Usina de Letras
Usina de Letras
21 usuários online

Autor Titulo Nos textos

 

Artigos ( 62285 )

Cartas ( 21334)

Contos (13267)

Cordel (10451)

Cronicas (22540)

Discursos (3239)

Ensaios - (10388)

Erótico (13574)

Frases (50677)

Humor (20040)

Infantil (5458)

Infanto Juvenil (4780)

Letras de Música (5465)

Peça de Teatro (1376)

Poesias (140818)

Redação (3310)

Roteiro de Filme ou Novela (1064)

Teses / Monologos (2435)

Textos Jurídicos (1961)

Textos Religiosos/Sermões (6209)

LEGENDAS

( * )- Texto com Registro de Direito Autoral )

( ! )- Texto com Comentários

 

Nota Legal

Fale Conosco

 



Aguarde carregando ...
Erotico-->54. DESAFOGO -- 25/05/2003 - 08:34 (wladimir olivier) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos

Vamos deixar passar dois anos das cenas descritas nos últimos capítulos. Durante este tempo, permaneceu Juvenal sob liberdade condicional, mercê de uma quantia razoável depositada em juízo como fiança.

Mas ficou sob resguardo oficial, escondido pelo Departamento de Proteção à Testemunha, havendo deixado convencidas as autoridades de que havia uma ameaça séria à sua vida, depois que relatou todo o esquema de seu resgate em longo depoimento, tendo comprovado, através dos depósitos efetuados em sua conta secreta, que havia quem estivesse interessado em mantê-lo a serviço do crime organizado.

Ajudou-o a argumentar o aparelho de telefone celular que estava sob seu poder e que ofereceu a possibilidade de rastreamento de diversas ligações efetuadas e recebidas, todas elas remetendo para telefones de pessoas ligadas à criminalidade, nenhuma, entretanto, apontando para pessoas importantes social ou politicamente que pudessem estar na chefia da organização.

Progrediram as investigações no sentido da detenção de um dos elementos que participaram do resgate, através de cujo testemunho se levantou a impossibilidade de Juvenal pertencer àquele grupo, que se declarou independente, interessado em extorquir uma boa quantia do jovem, sabidamente rico. Não se explicavam as manobras da ação cinematográfica, mas ficou claro que a chamada à viatura que transportava o preso viera de um aparelho confiscado que funcionava na freqüência da polícia.

Assim, permaneceram na sombra os mentores do tráfico de drogas, incapaz o poder público de inventariar provas para justificar as declarações de Juvenal.

Houve, todavia, um momento de tensão, quando Juvenal levou Macedo e Dirceu à mansão, que se mantinha desabitada desde que Tadeu foi dispensado por José, sob o argumento de que não era praticável deixar uma pessoa envolvida tão negativamente com a família tomando conta da propriedade.

Ali, na calada da noite, ficando o aparato policial do lado de fora, entraram apenas os três.

Juvenal havia prometido documentos que poderiam incriminar pessoas conhecidas e poderosas. Foi assim que abriu a passagem secreta, dando acesso aos acompanhantes até o recinto da adega.

— Meu pai mantinha em absoluto sigilo este local. Acho que nem minha mãe o conhece. Com certeza, nem Lutécia nem meu tio José tiveram qualquer notícia deste cômodo. No escaninho de cima, meu pai escondia várias armas a que eu dei fim. Aqui embaixo, guardava preciosas garrafas de vinho, verdadeiras relíquias, hoje empoeiradas e esquecidas. No entanto, ele não bebia nem oferecia a nenhum convidado. Acredito que alcancem elevado preço no mercado de raridades. É parte de minha herança escusa. Mas o que eu desejo mostrar-lhes se encontra neste armário.

Escondidas atrás de uma prateleira, dentro de pequeno baú, estavam as chaves. Juvenal apanhou-as e abriu uma a uma as três portas do armário, revelando seu conteúdo: pastas e mais pastas de arquivos do Poder Judiciário.

Dirceu logo se interessou pelo material, apanhando um “dossier” em cuja capa estava impresso um emblema que ele conhecia muito bem. Tendo examinado rapidamente o conteúdo, não se conteve:

— Mas estes documentos são originais. Este processo, com certeza, foi furtado, eliminando qualquer possibilidade de levar o indiciado às barras do tribunal.

Macedo, com outro processo na mão, concordou, aduzindo:

— Doutor, o senhor pode verificar que as datas deste justificam sua devolução ao fórum. Juvenal, quantos arquivos estão nestas prateleiras?

