ÊTA NEGUINHA FULERA!!!
Amile era morena bonita. Com seus olhos verdes, cabelos longos tingidos, podemos dizer que era mais que bonita. Era linda. Mulher de congestionar o trànsito e causar engarrafamento. Em seus vinte anos incompletos, fazia tudo o que uma menina de sua idade podia fazer. E algumas coisas a mais ...
Gostava do Amado Batista - o artista era seu ídolo. Vivia o dia inteiro cantarolando música do cantor. Quando entrava na pista do "Princesinha" - Amile também gostava de dançar - todos paravam para vê-la sacudir aquela bunda grande e saliente, presa naquela microsaia preta, que mostrava a calcinha amarela, sua cor preferida. Nesse momento, e naquela penumbra, ninguém dava valor ao colo queimado, seios pequenos e perfumados da guria.
Se a música fosse do Amado Batista, então, nem pensar. Ela fechava os olhos, cantava junto e rodopiava apaixonada, quase levitando. Um amor de pessoa.
Nunca entendi como ela póde se apaixonar pelo seu namorado (o último, de tantos) - o Xará. Diziam que ela tinha uns casinhos por fora, mas acabava sempre nos braços do Xará, velho de guerra, com quem `cheirava´, fazia sexo e dormia. Contaram que já fizera três abortos, o primeiro aos treze. Era fulera a neguinha. Chamá-la de fulera não é, na realidade, desmerecê-la. Os negros chamavam as negrinhas bonitas de "flor" ou "fuló", na linguagem de Jorge de Lima, termo que mais tarde se corrompeu e deu "fulero" ou "fulera". Amile era realmente uma menina-flor. Quem sabe com alguma conotação negativa. Mas qual a bela flor que não tem espinhos?
Xará era um negro forte, alto e vagabundo. Bonito também. Meu amigo. Gostava de briga. Bom nisso. Quando me via triste já perguntava: quem foi?, na ànsia de distribuir o cacete a três por quatro. Nos encontrávamos de vez em quando por culpa de ofício. Eu sabia que ele andava metido no tráfico. Mas comigo ele era bom. Certa vez, bebemos trinta e duas cervejas juntos. Quase morri (e olhe que eu só enganava, nunca fui um bom bebedor). Naquela noite, `cheirei´ uma vez com ele e passei mal. Contam que esse fulero não sabia o que fazer pra me ajudar. Nunca mais me ofereceu nada. Nossa amizade só aumentou a partir daí.
Eu gostava daqueles dois. Davam duro. Ambos estudaram: chegaram ao segundo grau, de onde eu já conhecia o Xará. Xará procurou emprego, só conseguiu o de pedreiro. Não que o emprego fosse ruim. Porém, ele sentia que podia mais. Lutou, lutou e nada encontrou de melhor. Alguém lhe deu uma desculpa, quando fez o teste no banco: era negro. Amile, por sua vez, e na sua negrice, não conseguiu nada melhor que a prostituição. Coisas da vida.
Uns dois anos passaram. Semana passada encontrei com os dois novamente, ela com um negrinho no colo. Me bateu a saudade. Convidei os três pra almoçar. Continuam bonitos e fortes. Apaixonados de dar inveja. Amor bandido desses dois. Até melhoraram de vida (se é que se pode dizer que alguém melhora de vida nesse país dos tempos atuais). Ela deixou a vida `dura´. Ele no tráfico. Ainda. Porque ganha mais e não consegue arrumar emprego digno de seu potencial. Continuam negros.
E você ainda me vem com a conversa fiada de que não existe racismo nesse país??