ROSA DE HIROSHIMA
Pensem nas crianças
Mudas telepáticas
Pensem nas meninas
Cegas inexatas
Pensem nas mulheres
Rotas alteradas
Pensem nas feridas
Como rosas cálidas
Mas oh não se esqueçam
Da rosa da rosa
Da rosa de Hiroshima
A rosa hereditária
A rosa radioativa
Estúpida e inválida
A rosa com cirrose
A anti-rosa atômica
Sem cor sem perfume
Sem rosa sem nada
Vinícius de Morais
1. O poema tem como tema a bomba atômica lançada sobre Hiroshima, no Japão, na Segunda Guerra Mundial. Na 2ª parte do poema, o eu-lírico refere-se, de modo conotativo, à bomba como uma rosa.
a) por que, na sua opinião, ele usou essa comparação?
Essa “tarefa” escolar foi dada a uma criança de 10 anos, da sexta série de um colégio particular. A mãe da criança considerou um absurdo, tendo em vista que sua filha, pela idade e série que cursa, ainda não estudou a segunda guerra mundial e não sabe nem o que é cirrose ou uma anti-rosa atômica, dente outros desconhecimentos típicos da idade que a impedem de interpretar com segurança o poema de Vinícius.
A mãe, aflita, solicitou que eu interpretasse o texto, tarefa que compartilho com os escritores do Usina, a fim de dar uma mãozinha às outras mães cujos filhos tenham que conviver com professores tão exigentes...
Eu creio que Vinícius comparou a bomba atômica a uma rosa deliberadamente para contrastar as características desta com as terríveis conseqüências daquela. Claro que não apenas no sentido material, direto, como também no relativo ao conflito entre a beleza e a catástrofe, a vida e a morte, a harmonia e o caos.
A rosa é um dos símbolos perfeitos do amor, da alegria, da vida, enfim. É nela que os românticos vislumbram a essência do sentimento que envolve os corações apaixonados, com sua delicadeza, formosura e odor agradável. Não somente o amor romântico, contudo, serve-se das rosas como manifestação suprema. Em qualquer ocasião quando alguém deseja homenagear outrem, declarando sua importância, as rosas estão presentes. Já dizia um velho ditado chinês que ”sempre resta um pouco de perfume nas mãos de quem oferta rosas.” Mesmo as rosas fúnebres querem dizer que aquele ser que partiu era importante, querido, amado.
A rosa de Hiroshima, por sua vez, a rosa formada pela nuvem atômica, é uma anti-rosa exatamente porque personifica a morte, a estupidez humana, a declaração de como a humanidade pode encontrar o caos por conta dos desatinos de quem governa o mundo. É uma rosa hereditária não apenas porque a cirrose, o câncer, os terríveis efeitos colaterais da radioatividade irão marcar as gerações futuras daquelas pessoas que foram atingidos por ela, como também a ferida na alma da humanidade não irá jamais ser curada; a partir daquela explosão foi decretado simbolicamente o fim da raça humana, potencialmente o fim do mundo está anunciado, restando somente saber em que dia novas rosas atômicas se levantarão no horizonte e sejamos alcançados por sua mórbida beleza e letal perfume...
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