— Cerca de quatrocentos.

Como estava o ar ficando irrespirável, resolveram levar quantos pacotes puderam carregar para cima.

No escritório bem iluminado, dedicaram-se a reconhecer os nomes envolvidos nos processos, estarrecendo-se por constarem pessoas importantes em todos os setores da sociedade: capitães de indústria, magnatas do comércio, alguns políticos no poder e outros fora dele, altos funcionários públicos, poucos desconhecidos.

A descoberta, além de justificar todo o dinheiro e o ouro, assustou o delegado, a quem Macedo comunicou o fato, atendendo a uma palavra de prudência de Dirceu, que o alertou para sérias conseqüências dentro do poder judiciário. Deixasse tudo nas mãos do chefe, não despertando a imprensa, que faria um escândalo inútil, já que apenas peixes miúdos seriam arrolados na investigação do furto, enquanto os tubarões teriam recursos para abafar quaisquer manifestações que visassem a oficializar as acusações.

Nem Macedo, nem Dirceu voltaram a pousar a vista naqueles documentos, ficando sem saber que destino lhes foi dado. Um dia, Macedo fez uma alusão a eles para o delegado, em conversa íntima, mas este descartou-se, afiançando-lhe que havia entregado todo o material a um alto funcionário do chefe de gabinete do Secretário da Segurança. E tudo morreu aí.



Durante todo esse tempo, Glorinha apoiou o namorado, sem, contudo, poder estar com ele. Comunicavam-se através do correio eletrônico da Internet, tendo crescido em seus corações a necessidade um do outro. Voltou ela ao cenário da cozinha da televisão, mercê de muitas requisições de telespectadoras, agora com um contrato polpudo que a mantinha presa à emissora por cinco anos.

Ao completar vinte e um anos, Juvenal abriu mão da herança em favor da mãe e do tio. Liberou, dessa forma, o tribunal para encerrar a pendência jurídica, facultando a integração das posses a quem de direito. Mas não abriu mão de tudo. Havia suas contas bancárias e, principalmente, o ouro do apartamento, apartamento que manteve sob contrato de aluguel antecipado em transação através da Internet.

A notícia da atitude desprendida do moço, porém, não moveu a mãe a enviar-lhe seu perdão. O choque da revelação da verdade desfez o efeito do encontro em que misturaram as lágrimas.

Quanto ao tio, também se deu bem profundo estremecimento em sua benquerença. Entretanto, as leituras espíritas e as conversas com Elvira e Ricardo tiraram-no da estagnação, finalmente levando-o a procurar Dirceu para inteirar-se do paradeiro do sobrinho.

— Caro amigo, eu só posso dizer-lhe que ele se encontra bem. Mesmo se soubesse onde está, não poderia dar-lhe o endereço, porque a polícia estabeleceu o princípio de que a proteção às testemunhas deve ocorrer sem que a parentela tenha acesso a elas. É uma questão de segurança.

— Não se preocupe. Vou perguntar diretamente ao Macedo.

— Inutilmente, porque nem ele mesmo sabe onde se encontra o menino. Uma vez entregue ao departamento, todos os vínculos com os conhecidos são rompidos.

— E quanto a você, como é que se encontra com o seu cliente?

— Em duas ocasiões importantes, fui avisado por telefone que ele estaria em tal ou qual lugar, em determinada hora. Nas duas vezes, ao chegar ao endereço dado, encontrei um policial que me levou até onde deveria entrevistá-lo.

— Será que Glorinha tem ido vê-lo?

— Em hipótese alguma. O que sei é que se correspondem pela Internet, mesmo assim através de um aparelho pertencente ao departamento, para que não tenha ninguém oportunidade de rastrear e localizar a origem das chamadas.

— De qualquer modo, vou procurar a mocinha para pedir-lhe que fale com ele em meu nome.

De fato, Glorinha recebeu o advogado muito bem e, na primeira oportunidade, referiu-se a ele como movido pela saudade, passando ao namorado informação cheia de esperança em breve e perene retorno ao seio da família.

Assim, não passava um dia sem que José entrasse em contato com Glorinha, recebendo as expressões mais sentidas do sobrinho quanto a ter-se arrependido do que fez. Sempre as notícias chegavam adornadas por citações dos evangelhos ou das obras de Kardec, que José ia conferir nos próprios textos.

