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Erotico-->49. AS ENTREVISTAS -- 17/05/2003 - 07:40 (wladimir olivier) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos

Repercutiram, no etéreo, as providências de Juvenal. Acorreram os protetores familiares para a inspiração das melhores expressões, aquelas que refletissem, sem sombra de dúvida, os sentimentos mais profundos e autênticos da novel convicção doutrinário-religiosa.

Ao chegar ao escritório do tio, tinha o moço formulados os pensamentos, faltando caracterizar apenas as reações da franqueza e da ponderação. Também não queria deslizar inconseqüentemente para um sentimentalismo que absolutamente não refletia seu estado de ânimo.

Deixara-se emocionar naquele abraço materno. Agora havia estabelecido parâmetros racionais para expor problemas e soluções. Recordava-se da completa frieza de alguns meses atrás e admitia como mais correta uma atitude distante do envolvimento sentimental.

Não contava com a presença de Glorinha, que chegara antes dele, vinda de táxi.

Assim que o viu, atirou-se a seus braços, apertando-o contra o peito, como a prometer-lhe toda a felicidade do mundo.

Juvenal deixou-se empolgar, sem, contudo, corresponder com o mesmo entusiasmo. Tremia um pouco, prevendo uma crise naquele relacionamento incipiente, pois as revelações que pretendia fazer eram por demais graves.

Sem perceber direito o que dizia, sussurrou ao ouvido da mocinha:

— Depois do que eu tenho para lhe contar, não sei se você vai querer ainda ficar comigo.

A resposta dela foi incisiva:

— Isso nós veremos.

Anunciada a presença do sobrinho, José fez que entrassem os dois, admirando a visível benquerença da moça pelo rapaz. Também não foi preciso observar com muita atenção a fisionomia do jovem, para perceber a gravidade do momento. Indicou-lhes as poltronas, puxando uma cadeira para defronte de ambos, introduzindo o tema que supunha do interesse dos recém-chegados:

— Vejo que vocês estão apaixonados. Estão vindo buscar a minha bênção?

— Quisera que assim fosse, tio. O senhor soube do resultado de meu encontro com minha mãe?

— Tudinho. Moacir me fez ouvir o diálogo, prevenindo-me quanto a um provável recrudescimento de seus males.

— Como assim?

— Ele achou que o seu desaparecimento poderia representar um surto da moléstia não totalmente debelada. Você não ignora que deve medicar-se até o final de seus dias. Então, ficando sem os remédios, à mercê das surpresas desagradáveis da vida, bem poderia ocorrer o pior.

— Eu concordaria com ele se achasse que tudo o que me aconteceu naquele encontro fosse negativo. Negativo, propriamente dito, é o passado, ou melhor, os desencontros de toda a minha vida. O encontro, só posso considerar positivo. Mas tenho de aceitar que haja resultados ruins, como o crescimento de minhas necessidades morais, frente ao fato de haver cometido muitos delitos.

— Você está fazendo referência ao que lhe disse sua mãe. Pois bem, nestes últimos seis meses, enquanto você se achava sob o poder dos calmantes, procedi a uma série de investigações, por indicação dela, e averigüei o quanto envolvido você esteve com o tráfico.

— Macedo está sabendo disso?

— Sem ele, eu não teria progredido muito.

— Quer dizer que estou a pique de ser indiciado criminalmente?

— Eu acho que cabe a ele dizer se vai ou se não vai acusá-lo perante o ministério público. No entanto, posso adiantar-lhe que os crimes foram cometidos durante a menoridade, o que significa que, perante a lei, você era inimputável, irresponsável. Por outro lado, o Doutor Moacir pode oferecer completo relatório clínico de suas condições mentais àquela época. Acho que qualquer juiz consideraria as atenuantes e lhe cominaria sentença meramente protocolar, algo que o obrigasse a trabalhos comunitários, por exemplo. Nada que você não possa estabelecer por si mesmo, sem necessidade de enfrentar alguns processos que todos nós sabemos que não irão dar em grande coisa. O máximo que lhe pode acontecer é uma pressão oficiosa para revelar os nomes dos comparsas, o que, juridicamente, não permitirei.

Glorinha, que se havia encolhido na poltrona, ousou estender a mão para pegar a de Juvenal. Este, porém, percebendo-lhe o gesto, recolheu o braço, pondo a mão fora do alcance dela, dizendo-lhe:

— Você ainda não ouviu tudo. Eu pratiquei atos de que me envergonho e me arrependo. Não sei se vou merecer sua consideração e respeito. Meu tio sabe a que estou referindo-me?

