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Humor-->A Farsa da Pistoleira e do Falso Milionário -- 16/01/2003 - 00:25 (Jactâncio Futrica) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos

A Farsa da Pistoleira e do Falso Milionário

( Pra quem já se cansou
de piada de português )


Em fevereiro de 2000, nos EUA, uma gafe antológica cobriu de ridículo um dos pilares do american way of life: a indústria do entretenimento. Americanófobos e gozadores de todo o planeta quase tiveram um orgasmo!

A Fox TV, cujo campeão de audiência no momento era “Os Acidentes Mais Brutais!”, planejava emplacar um novo sucesso, no qual apostou todas as suas fichas e as dos outros. A fórmula era perfeita: sexo, fama e dinheiro fácil. Com o inacreditável nome de “Quem Quer Se Casar com um Multimilionário?”, o novo game-show estreiava em clima de triunfo. A emissora não disfarçava a expectativa; haveria de ser o maior fenômeno de audiência na história da TV: uma espécie de gincana do amor, onde cinquenta candidatas, de 19 a 40 anos, disputariam o coração de um milionário misterioso. No desfecho do show, após a ‘finalíssima’, a fêmea vitoriosa e o ricaço em questão trocariam alianças... e jurariam fidelidade eterna perante Deus, o sacerdote e mais alguns milhões de telespectadores.

Os EUA mais uma vez provavam estar na vanguarda da humanidade. Depois de outras grandes conquistas da tecnologia, como as sopas instantâneas, cabelos instantâneos e bundas instantâneas, as mulheres norte-americanas já podiam contar com o novo, revolucionário, prático e funcional ‘maridinho instantâneo’ _ elaborado segundo as rígidas normas técnicas americanas, e qualificado com o perfil mais adequado a uma moça decente: o consumado babacão! _ carente e endinheirado. E lindíssimo, com certeza, mesmo que tivesse o rosto desfigurado e babasse (pois se o silêncio embeleza todas as mulheres, uma batelada de dinheiro faz qualquer cabeça-de-bagre adquirir um charme sutil e irresistível).

As candidatas do programa, selecionadas entre 3000 mil pretendentes, desfilariam de biquini e responderiam a diversos tipos de perguntas. O baludo, atrás dum biombo, ficaria oculto aos olhos das meninas; e os telespectadores, por sua vez, o veriam apenas pelas costas. Ele também seria interrogado; aquela conversinha mole de sempre: “Você perdoaria sua esposa se ela chegasse em casa com esperma nos cabelos?”, “Qual o grau de importância do sexo na vida de um casal, numa escala de 1 a 10?”, “O que consideras ser uma noite de sexta-feira especial?” etc. Ao longo de várias etapas eliminatórias, as mais desengonçadas seriam progressivamente descartadas pelo milionário, até que restassem somente quatro. Os marmanjos do país inteiro boquiabertos ante o exasperante espetáculo: quatro tesudas _ uma mais linda que a outra _ fazendo de tudo pra seduzir um réles filho-da-puta endinheirado. E a torcida feminina se descabelando pela candidata mais simpática... Enfim, o grande momento: “A grande vencedora é...” Agora sim, o saboroso capitalista emerge das sombras e adentra o palco, sorrindo, para tomar posse de sua nova aquisição.

Rick Rockwell era o nome do felizardo que protagonizou o primeiro (e último) programa da série. Tinha 42 anos. E a cinderela vitoriosa era uma tal Darva Conger, ex-Miss América e enfermeira veterana da Guerra do Golfo, 34 anos. Em frente às câmeras eles trocaram juras de amor e se casaram, ao vivo _ ele, num terno Pierre Cardin; ela, de véu e grinalda, com direito a padrinhos, música, arranjos de flores e demais aparatos, tendo como cenário o Hilton de Las Vegas. Em seguida, partiram num cruzeiro rumo ao Caribe, em lua-de-mel _ tudo por conta da emissora.
(* no contrato de casamento havia as devidas salvaguardas contra futuros problemas em caso de separação)

O programa, que tinha iniciado com uma audiência de 10 milhões de espectadores na primeira meia hora, subiu pra 23 milhões na meia hora final, num total de duas horas de transmissão. A Fox estava fazendo História! _ não só no terreno empresarial, mas também no terreno dos usos & costumes, sacralizando um tipo de amor jamais assumido abertamente até então: a paixão pragmática. Dinheiro e beleza unindo-se matrimonialmente, sem mais nove horas. O útil e o agradável. Naturalmente que eles não iam escrachar logo de cara, descartando fria e secamente o ideal romântico da união macho-fêmea: uma tênue aura de pureza ainda se fazia necessária. Mike Darnell, criador da ‘série’, afirmou crer no amor inocente. “Não envolve dinheiro. É pura paixão!”, explicou o meiguinho.

