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Erotico-->48. INCUBAÇÃO DA DOR -- 16/05/2003 - 06:36 (wladimir olivier) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos

Juvenal saiu do colóquio totalmente derreado. Ao invés de ficar satisfeito com a nova disposição filial, ensimesmou-se, ameaçando uma recaída emocional.

Moacir notou a reserva do procedimento, realizou os testes habituais dos fluidos hormonais e do sangue, passou o rapaz por uma série de aparelhos e concluiu que os males físicos não constituíam a causa da melancolia.

À tarde, Glorinha tentou achegar-se a ele, mas foi impedida pelo médico, que argumentava que era preciso deixar ao moço a iniciativa de chamá-la.

Muito a contragosto, acatou a opinião do clínico e retirou-se, sem acreditar que o melhor para o jovem não seria o seu consolo e sua presença.

À noite, Juvenal deixou-se agitar por todas as palavras da mãe, através da gravação que Moacir lhe cedera.

De manhã, solicitou permissão para sair. Queria realizar uma visita às propriedades. Insistiu em partir sozinho, prometendo voltar antes do almoço.

Assim que se viu na rua, tomou um táxi, deixando o carro no estacionamento do hospital, desconfiando de que poderia ser seguido, e se dirigiu ao endereço do pequeno apartamento desconhecido de todos.

Encontrou os cômodos bastante empoeirados e os poucos móveis ainda cobertos com os mesmos lençóis encardidos da época do contrato. Não se apurou, contudo, solicitando ao porteiro que lhe enviasse uma pessoa para ajudá-lo na limpeza. Uma boa gorjeta favoreceu a rápida providência.

Ao meio-dia, estava num desses quiosques bancários retirando uma pequena soma para as despesas de manutenção, buscando um supermercado para comprar o que comer.

Durante a tarde, deslocou-se para o apartamento, não sem antes averiguar se Margarida havia saído. Abasteceu-se de dólares, o suficiente para a aquisição de alguns objetos simples para o refúgio. Depois de transformar os dólares em moeda corrente, foi de loja em loja, numa comprando uma cama, noutra uma mesa com quatro cadeiras, noutra uma geladeira simples, noutra objetos variados com que munir a cozinha, noutra roupas de cama e mesa, noutra algumas peças de vestuário, levando nisso o restante da tarde. Tendo comprado tudo a dinheiro, o que não conseguiu levar na hora lhe prometeram para a manhã seguinte ou para dentro de dois ou três dias.

Após uma refeição bastante diferente da que obtinha no hospital e completamente fora dos padrões estabelecidos por Elvira, concentrou-se na audição da fita da conversa com Terê.

Estava formando a idéia de que precisava superar a condição precária de bandido, mesmo porque a lembrança dos que havia liqüidado estava entravando sua reintegração social, desejoso de tornar-se um membro ativo, alguém capaz de suplantar o passado através da realização de muitos atos de benemerência. Acreditava que a mãe fora capaz de perdoá-lo, apesar de ter passado toda a juventude no seio de camada muito ruim da população. Era o seu modelo, porque agora a via segura de si, sem medo de enfrentar a opinião pública, mui particularmente das pessoas que poderiam humilhá-la.

Aferrou-se ao propósito de convencer os que o rodeavam de que estava não só curado fisicamente, mas regenerado moralmente. Acima de tudo, preocupavam-no aqueles que vinham regularmente depositando, em sua conta bancária secreta, conforme comprovara ao sacar o dinheiro, as quantias estabelecidas como pagamento prévio da futura prestação de serviços.

Se os parentes e amigos reagissem como a mãe, poderia iniciar uma vida familiar socialmente aceita. Pensava na polícia e em como reagiria o detetive Macedo, caso a mãe ou mesmo o médico levassem ao conhecimento dele sua atuação no mundo das drogas. O pior de tudo era a ascendência dos traficantes, que não se contentariam com desculpas, podendo denunciá-lo ou eliminá-lo.

Chegado ao ponto de se imaginar assassinado, voltavam-lhe à mente as visões sinistras dos tiros que chegara a dar até ao amanhecer, até à luz do dia. Lembrava-se dos conceitos espíritas e não via como ressarcir de imediato os débitos contraídos com as vítimas. Reforçava a idéia de que os bons não o molestariam, mas se via perante os maus, entidades incapazes de compreender quaisquer sentimentos de angústia, de remorso ou de arrependimento. Em relação a estes, via-se, após a morte, correndo pela erraticidade, acossado e maltratado.