— Sei, perfeitamente. Mas, ao contrário do que você está dizendo, as coisas mais escabrosas que realizou, você não as repetirá jamais na vida. Sendo assim, não adianta ficar remoendo um passado que todos nós temos a obrigação de esquecer.

— Mas atirei em várias pessoas.

— Digamos que foi em defesa própria ou daquilo que considerava importante.

— Eu matei.

Glorinha se levantou e abraçou o moço. Soluçava sem conseguir controlar-se.

Juvenal tentou desvencilhar-se sem sucesso. Ela estava decidida a protegê-lo de si mesmo.

José insistiu:

— Você não estava sozinho e todos eram marginais perigosos. Você acha que, entregando-se à polícia, irá resolver o problema deles?

Acariciando os cabelos da namorada, Juvenal conseguiu dizer, esforçando-se para ser claro:

— Não é sendo preso que irei justificar-me perante a consciência. Sendo assim, pretendo permanecer livre para me tornar um cidadão útil à sociedade. Entendo que um dos males piores que o povo enfrenta é o assédio da bandidagem, tendo em vista que os crimes, em geral, ficam impunes. O que está acontecendo comigo, é que estou percebendo que, se não aplicar em mim mesmo uma disciplina que me obrigue a tornar-me uma criatura benemerente, irei, simplesmente, passar o resto da vida internado. Essa, sim, seria uma prisão ainda pior que a do estado, porque seria forçado a abdicar do direito à vida.

— Então, o que você pretende de mim, exatamente?

— Apesar de minha maioridade, gostaria que o senhor continuasse administrando todos os meus bens, até a decisão final do espólio de meu pai e de minha irmã. Há meios de apressar o desfecho da partilha?

— Posso tentar. Encaminhei os documentos assinados por sua mãe desistindo do pleito, de forma que, encontrando boa vontade da parte do tribunal, caso o juiz seja simpático à sua causa, tendo em vista que você não está requerendo nada além do que uma justa partilha dos bens...

— Não era bom considerar a possibilidade de ser ressarcido o poder público, quanto às taxas e emolumentos...

— Uma solicitação, nesses termos, dependendo do juiz, pode significar um atraso considerável, uma vez que o meritíssimo pode entender que estamos tentando suborná-lo.

— Não foi o que sugeri. Simplesmente, é preciso que ele saiba que os impostos fixados serão pagos sem argüição de direitos.

— Os termos não são esses, mas poderei redigir um requerimento nesse sentido. Caso se trate de algum amigo de seu pai, despachará sem embargar a petição.

— Pois vou ficar na expectativa de uma resposta positiva.

Delicadamente, Juvenal fez que Glorinha voltasse para a poltrona, enxugando-lhe, com a manga da camisa, as lágrimas que lhe manchavam a maquiagem. Foi assim que borrou ainda mais os olhos da mocinha, instando com ela para que fosse retocar a pintura.

Logo que ela saiu em busca da toalete, o rapaz interrogou o tio:

— O senhor acha que terei chance de me livrar da cadeia?

Não houve tempo para a resposta, embora o gesto de José fosse suficientemente claro quanto a negar tal possibilidade: o celular vibrou no bolso do rapaz.

— Pronto!

— Macedo. Recebi seu recado. Onde podemos conversar?

— Estou indo para o hospital. Tenho uma entrevista com o Doutor Moacir para dentro de quinze minutos. Gostaria que o senhor comparecesse. Vou tentar levar meu tio.

— Lá estarei. Até logo.

Em breves palavras, José foi colocado a par do encontro com o facultativo.

— O que você pretende pedir ao médico? Alta?

— Quero que ele me permita continuar o tratamento no ambulatório. Acho que não preciso mais permanecer internado. Depois, estou muito cansado daquele ambiente. Quero respirar com um pouco mais de liberdade.

— Vamos sair já, porque tenho muito que fazer. Você está com seu carro?

— Estou a pé.

— Então, eu levo vocês.

De fato, após recomendar aos estagiários várias providências da rotina jurídica, José foi encontrar-se com os moços que o esperavam junto ao carro.

A viagem foi rápida.

Glorinha, sentada no banco traseiro, acariciava o pescoço e os cabelos do namorado à sua frente. Trazia os olhos vermelhos. Sentia que Juvenal estava distante, imerso em preocupações que iam além das revelações que fizera. Lembrava-se, para desviar a atenção da tristeza do momento, das receitas que preparara para as poucas refeições que lhe oferecera. Imaginava-se a servi-lo, sendo recebida com aquele sorriso que a cativara desde o primeiro contato, sem entender direito a razão de se entregar tão plenamente àquele amor.