Cerca de um ano após o afastamento do rapaz, José foi capaz de pedir ao jovem que o perdoasse por se haver enchido de mágoa e de rancor. Se estivessem frente a frente, com certeza restaurariam o afeto de outros tempos.

Quando recebeu a carta em que Juvenal abria mão da herança, José achou que deveria dissuadi-lo. A decisão, no entanto, era irrevogável, de sorte que José foi obrigado a protocolar a solicitação junto ao poder judiciário.

Foi por essa época que se marcou o julgamento dos homicídios. Também, em virtude de não terem dado em nada as investigações relativas à organização criminosa, afrouxou-se a vigilância sobre o rapaz, dando o Serviço de Proteção à Testemunha por concluída a missão que lhe empatava cinco policiais, em rodízio, mas sem despesas, porque a manutenção de Juvenal era subsidiada por ele mesmo.

Por outro lado, à vista da solicitação do moço, o juiz determinou o arresto dos bens, ficando José impossibilitado de lhe passar os lucros das empresas de que o pai era sócio majoritário. Tal providência rapidamente lhe exauriu as contas bancárias, deixando o rapaz sem fonte de renda. Mas não se incomodou com o fato. Aliás, até sentiu certo alívio, sem compreender direito o porquê da íntima alegria, desconfiando apenas que começavam as agruras, já que passara os dois últimos anos preparando-se para o vestibular, não só da faculdade, mas também da própria existência.

Assim que se viu livre, foi diretamente para o escritório do tio. Era um encontro que não podia adiar.

Avisado da proximidade da visita, José se preparou para receber o sobrinho, inclusive através da leitura de diversos tópicos de “O Evangelho Segundo o Espiritismo”, de Kardec. Queria manter a tranqüilidade, vigiando os sentimentos, porque não tinha tanta certeza de que o perdão a distância se sustentaria quando estivesse na presença do sobrinho, como ele pensou, “ao vivo e em cores”.

Quando o moço assomou à porta do escritório, não se atreveu a dar um passo para dentro. O tio encarou-o, observando que estava com alguns quilos a mais, mais robusto e forte, corado e bem disposto, cabelos e barba compridos e bem tratados, bem diferente daquele fantasma que vira ser arrastado para o carro da polícia. Criara a expectativa de se deparar com um ser carcomido pela dor, pelo sofrimento, via-se diante de uma criatura adulta e nutrida. Tal como o jovem, ele também ficou como que transido de emoção.

Finalmente, após um longo momento de recolhimento, foram capazes ambos, por um gesto conciliador do tio, de se lançarem um nos braços do outro, confundindo os gemidos do pranto que vertiam do fundo da alma.

Ao retornarem da efusão sentimental, viram-se estranhos entre si, como se as personalidades tivessem transgredido as normas da harmonia que anteriormente reinava e não se tivessem ainda ajustado à nova situação. Foram polidos em suas manifestações, quase formais, cada qual interessando-se por mera cortesia a respeito das atividades do outro.

— Juvenal, você bem sabe que não possui mais nenhuma fonte de renda. Como é que espera manter-se, se nem emprego tem?

— Meu tio, possuo algumas economias guardadas, o suficiente para atender às minhas necessidades, durante todo o curso universitário. Depois, sairei em busca de emprego.

— E o aluguel de tão caro apartamento?

— Está quitado por mais dois anos. Quanto a isto, fique tranqüilo, pois não pretendo incomodá-lo.

— E o dinheiro para pagar o resgate, caso venha a ser extorquido de novo?

— Não creio que vão pedir o que não tenho mais, uma vez que é de conhecimento de todos que as duas valises com o valor superior ao solicitado foram apreendidas e se acham em poder do judiciário.

— Se você não está preocupado, eu também não irei ficar. O que pretende fazer agora de manhã?

— Quero dar uma olhada no apartamento, ver se está tudo em ordem, se Margarida tem cuidado da limpeza...

— Ela tem feito uma vistoria a cada mês, a meu pedido, dedicando-se mais à casa, que é bem maior, possuindo objetos que devem estar sempre em ordem. Não se esqueça de que seus bens foram arrestados e que o pagamento dos ordenados tem sido sacado de um fundo que entregarei aos herdeiros legítimos, tudo anotado, com recibos passados e registrados.

— É justo, tio. Nem eu gostaria que fosse diferente. Depois do apartamento, vou encontrar-me com Glorinha na saída do estúdio da televisão.

