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Artigos-->O saudosismo e a poesia de Teixeira de Pascoaes -- 10/06/2002 - 15:37 (charles odevan xavier) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos




O SAUDOSISMO E A POESIA DE TEIXEIRA DE PASCOAES.

Charles Odevan Xavier



SAUDOSISMO

Movimento literário, essencialmente poético, inserido na atividade da sociedade portuense Renascença Portuguesa, fundada por Jaime Cortesão, Álvaro Pinto, Teixeira de Pascoaes e Leonardo Coimbra, a qual teve como veículo de difusão a revista A Águia.

O Saudosismo, strictu senso, é uma atitude perante a vida que, segundo Pascoaes e muitos outros, constitui feição típica da literatura portuguesa, tanto erudita como popular, logo traço definidor da <>. Pascoaes atribui à saudade amplas dimensões e profunda significação, chegando a vê-la como um princípio formador do ressurgimento pátrio. A atmosfera mental portuguesa estava impregnada do idealismo e do nacionalismo tradicionalista que se haviam desenhado na última década do séc. XIX. O propósito da <> foi o de congregar espíritos animados do desejo de, agindo no plano das artes, promover a reconstrução do país, minado pelas dissenções políticas que a instituição da República não viera sanar.

Pascoaes vê a pátria do seguinte modo: <<É preciso, portanto, chamar a nossa Raça desperta à sua própria realidade essencial, ao sentido da sua própria vida, para que ela saiba quem é e o que deseja. E então poderá realizar a sua obra de perfeição social, de amor e de justiça, e poderá gritar entre os povos: Renasci!>>. Jacinto do Prado Coelho percebe nessa e em outras afirmações, que Pascoaes preconiza um Portugal agrário, uma organização municipalista e uma igreja independente. Mais tarde, os outros colaboradores de A Águia (Antonio Sergio e Raul Proença) discordarão de Pascoaes pelo tom xenófobo, provinciano, passadista, ilógico, utópico do seu ufanismo lusitano, segundo eles, incompatível com o moderno espírito europeu. E ainda por discordarem de Teixeira Pascoaes pelo seu desprezo ao progresso técnico, pelo ato de subestimar a interferência dos fatores econômicos nos rumos dos país, pelo seu temperamento fantasista, impulsivo, inconsistente, farão a primeira dissidência que terá como órgão a revista Seara Nova.

Em termos literários, nas colunas de A Águia os poetas definem-se por um neo-romantismo espiritualista e lusitanizante que se compraz em evocar tradições e em cantar a terra portuguesa. São poetas intuitivos, expansivos, exclamativos, inclinados à oratória; oscilam entre o historicismo e o popularismo; dos românticos e simbolistas herdam o gosto da paisagem crepuscular e outoniça, confundida com estados da alma saudosos. Exprimem uma religiosidade vagamente panteísta através da visão animista da Natureza. Presença de bucolismo, folclorismo, certo alor sentimental.

À MINHA MUSA

Senhora da manhã vitoriosa

E também do crepúsculo vencido.

Ó senhora da noite misteriosa,

Por quem ando, nas trevas, confundido.



Perfil de Luz! Imagem religiosa!

Ó dor e amor! Ó sol e luar dorido!

Corpo, que é alma escrava e dolorosa,

Alma, que é corpo livre e redimido.



Mulher perfeita em sonho e realidade.

Aparição divina da Saudade...

Ó Eva, toda flor e deslumbrada!



Casamento da lágrima e do riso;

O céu e a terra, o inferno e o paraíso,

Beijo rezado e oração beijada.



À Minha Musa é uma dedicatória em forma de soneto, do longo poema Senhora da Noite, a uma amada que o autor não ousa revelar o nome.

Este poema foi construído, quase que totalmente, por paradoxos e antíteses. No começo, o poeta já revela que o seu referente ( a amada anônima) é simultaneamente a senhora da manhã vitoriosa e do crepúsculo vencido, ou seja, a amada é dia e noite ao mesmo tempo: um absurdo em termos de signo lingüístico subordinado a lógica, mas plenamente admissível em se tratando da linguagem poética dos apaixonados.

Na 2ª estrofe, o poeta através de um jogo de palavras que revela a sua tendência singular de desmaterializar o real e materializar o espiritual, faz atribuições conflitantes a amada, pois ela é perfil de luz (como se a luz se corporificasse), imagem religiosa(um clichê simbolista) e, ao mesmo tempo, dor e amor, sol e lua, corpo (que é alma) e alma (que é corpo).

Na 3ª estrofe, o poeta funde o sagrado e o profano ao falar que a mulher é, ao mesmo tempo, aparição divina e Eva (um arquétipo do erótico, da tentação diabólica, da queda, do proibido).