No entanto, o conto de fadas azedou já na lua-de-mel. Darva abandonou seu príncipe no nono dia do passeio, onde não chegou a haver noite de núpcias. Anunciou que iria pedir a anulação do casamento, alegando incompatibilidade de gênios. Disse que não queria o atual marido nem como amigo, mas não recusou o prêmio de US$ 100 mil, mais um anel de brilhantes e uma pick-up.

Ela tinha lá as suas razões! Rick Rockwell não passava de um peralta, um arrivista, um farsante... Munido exclusivamente com uma imensa cara-de-pau, ele ousou cobiçar este galardão que é prerrogativa exclusiva de autênticos milionários: o coração de uma idiotinha sonsa. Sim, ele era um fodido! Um lobisomem! Não passava de um comediante canastrão que vivia de pontas em comédias vulgares _ a mais famosa delas, “O Ataque dos Tomates Assassinos”. Se virava também como palestrante na área de motivação e táticas psicológicas do sucesso (ou seja, comediante duas vezes). Até que um dia ele conseguiu o grande papel de sua vida: um pobre solteirão rico em busca do verdadeiro amor. Enfim, um franco-atirador em busca de grana e publicidade.

Imagino que ele tenha tomado um porre no meio da viagem de núpcias e tido um ataque de riso, e falado demais. Aí a coisa mixou. Outra hipótese: Darva, tarimbadíssima, devia estar se desmanchando de amor... os olhos a resplandecer, fustigados por opulentas miragens de jóias, vestidos divinais etc. Envolvido por tantos olhare$, carícia$ e palavra$ doce$, Rick talvez tenha se convencido de que eram seus lábios, seus olhos, seu belo interior os motivos daquela deliciosa sentimentalidade. Daí a abrir o jogo seria um passo. Pode ter sido isto. Só uma coisa é certa: ele não teve nem mesmo a honra de desvirginar a moça. Deve ter sido duro! Mesmo que nada restasse daquela aventura, já seria uma grande coisa poder se gabar de ter ganhado uma viagem de graça e socado a piroca numa ex-Miss América. Mas nem isso! Ao desembarcar sozinho, de volta da lua-de-mel, impávido e risonho, Rockwell ainda tentou manter as aparências frente aos repórteres, saindo-se com evasivas: "Darva é uma grande garota!"... "Ninguém sabe o dia de amanhã, nem os caminhos do coração de um homem, mas posso afirmar que ela é uma ótima pessoa..."

Mas ainda haviam outras más notícias. Enquanto o casal curtia sua lua-de-fel, sites especializados em mídia e entretenimento começaram a divulgar fofocas sobre o passado de Rick. Pesava sobre ele um processo arquivado na justiça, movido por uma ex-namorada a quem costumava espancar. A informação foi levantada pelo Smoking Gun, através de cópias de documentos da Suprema Corte de Los Angeles. “Diversas vezes fui agredida com tapas e socos na cara.”, relatava a moça, pedindo a detenção do bruto. “Recentemente ele disse que me acharia e me mataria.” E o ruim da merda é que respinga!.. Pesava ainda sobre Rick, questionamentos quanto a sua pretensa fortuna. Ele forjara grande parte de seu currículo e, como legítimo humorista, havia se excedido em bravatas e historietas megalomaníacas.

Constatou-se que ele vivia numa casa modesta e que não havia evidências em sua vida de nenhuma atividade que pudesse lhe render fortuna. A Fox, que o apresentava como investidor imobiliário, garantiu que ele tinha “papéis” no valor de U$ 2 milhões (750 mil líquidos). Mas o azar insistia em persegui-lo: movidas pelo conhecido espírito patriótico norte-americano, algumas ex-namoradas começaram a dar as caras. Como dizia o outro: "Quando o sujeito tá com a corda no pescoço, todo mundo quer puxar a ponta" _ quando mais nos EUA, onde a autopromoção é uma tara nacional. Uma das ex-girlfriends disse que tinha mantido um caso com o comediante durante quatro meses no último ano e afirmou que o cara era até legalzinho, mas também um consumado pão-duro, sem jamais ter mostrado qualquer sinal de riqueza. “Nunca me levou pra jantar em lugares bacanas. Só saíamos quando ele conseguia um bilhete de entrada franca em algum lugar ordinário.” “A única vez em que o vi com dinheiro no bolso foi quando ele participou daquele concurso de piadas.” De fato, descobriu-se que ele havia participado dum concurso, onde ganhava o concorrente que conseguisse ficar de pé por 30 horas seguidas, contando piadas sem parar.

