– Anderson, o que você fez não pode ser simplesmente perdoado. Esta não seria a primeira nem a última vez em que esta administração relevaria seus atos de vandalismo. Não adianta tentar interpor a sua fraca argumentação, empregados do seu nível estão chovendo no mercado. Tenho uma gaveta abarrotada de currículos exatamente iguais ao seu.
– Mas, seu Onofre, eu já sei o serviço e...
– As tarefas que você executa são de um grau de dificuldade mínimo, e isso sem contar o tempo que levou até que apresentasse resultados compatíveis com o salário que recebe.
– Meu pai já está sabendo dessa sua perseguição, basta uma ligação minha e é a sua cabeça que fica em risco.
– Eu já imaginava que você iria utilizar o nome do Sr. Andrade para me convencer, então lhe fiz uma consulta prévia – escrita, claro – cuja resposta está nesta cópia, tenha a bondade de ler.
É. O caso estava perdido, sabia bem o que o pai pensava dele e ainda tinha fresca na memória a única exigência do pai para trabalhar na firma: não depender do pai para permanecer. Anderson levantou, derrubou a cadeira em que estava sentado e fez questão de bater a porta atrás de si, chamando o máximo de atenção possível para o pronunciamento que fez à secretária:
– Pedi demissão! Não suporto mais ficar preso nestas paredes, tendo como chefe um capacho feito esse Onofre! Eu vou embora dessa joça! Não volto mais nem que meu pai implore de joelhos! Não preciso disso!
Tomou o elevador lotado e continuou resmungando, para se certificar que as pessoas saberiam o motivo de sua saída “é! isso aí! um homem tem que respeitar seus princípios, ou não é um homem!”.
Anderson entrou no carro e pegou a direção oposta à sua casa, sem rumo certo, até parar num botequim sujo e pedir uma branquinha. Ligou a cobrar para casa da mãe, o celular não tinha mais créditos.
– Mãe, aquele velho filho de uma égua me demitiu! (...) É mãe, tô no olho da rua (...) Tô lascado, mainha, lascado (...) E o que eu faço para pagar o aluguel, agora? (...) Não, dinheiro da senhora não posso aceitar, o que é isso?! Eu, um homem barbado sendo sustentado pela mãe??? (...) É, eu sei que seria dinheiro da firma por tabela, mas não está certo (...) E as suas coisas, seus perfumes? Gosto da minha mainha perfumada e chique nas reuniões sociais, arrastando o seu Andrade (...) Só por uns tempos? (...) Até eu achar outra coisa melhor? (...) Puxa vida, mãe, eu fico muito sem graça. Mas, eu tô precisando muito, vou ter mesmo que aceitar (...) Mas eu devolvo depois, tá? Fica como empréstimo (...) Como eu faço para pegar? Eu não quero ir aí não, por que o Seu Andrade vai ficar sabendo (...) Ah! Mainha... A senhora faz isso??? A senhora transfere para minha conta??? E quanto é que a senhora vai pôr, mãe? (...) Ah! acho que dá, sei lá... Tudo está pela hora da morte, a senhora sabe (...) É mãe, põe o tanto que a senhora quiser. (...) Isso, assim fica bom. Muito obrigado mainha, a senhora é uma santa. (...) Sua bênção, mainha.
Anderson pagou o gole, passou no banco eletrônico, sacou a grana, encheu o tanque do carro e telefonou – agora tinha créditos:
– Maristela? Passa lá em casa, faz minha mala e a sua que eu te pego daqui a uma hora, pra gente descer a serra.