— Vocês devem ter cuidado pois por ali sempre rondam pessoas querendo autógrafos, e também jornalistas da própria emissora, gente capaz de reconhecê-lo, assim que você abraçar a mocinha. Eu acho que uma exposição pública agora seria altamente desaconselhável para o anonimato que deve ser mantido.

— Não tenha medo de passar por outra crise, porque não pretendo envergonhar mais a família. Está tudo sob controle e devidamente combinado, para que as coisas saiam de forma a evitarmos problemas com o público.

— Você há de me permitir continuar trabalhando, porque estamos assoberbados com diversas pendências legais. A minha agenda está cheia.

Ao mesmo tempo, mostrava as páginas repletas de anotações do caderno de compromissos.

Apertaram-se as mãos, o tio sem convidá-lo para uma visita à família, o rapaz desejoso de se ver longe dali.



Ao adentrar o apartamento, logo Juvenal notou que estava muito limpo, sem qualquer resquício de pó em parte alguma. O chão rebrilhava, as cortinas, agitadas por uma brisa bem suave, deixavam no ar um leve perfume de alfazema.

Abertas algumas das janelas, o sol penetrou radioso, trazendo calor e luz para o ambiente.

A primeira idéia do moço foi transformar duas ou três barras de ouro em moeda corrente. Ao entrar no quarto dos computadores, porém, ficou curioso para saber se ainda funcionavam devidamente. Sendo assim, ligou os três, aguardando que os programas se dispusessem às suas ordens. Todos obedeceram aos comandos, revelando a tela de entrada. Num deles, todavia, existia um arquivo de texto desconhecido, com o título de “abra-me”.

Imediatamente, Juvenal acionou com dois toques o misterioso botão, revelando um texto digitado ali mesmo:

“Querido amigo, aqui estivemos para recolher o que era nosso de direito. Não deixamos você sem nada, porque temos uma dívida de gratidão antiga por serviços que nos foram prestados. Você não nos interessa mais, no entanto, se quiser voltar a pertencer aos nossos quadros, forme-se e apresente-se. Voltaremos a contatá-lo dentro de cinco anos.”

Juvenal suspirou fundo. Com certeza a limpeza do apartamento constituía uma séria mensagem:

“Limparam o cofre!”

Correu para a sala, levou um longo minuto até conseguir acionar o segredo e deparou-se com o interior do cofre inteiramente vazio. Haviam levado todo o ouro e todas as ações que lá se encontravam.

Voltou para ler a mensagem no computador, tentando decifrar o que desejavam dizer com não no terem deixado sem nada.

“Será que estão referindo-se aos móveis e aos objetos de arte? Terão levado as quantias que deixei nos outros cofres, para ludibriar possíveis assaltantes?”

Para os outros dois cofres, necessitou ler os segredos que deixara escondidos em um arquivo no computador.

No primeiro, achou as ações e tudo quanto lá havia deixado. No segundo, havia, além dos quatro mil dólares antigos, cerca de vinte barras de ouro de um quilo.

A primeira reação de Juvenal foi acreditar que os traficantes tinham senso de humor. A segunda foi avaliar que estavam dizendo-lhe que faziam e desfaziam, a seu talante, o que desejassem, sem nenhum temor de que pudessem ser apanhados.

Discretamente, através do interfone, solicitou do porteiro que lhe informasse quando é que haviam feito a limpeza. Ficou sabendo que fora no dia anterior, através de uma empresa que trouxera um documento da imobiliária.

Na imobiliária, ninguém sabia a respeito da contratação daqueles serviços.

De posse da ordem que lhe foi encaminhada pelo porteiro, Juvenal ligou para a firma que constava no timbre, sendo informado tratar-se de uma fábrica de cosméticos.

Imaginou se deveria alertar Macedo mas não se precipitou. Parecia-lhe que a promessa dos marginais de deixá-lo sossegado valia tanto quanto ou mais que a vigilância do programa de proteção policial.

“O melhor que faço é não mexer em vespeiro. Basta o fato concreto de que estão colaborando para cercear o alcance de meu poder econômico.”

Tal qual se sentiu mais aliviado por liberar a herança, também o sumiço do tesouro escondido lhe provocou um bem-estar moral considerável, fazendo que agradecesse ao Pai mais aquele empurrãozinho na direção de saudável penúria que o obrigaria a dedicar-se com mais empenho à busca da autopreservação.

Comentarios
O que você achou deste texto?     Nome:     Mail:    
Comente: 
Renove sua assinatura para ver os contadores de acesso - Clique Aqui