Na 4ª estrofe, a amada é fonte de pranto e alegria. O antagonismo persiste porque a amada é celeste e telúrica, o inferno (o sensual) e o paraíso ( a sublimação). E por isso, ela é o beijo rezado e oração beijada.

I

MARÂNUS E ELEONOR

Marânus era o ser que divagava,

Consigo, pelo mundo solitário.

A sua própria alma o alimentava

E dava-lhe a beber das suas lágrimas.



Empecera-lhe a noite. E, desde então,

Rodeado de espantos e de assombros,

Vive numa perpétua inquietação.

Falho de ânimo e pobre de esperança,

Apenas o salvou da negra morte

Esta misteriosa simpatia,

Que, semelhante à tua lira, Orfeu,

As feras enternece e a luz do dia!

Atrai as selvas virgens que murmuram,

Os inertes penedos taciturnos

E as estrelas do céu que nos procuram,

Com seus olhos de eterna claridade.



Por isso, ele ia andando, neste doce

Enlevo da paisagem, neste encanto,

Que paira, magoado sobre as coisas,

Onde, em silêncio, jaz divino canto...



Nos princípios do outono, quando as nuvens

Aparecem nos montes revestidos

De folhinhas doiradas, e, nos vales,

Há frios tons de cinza, humedecidos,

Chegou já tarde, a um sítio, com pinheiros,

Fragas cheias de musgo, tojo bravo,

Que domina dois íngremes outeiros,

Um rio, verdes campos e a montanha.



Ali, parou Marânus. Do infinito,

Uma infinita lágrima descia

E lhe tomava o coração aflito

E perturbado de íntimos receios,

Quando viu, perto dele, uma Figura

Desenhar-se, no escuro do arvoredo,

Em diluídas formas e apagados

Contornos de esplendor e de segredo.



E, atônito e surpreso, olhava, olhava

Aquela milagrosa aparição,

Que, em brumas transcendentes, disfarçava

Seu angélico rosto de mulher.



A lua, que era nova e ia espargindo

Um luminoso e vago encantamento

Nas ermas coisas lívidas, sorrindo,

Mostrou-se, dentre as nuvens, que se abriram.

E Marânus, ao vê-la, mais perfeita,

Banhada em luz, lhe disse, de repente:



“Quem és tu? De onde vens? Não te conheço!

És da terra e da vida? Ou simplesmente

Ilusório fantasma da beleza?

Destas sombras que surgem, ao luar

E a superfície vã da natureza?

Sentimentos aéreos, flutuantes,

Do coração da noite, esparso e oculto?”





No excerto selecionado de Marânus e Eleonor, Marânus é um ser solitário, um eremita por opção, posto que a sua própria alma o alimenta e bebe da própria lágrima, o qual tem como companhia os próprios sentimentos, divagações e tormentos. É um homem inquieto ( “perturbado de íntimos receios”), sem entusiasmo (“falho de ânimo e pobre de esperança”) e temeroso ( “rodeado de espantos e assombros”) mas que consegue distrair-se de suas obsessões através da contemplação à natureza (“por isso, ele ia andando, neste doce enlevo da paisagem”).

Conseguimos perceber o animismo personificante, de que fala Jacinto Prado Coelho, em construções como: “as feras enternece”, “as selvas virgens que murmuram”, “os inertes penedos taciturnos”, “a lua ia espargindo um luminoso e vago encantamento”. O panteísmo encontramos quando o poeta diz que paira um encanto sobre as coisas da natureza e sob elas, silenciosamente, um divino canto. Na construção: “as estrelas do céu que nos procuram, / Com seus olhos de eterna claridade.” contempla intertextualmente o que Cruz e Sousa disse em Só!: “Muito embora as estrelas do Infinito/ Lá de cima me acenem carinhosas / E desça das esferas luminosas / A doce graça de um clarão bendito...”. A associação com o simbolista Cruz e Sousa não é fortuita. O problema é que o Simbolismo de Pascoaes é muito sutil, pois nega o léxico macabro e decadentista, mas conserva uma atmosfera melancólica (“Uma infinita lágrima descia/ E lhe tomava o coração aflito” ou “frios tons de cinza” ou “nas ermas coisas lívidas”), assim como, o léxico diáfano, vago, algo religioso ou místico – “diluídas formas”, “apagados contornos de esplendor”. “milagrosa aparição”, “brumas transcendentes”, “angélico rosto de mulher”, “luminoso e vago encantamento”, “banhada em luz”, “ilusório fantasma de beleza”, “sentimentos aéreos, flutuantes” – de uma inegável coloração simbolista.



Charles Odevan Xavier

Abril de 1999.



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