Assim que chegaram, foram recebidos à porta por Macedo. O detetive furara o trânsito com a sirene da viatura policial.

Juvenal teve uma espécie de estremecimento à vista do sisudo representante da lei, entretanto, buscou não dar demonstração, embora seu ânimo se refletisse na fisionomia carregada de preocupações.

— Como vai o nosso jovem?, foi logo perguntando Macedo, abraçando-o e olhando-o no fundo dos olhos.

— Penso estar curado. Vamos ouvir a opinião do Doutor Moacir. Conforme o que ele disser, nós iremos entender-nos a respeito de uma série de coisas.

José interferiu:

— Vamos entrando, porque eu tenho pressa.

Ao mesmo tempo, levava o sobrinho pelo braço, deixando para Glorinha a tarefa de acompanhar o investigador.

Anunciados pela recepcionista, logo foram admitidos no consultório de Moacir, que estranhou a presença de tanta gente. Aguardara ansiosamente pelo regresso do paciente, porque estava preocupado com a falta dos medicamentos. Desejava realizar outra bateria de exames, mas os acompanhantes instavam por uma conclusão rápida, à vista da pretensão de alta que logo Juvenal deixou clara.

— Você tem consciência de que seus males, se recrudescerem, poderão torná-lo um problema para a sociedade. Ninguém aqui, parece-me, desconhece suas atividades no submundo das drogas...

Deixou a idéia no ar, mas todos, meio acanhados, fizeram sinal que sim.

Prosseguiu:

— A minha apreciação vai limitar-se ao âmbito médico. Seus exames deram negativo para todos os testes. Mas é preciso considerar que você está sob efeito de medicamentos poderosos. Sua vontade de se sentir uma pessoa comum, conforme o que me dispôs na primeira entrevista, pode considerar realizada, desde que mantenha o tratamento e se faça acompanhar de exames regulares. Só assim posso atestar a possibilidade de controlar suas deficiências neurológicas. Também não tem sentido mantê-lo conosco, o que significaria um verdadeiro cárcere privado.

Ao mesmo tempo em que lhe estendia uma pasta repleta de documentos, explicava:

— Eis aqui, em forma de relatório, a descrição da moléstia e dos procedimentos clínicos. Estão todos os resultados dos exames, numa inequívoca demonstração de sua crescente melhora, até o ponto da convalescença. No final, as recomendações relativas aos cuidados com a saúde e o atestado de alta assinado por três facultativos do hospital. Quero elucidar, à vista de seu passado, que uma recaída é possível. Sendo assim, você deverá assinar um termo de compromisso de que se responsabilizará por todos os atos contrários ao bom convívio social, isentando a nossa instituição de qualquer futura responsabilidade. Para que não reste dúvida, devo avisar que a declaração que exigimos está padronizada, porque cansamos de ter de enfrentar processos movidos por clientes e seus representantes legais, só porque não atinaram com o fato de que não estavam de todo curados mas precisando de acompanhamento médico. No serviço público, ficariam ocupando uma vaga permanentemente, porque seriam esquecidos pela parentela. Falei demais. Peço que me desculpem, caso não tenha tido o devido respeito à pessoa de nosso esforçado paciente.

Macedo, na poltrona mais distante da mesa do médico, tendo prestado muita atenção em tudo quanto expusera Moacir, concentrou-se num aspecto que lhe pareceu fundamental: o fato de ter sido procurado logo cedo, quando o importante para Juvenal seria que ele ouvisse justamente aquele discurso.

Antes de Juvenal assinar, José examinou o texto da declaração, terminando por aprová-lo:

— Você pode assinar. Eu também vou assinar como testemunha, ressaltando que me mantenho como seu tutor, enquanto você não completar vinte e um anos, assumindo a minha parte na responsabilidade de vigiar, para que compareça à clínica conforme a programação do Doutor Moacir.

Terminada a fase protocolar, inclusive relativamente à prestação de contas e ao saldo do débito da derradeira semana, Juvenal pediu a todos que o ouvissem:

— Eu tenho uma dívida de gratidão com cada uma das pessoas presentes. Quero caracterizar toda a extensão de meu entendimento a respeito dos problemas que causei a muitas pessoas e verificar como é que poderei considerar-me quite com cada um. Sei que não vai ser tão fácil quanto pagar a conta do hospital, mas preciso ter a certeza de que posso assegurar para mim um futuro equilibrado e, se possível, feliz e produtivo.

Nisto, o pisca-pisca do telefone de mesa apelou para o médico.

Todos se interessaram pela resposta de Moacir:

— Certamente. Peça a eles que entrem.