A histeria das feministas e de parte da crítica só faziam aumentar a curiosidade do público. O The New York Times publicou um editorial dizendo que oferecer dinheiro por sexo era prostituição. Darva foi chamada de puta, mercenária e de mais outras coisas divertidas nos programas de humor noturnos. Entretanto, o que causou escândalo não foi tanto a farsa, nem a amoralidade da coisa, mas o vazamento do processo contra Rockwell. Ele foi eleito a bola da vez...

O segundo programa deveria ir ao ar na outra semana, com um novo elenco (quem sabe, um autêntico caipira rico, disposto a ser vigarizado por uma beldade, linda o suficiente pra justificar a presepada). Mas a série gorou por ali mesmo; até mesmo a reprise foi cancelada. “Melhores Momentos”, nem pensar.

Vários sites exibiam cópias dos depoimentos de Debbie Goyne, a ex-namorada brutalizada, onde ela pedia proteção policial e contenção do maníaco. “Sempre que tentava desmanchar o namoro, ele se tornava violento.” Por duas vezes ele teria invadido sua casa; numa delas, barbarizado seu carro. “Ele tem o estopim curto, e não hesita em destruir qualquer coisa que atravesse seu caminho.” Detalhes mais íntimos também vieram à tona: “Muitas vezes, durante o sexo, ele se tornava física e verbalmente abusivo!”... Referindo-se às costumeiras seções de porrada, ela acrescentou: “Como sou modelo profissional e tenho que contar com minha aparência pra ganhar a vida, penso que ele queria arruinar meu rosto para impedir que eu tivesse uma fonte de renda.” Numa audiência subseqüente, um juiz da Califórnia expediu uma ordem de proteção de seis meses, determinando que Rick guardasse uma distância mínima de 100 jardas de seu saco de pancadas predileto. Ficava impedido também de assediá-la ou contactá-la por qualquer meio, nem mesmo por mímica _ principalmente aquela: tapinha no ombro... pausa... mão direita fechada, cara adentro.

Essas novas revelações levantavam questões que não haviam sido devidamente averiguadas (sic!) pela Fox _ que teria investigado por 5 semanas a vida do suposto milionário, antes de confirmá-lo como o personagem central do show de estréia.

Os executivos da emissora caíram das nuvens: os números do negócio eram fabulosos! Até poucos dias atrás, eles juravam que aquele programa seria a maior sacada desde a invenção da TV. Mas entortaram o chifre. Como puderam ser tão negligentes em detalhes cruciais dum projeto tão grandioso, tão ostensivamente divulgado, e que contou com pesados investimentos dos patrocinadores? Expuseram a empresa a um bombardeio de criticas, ironias, e contribuiram pro desprestígio do rentável filão de programas apelativos.

Os espasmos morais da plebe, a histeria, os julgamentos de valor... tudo se evaporou em poucas semanas, e no final das contas restou apenas a notoriedade. E Rick não perdeu tempo! No mês seguinte, março de 2000, ele retornava à cena, triunfalmente _ desta vez, dentro do grande circuito do showbuzz, com a peça "Leve Minha Esposa, Por Favor”. O subtítulo era: “Como Ganhar Publicidade de Graça". Sua turnê ("The Annulment Tour") incluia Chicago, Miami, San Diego e Washington, pelo menos de início.

Show de estréia em Phoenix, com ingressos esgotados. Fora do teatro, uma multidão de novas pretendentes se espremia, acenando com cartazes. "I d Marry You, Rick!" "Will Cook for a Millionaire!"... Equipes de reportagem de dezenas de emissoras disputam a cobertura do grande evento. Apesar da fama de mau comediante, namorado brucutu e celebridade de tablóide, todos querem conferir... Mais mediocridade é esperada, mas a atração é irresistível: aquele casamento estava entalado na goela de toda a nação; todos querem saber mais... e o assunto ainda tinha muito o que render! O que Rick vai falar de Darva? _ afinal, na última semana ela o retratara como um “vigarista barato”. Com certeza, ele também tem muito o que falar. O espírito de justiça e o de fofoca se dão as mãos na fila de entrada.

