Usina de Letras
Usina de Letras
33 usuários online

Autor Titulo Nos textos

 

Artigos ( 62332 )

Cartas ( 21334)

Contos (13268)

Cordel (10451)

Cronicas (22543)

Discursos (3239)

Ensaios - (10406)

Erótico (13576)

Frases (50712)

Humor (20055)

Infantil (5474)

Infanto Juvenil (4794)

Letras de Música (5465)

Peça de Teatro (1376)

Poesias (140847)

Redação (3313)

Roteiro de Filme ou Novela (1064)

Teses / Monologos (2435)

Textos Jurídicos (1961)

Textos Religiosos/Sermões (6221)

LEGENDAS

( * )- Texto com Registro de Direito Autoral )

( ! )- Texto com Comentários

 

Nota Legal

Fale Conosco

 



Aguarde carregando ...
Erotico-->27. MANHÃ ATRIBULADA -- 25/04/2003 - 06:41 (wladimir olivier) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos

Juvenal, tendo saído de casa atrasado, acabou perdendo o ônibus. Viu-se obrigado a tomar um “lotação”, onde doze passageiros se apertavam, cada qual absorto em seus pensamentos, sob a desconfiança, talvez, de que as pessoas ali poderiam oferecer perigo.

De fato, ao descer do veículo, estando no meio do banco, o jovem sentiu que enfiavam a mão em seu bolso. Num repente de raiva, agarrou o sujeito pela gola e o arrastou até a calçada, fazendo-o sentir o volume da arma sob a camisa, dando-lhe toda a demonstração de que era do ramo.

O sujeito devolveu-lhe a carteira e com uma voz sumida pediu-lhe que o deixasse ir.

Antes de largá-lo, Juvenal sussurrou-lhe ao ouvido:

— Se eu te pegar de novo, acabo com a tua raça.

Assim que se viu livre, o larápio desapareceu correndo, ganhando Juvenal os aplausos dos que presenciaram sua rápida reação.

Como estavam diante da escadaria da escola, havia vários colegas, que se aproximaram, enaltecendo o ato de bravura.

Tal qual o malandro, Juvenal também procurou desaparecer das vistas dos circunstantes, mostrando o relógio, afirmando que estava atrasado. Na verdade, chegara até um pouco antes. Mas se infiltrou por entre os colegas e se dirigiu ao banheiro para se recompor.

Ali se formou uma rodinha de moços interessados em saber se ele não sentira medo e ainda se não se via ameaçado por alguma represália do ladrão.

Rindo, respondeu com total controle de si mesmo:

— Vocês estão lendo muito jornal sensacionalista. Esse moleque está agindo sozinho. Se tivesse um companheiro, eu não conseguiria pegá-lo. Ficou marcado pelo dono do “lotação”, de modo que irá procurar outro ponto. Depois, eu podia entregá-lo à polícia mas preferi deixá-lo solto. Estava garantindo que a mim ele não atacaria mais. Além de tudo, o “pivete” não tem mais que quinze ou dezesseis anos: é “de menor”. Recolhido hoje, dá um trabalho danado para a vítima, no caso eu, e amanhã vai estar na rua de novo, sem ter aprendido nada. Pelo menos, se for esperto, vai escolher melhor as pessoas para furtar.

Naquele instante soou a campainha e todos se endereçaram para suas classes, já admirando o colega, como faziam os amigos de infância lá do bairro.

No meio da primeira aula, recebeu um bilhete passado discretamente. Estava sendo convocado pelo diretor.

Precavido, suspeitou de que poderiam argüi-lo quanto a não ter chamado as autoridades policiais no caso do ladrãozinho. Também pensou que a própria polícia pudesse estar por trás de tal convocação. Sorrateiramente, retirou o coldre com a arma, embrulhando-o na blusa, levando o pacote assim formado para dentro da mochila.

Ao passar perto dos colegas com quem conversara no banheiro, entregou a um deles o material, pedindo-lhe, em voz baixa, que tomasse conta de suas coisas.

O professor notou a movimentação desusada e Juvenal aproximou-se do estrado, mostrando-lhe o bilhete que recebera.

O professor não perdeu a vaza:

— Vai, meu filho, confessar-se com o reitor.

Juvenal sorriu contrafeito mas, sem dar mostras disto, saiu acenando alegremente para a turma toda que se divertia.

Assim que se foi, os colegas contaram o que havia sucedido na rua e a fama do herói se estabeleceu.

O diretor esperava-o do lado de fora da sala, na companhia de dois bedéis, espécie de chefes de disciplina ou seguranças da instituição.

— Juvenal, infelizmente, precisei retirá-lo da aula para lhe dar uma notícia triste.

Ao mesmo tempo, punha-lhe a mão no ombro, precisando levantar o braço, pois o jovem era bem mais alto.

O diretor prosseguiu:

— Telefonaram de sua casa avisando que um dos cães atacou a empregada, ferindo-a seriamente. A polícia esteve lá e solicitou sua presença. Parece que os animais foram sacrificados.

— Posso ligar para meu tio?

— É claro!

Na sala da diretoria, Juvenal fez a ligação. Após três chamadas, José atendeu:

— Pronto!

— Tio? Juvenal! Você já está sabendo o que aconteceu lá em casa?

— O que aconteceu?

— Houve um problema com os cães. Coisa séria. A polícia está lá. Por certo, repórteres também. Eu não quero aparecer na televisão nem nos jornais. Nesses casos, o dono dos animais passa a ser um verdadeiro criminoso. Acho melhor o senhor ir na qualidade de meu advogado.