Essa visão soturna, no entanto, não condizia com a justiça divina, conforme os ditames da doutrina de Jesus, o qual solicitou ao Pai que perdoasse os algozes, havendo ele mesmo, evidentemente, concedido o seu perdão. Também perpassou o que havia lido nas obras de Kardec, chegando a uma outra conclusão igualmente consoladora, qual seja, a de que, se se esforçasse por melhorar, teria, sim, a obrigação de saldar suas dívidas, mas trabalhando diretamente para a edificação moral dos oponentes, dos adversários, gostando da idéia de que, um dia ou outro, todos os seus inimigos, como os de toda a humanidade, se transformariam em companheiros fiéis, para honra e glória do Criador.

Foi quando surgiu na fímbria de sua memória a figura de Glorinha. Que força misteriosa teria aquela criatura que fez Juvenal suspender a linha filosófica dos pensamentos, para imergir em tenebrosa perspectiva de profundo retrocesso, como se se banhasse nas águas túrgidas da mais absoluta depressão?

Era imperioso responder à questão, ou ficaria completamente alienado da realidade. Compreendeu, enfim, que passado e presente se fundem para a formação de um lar, caso desejasse manter um nível de relacionamento de franqueza e de superior entendimento.

Foi obrigado a chegar a tais conclusões por força de avaliar o exemplo dos próprios pais, ambos com histórias vergonhosas, ambos necessitados de superação, de lavagem das manchas morais. Desconsiderou as acusações de consciência e o sentimento de culpa. Era preciso, acima de tudo, que cada um tivesse sido o apoio do companheiro e não a expressão tácita dos erros de duas vidas dedicadas a atividades escusas.

Recordou-se do episódio em que Jesus prega a contenção dos julgamentos, por causa da medida com que os homens serão medidos. Ele não estava preocupado em avaliar toda a extensão dos problemas dos pais senão para circunscrever a própria dificuldade em relação a qualquer mulher que transformasse em esposa.

Aí se concentrou na percepção de como se estruturava a personalidade de Glorinha. A acreditar nela, vinha de antemão decidida a compreendê-lo e a perdoá-lo, considerando que o afeto que não contivesse tais virtudes não mereceria ser correspondido.

Aos poucos, foi configurando uma visão idealizada da mocinha, não a partir de tantos momentos em que tiveram contatos pessoais, mas do que vira através do vídeo no único programa a que assistira. Adormeceu com essa impressão de impotência, contudo, não teve nenhum pesadelo. Ao contrário, sonhou que se encontrava com os familiares falecidos, desejoso de conversar a respeito daqueles temas sutis de suas meditações. Queria estar com todos, mas foi-lhe impossível divisar o pai, muito embora estivesse entre os presentes alguém que o censurava gravemente, ele reduzido aos cinco anos de idade, choroso e magoado. No entanto, via-se pequeno, um “alter ego” que não lhe transmitia o sofrimento que demonstrava. Era como se fosse um filme de uma cena conhecida segundo outra perspectiva.

Acordou decidido a resolver de vez todos os problemas, acontecesse o que acontecesse.

Ligou para o apartamento e combinou com Margarida um encontro com Glorinha no hospital. Ela que comparecesse às onze horas.

Ligou também para Moacir e avisou-o de que estava retornando, devendo chegar por volta das dez horas.

Solicitou ao tio uma entrevista imediata, pois desejava levantar com ele os problemas afetos à herança.

Deixou instruções ao porteiro para que recebesse os móveis e, às oito horas, deixou o prédio, tomando o rumo da delegacia de polícia. Queria entender-se com Macedo.

O homem põe e Deus dispõe. Macedo não estava. Sem perder o elã, deixou-lhe um recado, pedindo-lhe que entrasse em contato através do telefone celular.

Estava na condução a caminho do escritório do tio, quando vibrou o aparelho. Era Glorinha.

— Meu bem, por onde você andou? Você deixou todo o mundo preocupado.

— Eu estava precisando conversar comigo mesmo. Não pense no pior. Você vai ao encontro no hospital?

— Vou a qualquer lugar em que você esteja.

— Sabe onde fica o escritório de meu tio?

— Claro que sei.

— Estou indo para lá. Se você preferir, a gente se encontra lá.

— Estou de saída. Um beijo, amor!

A saudação pegou-o desprevenido. Não soube responder senão com um simples:

— Outro para você.

E desligou.

Ainda no ônibus, teve oportunidade de criticar-se quanto à falta de espontaneidade das respostas afetivas, com o coração dividido entre a felicidade de ser amado e a angústia das revelações obrigatórias.

Finalmente, já chegando ao destino, concluiu:

“Eu fiz.; tenho de assumir a responsabilidade. Não tem outro jeito.”

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