Para receber, em graça,
As bênçãos do Criador,
Só um caráter sem jaça,
Banhado de puro amor.
Mas se formos mais modestos
No ato de receber,
Basta que sejamos lestos
Nas artes do bem-querer.
Mesmo assim, por caridade,
Nada tendo a oferecer,
Bastará boa vontade,
P ro Senhor nos bendizer.
Pobres seres ignorantes
Que não têm nenhuma crença,
Estando de Deus distantes,
Recebem a sua "bença".
É que todos são seus filhos,
Independente das crenças:
Para acender os rastilhos,
Não existem diferenças.
Tendo dito essa verdade,
Não trouxemos novidade,
A não ser por serem versos.
Deus é pai de toda a gente:
Jamais é indiferente
Com os filhos mais perversos.
Explore-me, caro amigo,
Pode até brincar comigo,
Durante este treinamento,
Pois gosto de desafios
E das correntes dos rios,
Sob risco de afogamento.
Não quero "rasgar o verbo"
Com algum espinho acerbo,
À moda dos literatos:
Seria vaidade tola
A multidão toda pô-la
De surpresa — estupefatos.
Eu não quero dar trabalho:
Só quero "quebrar o galho",
Em versinhos simplesinhos.;
Entretanto, é bom saber
Que cumpro com meu dever,
Até sem os tais "espinhos".
Quando se tem esperança,
Cresce-nos a confiança
De realizar algo bom.
Havemos de ter coragem,
Ao enviar a mensagem,
Ainda que neste tom.
O que muito nos preocupa
É nos manter na garupa
Deste "cavalo" fogoso,
Que de nós muita vez foge,
Com medo de que se aloje
N alma sua algo doloso.
Freqüentemente, desponta,
Correndo por sua conta,
Certo verso misterioso:
É que não fica contente
Com o mister de escrevente,
Que reputa doloroso.
Entretanto, quando quer,
Vem p ro que der e vier,
Enfrentando este alvoroço.;
E fica feliz da vida,
Na hora da despedida,
Mergulhado até o pescoço.
Sabemos ser permanente
O poema que apresente
As lições mais proveitosas.
Por isso, vamos treinando,
Às nossas estrofes dando
Umas cores mais vistosas.
Algum dia, chegaremos,
À custa de nossos remos,
Em algum porto seguro.
Fugindo até da gramática,
Numa linguagem bem prática,
Vamos descer deste muro.
Por enquanto, manteremos
Bem afastados os demos,
Que provocam tentações.
Conservemos o padrão
No ritmo do coração,
Na força das orações.
Sofre um pouco este escrevente:
Não atina de repente
Com as nossas intenções.
Fica, então, a ruminar,
Pena suspensa no ar,
Qual a melhor das versões.
Mas é raro que aconteça
Que a rima não apareça,
Finalmente, em seu bestunto.
Falando bem seriamente,
É muito raro o escrevente
Que escreva conosco junto.
Se quiser ser consciente,
Há de aceitar que esta gente
Lhe dê um certo trabalho,
Pois nem tudo cai do céu,
Quando existe aquele véu
Com o qual eu me atrapalho.
Veja só que maravilha:
Já temos enorme pilha
De quadras e de sextilhas.
As ondas do verde mar,
Num puro ato de amar,
Vêm beijar as nossas quilhas.
Sabemos ser perigoso
Obter um forte gozo
Na arte de fazer versos.;
Mas nós sempre arriscaremos,
Pondo força nestes remos,
P ra atravessar universos.
O médium já se impacienta,
A pressentir a tormenta
Que se forma no horizonte.
Quer dizer-nos que já basta,
Que nossa obra é bem vasta,
Que de versos tem um monte.
O que ele quer é poesia,
Algo que dê alegria,
Ou que provoque emoção.
Ao pensar sobre esse assunto,
Como somos um conjunto,
Acho que tenha razão.
Não refuga o treinamento,
Mas julga que este momento
Possa ser aproveitado
Por algum mestre de nome
Cujo tempo não consome,
Com tão singelo ditado.
Porém, saiba que estes versos,
Que parecem tão perversos,
Também exigem reservas:
Havemos de ter virtudes
P ra demonstrar atitudes
Que se prestem como servas.
Vamos deixar rascunhada
Mais uma estrofe acanhada
Das que sabemos fazer:
Usar de simplicidade
É rejeitar a vaidade,
É demonstrar bem-querer.
Não pensem que temos sido
Pelo médium ofendido
Nem sequer desafiado.
Às vezes, por brincadeira,
Afastamos-lhe a cadeira,
Mas jamais caiu sentado.
Queremos dar nosso adeus,
Sob as graças do bom Deus:
Foi assim que começamos.;
Pois todos nós que existimos
Temos de sentir nos imos
O amor que lhe dedicamos.
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