Abertura do espetáculo. Ele adentra o palco, cinicamente constrangido. Mantém o silêncio por cerca de 1 minuto, simulando embaraço. Clima ‘pesado’... De repente, espouca no ar uma música flamejante, cheia de alto-astral, e a cena se transforma. Um facho de luz acompanha Rick, desdobrando-se num sapateado à la Gene Kelly, enquanto emenda uma paródia de Singing in the Rain: "Can t you seeee, can t you seeeee, what Darva s done to meeeee..."

A gozação começa. Como bom cara de pau, ele se mostrou muito à vontade em cena, ora gabando-se de ter enganado a todos, ora alfinetando a ex-esposa, ou discorrendo sobre a nobre arte da autopromoção, sempre em tom de farsa. "Eu espero que Darva realmente pose pra Playboy. Um homem deve ver sua esposa nua pelo menos uma vez na vida!" ... Numa das raras vezes em que não está tentando ser agradável, ele diz: "Todo mundo na TV tá tirando sarro com a minha cara... Que se fodam, esses canalhas!" Mas o show não mostrou a ousadia e a irreverência que se esperava. Rockwell foi convencional demais em vista do material que tinha em mãos. Pra surpresa da crítica, o público adorou! "Rick rocks!!!", exultava uma loiraça. "I d marry him!", gritava outra. "Definitely!"

Alguns críticos, além de acharem medíocre, pegaram pesado no tom moralista. Um moço ilibado, num artigo, “Rick Rockwell: You Suck!”, no Bully Magazine, se referiu a ele como “o infame humorista”. “Mesmo que fosse de fato um milionário e pudesse comprar carros, mansões, iates _ inclusive uma esposa _, há algo que ele jamais poderia comprar: talento.” “Rick, you’re a loser!” Referindo-se a um show de 45 minutos numa casa noturna em Long Island, o crítico ironizou: “Ele parecia realmente bravo com a tal mídia marrom. No meio de um set ele começou a se alterar: ‘São todos um bando de merdas!’” E destacou uma alegação patética do comediante: “Como a mídia disse que Darva desistiu de tudo por causa do mau-hálito de Rick, ele desabafou: ‘Eu tenho novidades pra vocês! Quando o meu livro sair, vocês vão ficar sabendo do que fizemos nas primeiras 24 horas. Tenho testemunhas que nos viram no aeroporto de Los Angeles e presenciaram Darva acariciando meu braço! Agora me digam, quem tem nojo de quem?!!’ (...) Mas ele realmente chegou ao fim da picada, quando sacou um monte de emails e pôs-se a repassá-los por 15 minutos. Eram emails de mulheres que queriam se casar com ele e de pessoas que o apoiaram durante a provação que passou com o bombardeio da crítica. Somente pra efeito cômico, ele temperou sua leitura com algumas cartas raivosas. (...) Falava sobre um e outro assunto, mas cedo ou tarde recaía em seu alvo predileto, Darva Conger. Parecia obcecado por ela, achando sempre novos meios de arrastar seu nome na lama. A certa altura ele exclamou: ‘Darva tem a Playboy, mas eu tenho vocês, rapaziada!’ (...) Ele canta mal, e a comédia é tão ruim que em certos momentos as pessoas se desinteressavam e começavam a conversar entre si. Foi então que ele apelou de vez: ‘Sejam legais! Vocês por acaso sabem o que eu tenho passado?!!’” A partir daí, o crítico inflexível começa a se exceder na virulência (ele não entendeu o verdadeiro espírito da coisa: a grande comédia performática da vida real). As trapalhadas do picaresco e canastrão Rick Rockwell fazem dele um ‘cult’!

Darva, por seu lado, também ia dando as suas cacetadas, arranjando um jeito de faturar a sua cota. Ela, que dizia querer de volta sua privacidade, semanas depois do incidente acertou um ‘trabalhinho’ com a Playboy. “Quero minha vida de volta!”, “Não ligo pra dinheiro!” etc. Se dizia inconsolável por ter perdido seu emprego de enfermeira numa UTI! Imagine como Hugh Hefner teve que implorar pra que a gata borralheira largasse a melancolia de lado e desse essa palhinha pros punheteiros da América. A mídia levou meses pra descobrir o valor do cachê: U$ 1 milhão!

A tal edição da Playboy saiu, se não me engano, em agosto daquele ano. A essa altura, Darva já se encontrava chafurdada numa nova crise existencial. Ela, que antes se dizia arrependida da estupidez do telecasamento, agora se dizia em conflito com Deus, por causa das fotos na revista. Mas afirmava crer no perdão do Altíssimo.

Um juiz de Las Vegas concedeu a anulaçao do casamento em abril. E os dois foram famosos para sempre.

Te devemos esta, Rick!!


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