Chego na casa do amigo para que juntos achemos uma maneira de criar estratégias de sobrevivência nestes tempos de crise. O mercado, esse novo e antipático Deus, não soube ainda o que fazer com um jovem gênio da informática e um poeta. O primeiro sofre a concorrência; o segundo, como espécie, anda em extinção. Poemas são usados, quando são, para vender chinelos.
A idéia seria criar uma Ong ou uma fraternidade mística, para que entre cànticos suaves e incensos a gente esqueça que o mundo esqueceu a sutileza e a simplicidade - tudo ficou extraordinariamente complexo e pouco inteligente.
Do alto de uma cobertura em Copacabana, ao som de musica natural, conspiramos.
- O problema e´que nós somos tubarões e estamos no rio das piranhas. Temos que dar o golpe. - Diz ele.
- Se facilitarmos, seremos devorados.
- A gente tem que se unir. E´muito canalha. Tudo virou uma fachada. Hoje, qualquer coisa institucional e´complicada. O mundo da matéria esta´perdido - ele prossegue.
- Às vezes torço para que viesse logo um caos, para que ao menos pudéssemos defender nossa dignidade com as próprias mãos.
- E´uma selva, né?
- Do jeito e nível que chegou a civilização, eu deixaria ela tranquilamente; sem saudades.
Vou te mostrar uma obra prima, diz ele, rindo e abrindo o computador. O video mostra uma nota de cinquenta reais. Quase tão perfeita quanto a do Banco Central.
- Cara, tu resolveu teu problema. E´isso aí a onda. Fabricar seu próprio dinheiro. Iniciativa privada! Já passou alguma?
- Só uma no Bobs, diz ele rindo - passando um spray na nota.
- Você não tem medo de ir preso, não?
- Nada. Eu digo que recebi. O que mais tem no mundo e´nota falsa; Tudo é relativo, nada e´linear. O sistema não quer dinheiro, a todo custo? Então, cada um faz o seu. E ai, vai comprar o lanche pra gente, o troco e´seu?
- Não. Meu senso e´tico não permite. É o imperativo categórico.
- Deixa de ser bocó. Compra um Big-qualquer coisa. O troco e´seu. Quarenta reais deve sobrar.
- Não. Mas desejo que Você passe todas as suas notas. Você e´um grande artista.
Depois dessa inteligente reunião, fiquei com vergonha da minha honestidade. Eu devia Ter arriscado comprar seu dinheiro abaixo do preço do mercado e passar por aí, ao menos nos lugares onde nada mais fazemos do que jogar dinheiro fora. E onde, hoje em dia, não jogamos dinheiro fora?
Aquele mundo sensível, inteligente, solidário e sutil no qual gostaríamos de viver jaz agora para um país além dos sonhos. O Deus mercado e´implacavel com os humanos honestos. A corrupção e´a norma culta desse Deus. Ainda bem que pareço estar em extinção, mas torço para o sucesso do meu amigo. Um grande talento. E um grande lógico. Se cada qual pudesse fabricar seu próprio dinheiro, qual seria o problema? Quem e´o dono da legitimidade?
Chegamos num tempo em que só há uma lei: sobreviver. O resto e´falácia...