— Vou ver o que posso fazer.

Desfeita a ligação, Juvenal solicitou permissão para ir buscar o material, afiançando ao diretor que iria ver de longe o que estava acontecendo em casa, uma vez que a conversa com o tio fora testemunhada.

— Se você precisar de mim, pode estar certo de que atestarei sua dedicação aos estudos. Infelizmente, uma desgraça nunca vem sozinha.

Juvenal aceitou a mão que lhe era estendida, apertou-a, enquanto agradecia:

— Muito obrigado, professor. Muito obrigado.

Ao voltar para a sala de aula, chegou com o cenho carregado, demonstrando que algo muito grave havia ocorrido. Pediu licença, cochichou algo com o professor, foi pegar o material e retirou-se, fazendo um gesto agradecido pela solidariedade demonstrada pelos colegas, a um sinal do professor.

Quando se dirigia para a porta da frente, um dos bedéis se aproximou e confidenciou-lhe que havia uma viatura policial estacionada na frente da escola.

— Pode ser que tenham vindo pegá-lo. Venha comigo que eu o levo pela entrada dos funcionários, do outro lado.

Imaginou o rapaz que o informante talvez pertencesse à organização que o afastara do tráfico. Por isso, não opôs resistência, deixando-se conduzir em silêncio.

Realmente, a saída estava livre e ele pôde tomar um táxi que passava, pedindo para ir na direção oposta àquela em que estariam esperando por ele.

Sentado no banco de trás, acomodou a mochila entre os pés, retirou a blusa e escondeu a arma no vão debaixo do banco do motorista.

Havia dado seu endereço, mas solicitou ao taxista que o levasse ao centro, tendo como ponto de referência determinado cinema. Pensou em assistir a uma sessão, até poder ligar para o tio. Ao aproximar-se do local, trouxe de volta o coldre para a mochila, arrependendo-se da idéia de desfazer-se da arma de modo tão precipitado. Precisaria, lembrou-se, limpar as digitais. De qualquer modo, estava tranqüilo porque nunca havia atirado com a arma, nova e com o número de série raspado, produto de um furto em loja de armas. Tinha sido o amigo Armando quem lhe fornecera o revólver. Recordou-se do verdadeiro nome do assecla e julgou que o nome de guerra lhe fora bem ajustado.

Diante do cinema, verificou que era muito cedo para o início da primeira sessão. Ao lado, havia uma casa de jogos eletrônicos, também aguardando o momento de abrir. Dirigiu-se, então, a um bar com extenso balcão, onde vários fregueses tomavam seus desjejuns, sentados em tamboretes.

Buscou o fundo do salão e solicitou à prestativa garçonete que batesse iogurte com mamão e trouxesse um sanduíche. Logo recebeu o copo cheio, deixando a moça à disposição na vasilha do liqüidificador o resto que não coube no copo.

Juvenal tomou dois goles, pegou os petrechos que lhe foram servidos e foi sentar-se junto a uma mesinha lateral, onde pôde acomodar seus pertences. Preparava-se para permanecer um bom tempo ali, tanto que pegou as apostilhas e passou a estudar Biologia.

Cinco minutos depois recebeu o sanduíche, no qual não tocou.

Não se lembrou do que havia sucedido em sua casa até encontrar a descrição da anatomia dos animais. Foi quando se pegou perguntando:

“Será que os animais também possuem uma alma?”

A partir daí, desenvolveu uma série de hipóteses sem chegar a nenhuma que o agradasse, passando pela ausência absoluta de um espírito animal até chegar a comprometer os espíritos humanos em transmigrações, à maneira de alguns filmes em que os mortos voltavam, inclusive, em corpos de cães.

Entre estudar e meditar, passaram-se duas horas. Achou que Armando poderia encontrar-se com ele. Efetuou uma ligação do telefone público instalado no bar. Ninguém atendeu, por mais que pacientemente esperasse todas as chamadas, nas três vezes que ligou. Tentou um número de celular, mas o resultado não foi diferente, não se abrindo sequer a caixa postal.

“Devem ter cortado todas as minhas presilhas com o passado.”

Imaginou que deveria livrar-se da arma, antes voltar para casa, onde a polícia poderia “aprontar-lhe” alguma surpresa. Dirigiu-se ao banheiro do estabelecimento, fétido e acanhado, onde, espremido no cubículo da privada, limpou cuidadosamente a arma e o coldre, depositando debaixo dos papéis usados, no fundo da lata de lixo.

Imediatamente, saiu, mas, ao passar pelo balcão, a garçonete chamou-lhe a atenção:

— Moço, o senhor não quer que eu embrulhe o sanduíche para viagem?

Sem dizer palavra, dando apenas um sorriso magro de aprovação, enquanto a moça tomava as providências, Juvenal voltou à latrina e recolheu a arma. Não podia arriscar-se a ser reconhecido como dono do instrumento, esquecido de que o empregado da limpeza provavelmente esconderia o achado para lucrar com ele.

Naquela hora, o cinema já abrira para a sessão das dez.

Havia poucos espectadores. Antes de terminar o filme, Juvenal abandonou a sala de espetáculos, deixando, afinal, sob uma das cinco poltronas que ocupara sucessivamente, o objeto de suas preocupações.

Comentarios
O que você achou deste texto?     Nome:     Mail:    
Comente: 
Renove sua assinatura para ver os contadores de acesso - Clique Aqui