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Contos-->A cidade do mal - parte I -- 12/09/2003 - 10:22 (Clóvis Luz da Silva) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
Manhã triste essa que ora finda, aliás, a mais triste de todas desde que me entendo por gente. Nunca em nossa impiedosa cidade houve caso de tão vergonhosa bondade. Os autores de absurdos crimes, até pouco tempo, eram reputados como os mais iníquos, os mais ímprobos e indignos de honra. Eram exemplos sempre citados nas conversas entre os varões ao cair das tardes. Os pais os apontavam como arquétipos de conduta a ser seguida pelos filhos, como aqueles a quem as futuras gerações prestariam fabulosas homenagens, dando às praças, às ruas e aos prédios públicos seus nomes tão ilustres por sua interminável luta contra a justiça. Quando as vindouras eras chegassem, os meninos olhariam suas fotos nas galerias dos colégios, das universidades, dos tribunais, e perguntariam quem foram e o que fizeram tais desonrados senhores. Ficariam orgulhos ao saber que alguns de seus antepassados tanto se comprometeram em promover uma sociedade desigual, violenta e desumana, que suas polutas faces brilhariam com ares infernais nas paredes de tão suntuosos prédios.

Não sabemos como os senhores Pedro Soares, Homine Albuquerque e Gentil Cardoso chegaram a tão absurdos níveis de moralidade e retidão. Estamos todos chocados nesta pequena cidade. Somos pouco mais de dez mil habitantes e desde sempre os códigos de conduta criados pelos fundadores de Novo Éden eram obedecidos fielmente. Não há registros de que alguém os tenha transgredido. Se houve transgressões, não restam provas escritas nos arquivos públicos, nem nas memórias dos mais antigos, cujo empenho em ensinar aos mais jovens o caminho em que devem andar é notável. Não seria prudente que esses anciãos do Conselho Impiedoso de Novo Éden deixassem os exemplos de indesejável conduta esquecidos num passado tristonho apenas pelo perigo de suscitarem nos jovens o afã de serem bons tanto quanto os transgressores.

Numa tarde qualquer de algum ano bem distante, o Conselho Impiedoso estabeleceu o primeiro código para os moradores de Novo Éden com as prescrições e as punições para quem as desobedecesse. Cada bairro da cidade escolheu um delegado, sempre tendo como critério sua postura imoral, para, juntos, decidirem quem seriam os primeiros membros do conselho encarregados de criar o código. Os três senhores que estão prestes a morrer por causa de sua conduta criminosa, na companhia de outros sessenta e sete nobres cidadãos novoedinos, finalmente se reuniram para estabelecerem como, dali até o fim de seus dias, seus concidadãos deveriam se portar na vida. O código de postura estabeleceu no seu único artigo, o seguinte:

Nos termos dessa Ímpia Lei, todos os varões de Novo Éden devem ter uma esposa, e desse enlace os rebentos são obrigatórios, sendo dois o número mínimo a compor a prole de cada lar. O varão será cruel tanto com sua esposa como com suas filhas, tratando-os de maneira absolutamente desumana, deixando-as sob o cuidado das intempéries da natureza sempre que as provisões de roupa e comida ameaçarem os vícios dos varões, como as jogatinas e as bebidas. O tratamento que mãe e filha, ou filhas, darão a um filho homem será, desde cedo, igual ao dispensado ao pai, e o filho seguirá o comportamento do pai no tratamento da mãe e irmãs, porque assim será mantida segura a reprodução da autoridade dos homens e a perpetuação uma ordem social equilibrada e segura. Qualquer varão, portanto, que transgredir o estabelecido no presente código, dando às mulheres tratamento digno, será acusado do maior dos crimes, punível com execução sumária em praça pública para exemplo às gerações vindouras.

Com o tempo, esse artigo foi sendo gradativamente regulamentado, tornando-se uma doutrina sólida, perfeitamente incutida da mente de todos os cidadãos de Novo Éden. O que dizer dos três homens que o transgrediram?

Pedro Soares, setenta, homem de boa aparência, pai de dois filhos dava à esposa metade do que ela lhe pedia para comprar as coisas de que a casa necessitava. Em seu currículo consta que, para não correr o risco de empobrecer, deixava a mulher com fome pelo menos dois dias na semana. Se adoecesse a mulher tinha que contar com a benevolência da natureza para se curar. Se quisesse roupa nova, devia primeiramente usar as que tinha no corpo até que se rasgassem complemtamente. Não somente em relação à família Pedro Soares tinha conduta exemplar. Famoso é em toda a cidade um episódio no qual ele mostrou toda sua maldade. Foi quando a filha de um vizinho seu, no meio da noite, teve um terrível acidente vascular cerebral, tendo batido à porta de Soares a mãe da infeliz, pedindo desesperadamente que ele levasse a filha ao hospital, já que o pai da menina estava com os amigos se embebedando em algum lugar da cidade. Sem pestanejar, Pedro Soares bateu a porta da cara da vizinha e voltou para as profundezas do conforto de sua cama quente.
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