De fato, a porta se abriu dando passagem a Elvira, Margarida e Ricardo. Entraram timidamente, talvez não esperando encontrar José e Macedo, mas, com certeza, Glorinha.

Acomodaram-se nas cadeiras que um funcionário providenciou, tendo Elvira exposto a razão de estarem ali:

— Não tivemos notícia de Juvenal e só agora há pouco é que Margarida nos contou que Glorinha viera encontrá-lo aqui. Resolvemos fazer uma visita. Não esperávamos uma reunião.

Moacir colocou-os à vontade:

— Estávamos comentando o procedimento clínico do tratamento do nosso rapagão, dando-lhe a feliz notícia da alta.

Juvenal, percebendo a aflição do tio, atalhou as explicações. Queria terminar o discurso:

— Quando vocês chegaram, eu estava dizendo que pratiquei uma série de atos ruins e que gostaria de pagar por eles exatamente no sentido da crença espírita, ou seja, resgatando os meus débitos. Para isso, preciso da compreensão das pessoas feridas por mim, como no caso da minha instrutora aqui presente, que despedi sem qualquer consideração...

Não pôde prosseguir, porque Elvira o interrompeu:

— Eu não me considero ofendida. Até que você desejou manter-me depois do que aconteceu a Lutécia. Não se esqueça que foi durante uma aula que você se abriu e que foi numa sessão lá no centro que recebeu a orientação dos mentores para tratar da saúde. Considere-me sua amiga e jamais pense em me pedir desculpa por nada.

Ato contínuo, Elvira foi abraçar o moço, que se retraiu, como se estivesse ainda bastante endividado.

De qualquer modo, recebeu um carinhoso afago nos cabelos e um beijo na face, enquanto ouvia o comentário da professora:

— Deixe expressar a minha afeição na frente da namorada, para que ela saiba que está de posse de um moço de muito valor.

Glorinha parecia muito longe de tudo quanto se passava ao derredor, tanto que nem percebeu que falavam com ela. Quando entraram as pessoas do centro, recebeu como que o impacto de uma influência espiritual a que estava habituada em suas manifestações de aprendiz de mediunidade.

Margarida não se atreveu a se aproximar dela, ficando tensa no lugar que lhe foi determinado. Sentiu que algo havia de estranho no ambiente e se concentrou em oração.

Ricardo observou as reações de cada um, em particular o ar reservado de Juvenal e a atenção que lhe prestava Macedo. Também viu um certo esgazear dos olhos de Glorinha, acostumado aos transes dos médiuns nas reuniões que dirigia.

Mas Juvenal estava disposto a colocar as preocupações para fora, de sorte que fez um gesto com ambos os punhos cerrados junto ao peito, pedindo a Macedo que o ouvisse:

— Nem todos aqui estão a par dos meus crimes. Já confessei que trafiquei e que...

Nisto Glorinha emitiu um longo suspiro, um apelo suficientemente claro para que prestassem atenção nela:

— Juvenal, meu irmãozinho, nem todos os crimes hão de merecer castigos.; muitos hão de ser perdoados. Não é hora de revelar as maldades passadas. Não se esqueça de que todos nós estamos crescendo espiritualmente. Você acha que só você tem de se envergonhar do que fez? Quem me diz que eu mesma não cometi muitas infrações contra as leis de Deus? De que adianta você obrigar o mundo a julgá-lo, a incriminá-lo e a condená-lo à prisão, sem lhe dar nenhum recurso para amenizar o sofrimento das pessoas que você magoou? Não lhe basta compreender os próprios erros? Não lhe basta ter a convicção de que precisa superar esta fase ruim da vida? Não lhe basta demonstrar que tem consciência das fraquezas? Vai precisar ainda despertar o ódio das pessoas que ignoram que você foi a causa de muitos males que lhes ocorreram? Há pais e mães que acusam as pessoas que levaram os filhos ao vício. Eles não sabem que parte da responsabilidade foi sua. Quer que lhe dirijam diretamente as vibrações de ódio? Escute-me, pelo amor de Deus! Não provoque reações que não poderão em nada ajudá-lo em sua intenção de resgatar as dívidas. Você vai acabar afastando-se de mim, que não poderei estar a seu lado, caso seja dominado por essas pessoas infelizes e ainda bastante desprovidas do sentido da justiça de Deus, justiça que está por trás de sua atitude. Olhe para mim. Você não está vendo em mim um futuro de recuperação do tempo perdido? Você não vê em mim uma pessoa que veio para ajudá-lo a vencer os males? Compreenda, por favor, o sentido do sacrifício, conforme pratiquei eu mesma, e não diga mais nada, porque todos os presentes saberão entender que a morte do criminoso não irá significar nenhuma punição, porque sua maior necessidade não é a de ser punido mas é a da transformação que está operando-se em sua consciência, mesmo que você não venha a sofrer fisicamente encarnado, nem venha a ser lançado às trevas, quando desencarnar. Eu falo, pode você acreditar, em nome de todas as suas vítimas diretas. Não queira, por favor, meu bem, enveredar por um caminho de difícil retorno. Confie em que Jesus olhará por todos nós e nos saberá inspirar no sentido do amor, porque ao Pai interessa apenas que o pecador se salve. Ou não?

