, morrendo o pai, é entregue ao vizinho mais próximo. Isso quer dizer que os dois filhos de Pedro Soares tomarão conta daquelas mulheres. E, como lhes disse, eles também estavam na reunião secreta. Todavia, a lei não se aplica aos filhos homens quando obedecem fielmente aos pais. E eles poderiam ter ido às reuniões sem concordar com os objetivos dos pais. Por isso os filhos de Pedro Soares não foram acusados de conspiração, ainda que eu tenha testemunhado que estavam tão felizes quanto os outros depois de saírem daquele abrigo secreto.

A Sagrada Lei de Novo Eden, então, foi cumprida...
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