Criou-se uma atmosfera de admiração e respeito. A jovem conseguira mexer com a sensibilidade de todos. Juvenal, principalmente, ficou encantado com a fluência dos dizeres, emocionando-se por haver entendido que se tratava de uma comunicação de Lutécia. Mas não teve coragem de dizer nada nem de abraçar a namorada. Ficou pregado na poltrona, desejando que outras fossem as circunstâncias daquela manifestação.

De todos, só Macedo não se deixou envolver pelos argumentos desenvolvidos. Aguardara uma confissão e via frustrada sua expectativa. Então, expôs seu ponto de vista:

— A menina tem toda a razão ao afirmar que Juvenal não irá ganhar nada com ficar uma temporada na cadeia. Mas é preciso que nós saibamos o que se passa com ele, já que não está vendo nenhuma saída honrosa para sua condição de fora da lei, a não ser de praticar o bem. Quer saldar os débitos com suas vítimas. Ótimo! E a sociedade? E o nosso estado de direito? Nós temos leis que prescrevem penas para determinados crimes. Vamos deixar que ele nos mostre toda a extensão de seus atos, para que possamos orientá-lo da melhor maneira possível, em especial no que toca às diligências policiais que temos levado a cabo e que apontam para situações extremamente graves.

Juvenal olhou para cada um dos amigos presentes, considerando a exposição do detetive muito justa. Mas Moacir interveio adiando a decisão:

— Eu não acho que nem a hora nem o lugar sejam os mais apropriados para revelações de graves acontecimentos. Peço-lhes que resolvam seus problemas de outro caráter que não estritamente médico em foro apropriado. Tudo o que eu tinha para falar e para ouvir já ouvi e falei. Agora sugiro que pensem bem no estado psíquico que enfrentava o meu cliente para acusá-lo nos termos da lei.

Macedo compreendeu que não fora bem interpretado. Mas não fez esforço nenhum para emendar o que havia dito. Ao contrário, foi o primeiro que se levantou e se despediu do médico, saindo sem dizer adeus aos demais, a quem passou a esperar no saguão do hospital.

José agradeceu ao médico efusivamente, mas aguardou que todos se despedissem dele para acompanhar o sobrinho, a quem levava pelo braço, aconselhando-o baixinho:

— Ouça a sua amiguinha, porque eu acho que ela estava representando, realmente, a opinião dos seus protetores espirituais. Não diga nada a Macedo, além do que ele já sabe.

— Foi o senhor quem disse que ele está sabendo de quase tudo.

— Deixe que ele investigue os nomes dos seus comparsas e de suas vítimas. Não cabe a você denunciar-se. Se ninguém oficializar uma queixa contra você, deixe que sua consciência o acuse no âmbito espiritual. Não confie nos homens.; entregue-se às mãos de Deus.

— Mas o senhor confiou nele.

— Nem poderia ser diferente, ou eu não estaria a par das investigações. Eu o convenci de sua menoridade à época dos crimes. Quanto a qualquer coisa que você tenha feito após os dezoito anos, só o Doutor Moacir poderá oferecer uma defesa mais ou menos convincente. Pense nisto.

Realmente, Juvenal se concentrou nos fatos que levaria ao conhecimento do investigador, sem esperança de convencê-lo a ajudá-lo.

Ao chegarem ao saguão, Macedo se adiantou e lançou voz de prisão para o moço:

— Juvenal, eu o prendo pelos assassinatos de sua irmã Lutécia, de seus empregados Tiago e Natália e de seu pai, o Doutor Renato.

Imediatamente, três soldados de prontidão se assenhorearam do moço, revistando-o e levando-o para a viatura, sem que oferecesse qualquer resistência.

Glorinha tremia nos braços de Margarida, enquanto os demais ficaram estáticos, tomados de surpresa.

José tentou seguir o rapaz, mas foi impedido pelos guardas.

Logo se ouviu a sirene que se perdia cada vez mais longe, no meio do angustiante tumulto do trânsito.

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