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Artigos-->DUAS POSSES ENRIQUECENDO O BRASIL DO SÉCULO XXI -- 26/01/2023 - 17:53 (LUIZ CARLOS LESSA VINHOLES) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos

   DUAS POSSES ENRIQUECENDO O BRASIL DO SÉCULO XXI

 

L. C. Vinholes

25.01.2022

 

Acompanhei ao vivo a cerimônia de posse de Sônia Guajajara e Anielle Franco, respectivamente, para os ministérios dos Povos Indígenas e de Igualdade Racial, evento singular e histórico com a presença de lideranças negras e indígenas. Igualmente apreciei a exibição, ao vivo, de manifestações reconhecidas como parte da cultura e das artes do povo brasileiro.

 

Terminado o mencionado evento, continuei a pensar e a lembrar momentos nos quais negros, índios e aborígenes estiveram presente na minha vida, desde os tempos de menino. Aqui registro algumas das lembranças dos contatos com povos originários do Brasil e do exterior:

 

- O índio de porte hercúleo que, na década de 1940, descalço, aparecia vagando pelas ruas centrais de Pelotas, RS, vindo da aldeia próxima ao Rio Camaquã, e que, na última vez em que foi preso, ficou trancafiado em sala do segundo andar da Delegacia de Polícia, de onde saltou para a rua, rebentando fios elétrico, para nunca mais ser visto.

 

- Os índios kainguangs da aldeia vizinha a Tapes, RS, que inúmeras vezes encontrei e de quem comprava cestos e balaios feitos de vime e vendidos às margens da BR 116.

 

- O cacique guarani da tribo do grupo Maca próxima à Assunção, no Paraguai, que visitei, que se tornou meu amigo tomando tererê e que, certo dia, no encontro casual na praça central da capital, permitiu que dele tirasse foto ao lado de minha mãe.

 

- Os índios guaranis e kainguangs de aldeias próximas de Porto Alegre que, a convite do professor e musicólogo Mario de Souza Maia, do Centro de Artes da Universidade Federal de Pelotas, utilizaram os cartões da minha Instrução 61, para quatro instrumentos quaisquer, e produziram música aleatória.

 

- O índio Francisco que, com sua família, vivia em uma choupana às margens do Rio Ypané, no interior do Paraguai, onde, com companheiros da Associação de Caça e Pesca de Pedro Juan Caballero, Província Amambai, pescávamos com frequência e que, em uma destas ocasiões providenciei curativos no corte que o filho caçula sofreu na mão esquerda, cortando cana de açúcar.

 

-  O índio guarani que, a pedido do amigo Ramon Gil Sanches, cônsul do Paraguai em Ponta Porã, MS, mergulhou e retirou do fundo do Arroio Tranquerita uma pedra de afiar facas que até hoje me é útil.

 

- A índia, cujo nome tribal não lembro, conhecida por Margarita Sánches, que estudou gravura com o grande mestre Livio Abramo e teve suas xilogravuras impressas na prensa manual do ateliê da Missão Cultural Brasileira em Assunção, sete das quais, por meu intermédio, hoje pertencem ao acervo do Museu de Arte Leopoldo Gotuzzo de Pelotas, era também dedicada e apreciada engraxate de sapatos, à porta do principal hotel da capital paraguaia.

 

- A índia canadense Alice Bastiane, advogada ativista com quem, na companhia de seus convidados, assisti a um dos festivais das Primeiras Nações, dos também chamados ameríndios, realizado em território da Província de Ontário.

 

- O jovem índio cree Martin Doug Kakekagumick da reserva Sandy Lake, do nordeste canadense, autor de serigrafias, cheias de espirituosidade, de quem adquiri e ganhei vinte e cinco obras, todas doadas ao Museu de Arte Leopoldo Gotuzzo e fazendo parte do acervo desta instituição vinculada à Universidade Federal de Pelotas.

 

- Os robustos aborígenes australianos do Norte que transitam pelos espaços públicos próximos à famosa Ponte da Baia de Sidney, coletam grandes copos de papelão jogados no lixo e que por eles são aproveitados em suas casas, à guisa de vasilhame para usos diversos. Com eles, em duas passagens pela Austrália, sem êxito, experimentei tocar o didgeridoo, instrumento de sopro, cilíndrico, de quase dois metros de comprimento, considerado o instrumento musical mais antigo do mundo.

 

Ouvindo o nome da ministra Guajajara, nome que significa “donos do cocar”, cocar, objeto de adorno ou proteção usado em ocasiões especiais, sendo o dela uma esplendorosa pulcra aura branca, lembrei-me de inúmeros momentos vividos durante décadas e que me fizeram recordar sentimentos e sensações de um passado distante.

 

Relembrei também a reação que tive precedendo as notícias que ocuparam os meios oficiais e de informação no final dos anos 1990, com respeito à “descoberta” do Brasil. Morava em Milão, Itália, e não deixei passar em claro e aproveitei para manifestar-me contrário à imprecisão da inverdade histórica a ser celebrada. Agora, mais de vinte anos depois, assistindo pela televisão a posse da ministra Sônia Guajajara, escrevi o texto abaixo e, no mesmo dia 11, o enviei a um bom número de pessoas com as quais mantenho contatos virtuais:

 

Quando vejo uma mulher nativa, a Guajajara da foto, ser a ministra do novo ministério, tenho alegria em recordar que, às vésperas do ano 2000, toda minha correspondência pessoal e a por mim assinada no Setor Cultural e de Imprensa do Consulado-Geral do Brasil, em Milão, tinha no canto esquerdo superior da página as linhas seguintes:

 

                           Ano 2000

500 anos de Brasil

Muitos mais de Pindorama

 

Quase que instantaneamente, chegaram as vinte reações saudáveis e promissoras sobre a mensagem enviada após a celebração da posse, vindas de 73% de mulheres e homens que se manifestaram, cujos nomes, respeitosamente, não divulgo. Para quatro dos interlocutores não deixei de escrever sucinto comentário, aqui em itálico. Vejamos:

 

- “Bonito. A FUNAI não será mais Fundação Nacional do Índio e sim Fundação Nacional dos Povos Indígenas. É tudo tão lógico e racional. Por que não aconteceu antes? Há anos, eu pensava: por que os próprios indígenas não eram os responsáveis pela então Funai”.

 

Porque ainda tínhamos e ainda temos uma mentalidade de valores e julgamentos pautados em parâmetros europeus que, pouco a pouco, ficarão isolados e perdidos nos porões da história.

 

- “Fiquei profundamente emocionado, assistindo a duas posses, da Sônia Guajajara e da Anielle Franco. Foi um evento revolucionário para o mundo! Essas duas mulheres, com as trajetórias que têm, mais a representatividade, meu Deus!!! Meu coração ficou cheio de emoção e esperança!!!”

 

- “Pindorama significa algo que você percebeu nos idos milaneses. O que terá sido?”

 

Terra das Palmeiras.

 

- “Sim! Grande orgulho”.

 

- “Salve amigo, o que está acontecendo, agora, apesar das tentativas golpistas, me enchem de alegria também. Parece que Pindorama retoma o rumo da união fraterna”.

 

É isto aí, meu amigo.

 

- “Que maravilha Vinholes, não sabia, vou procurar algum exemplar nas coleções de documentos”.

 

- “Mas, qual era sua intenção? Ressaltar e valorizar as origens indígenas ou fazer uma homenagem à terra das palmeiras? Ou outra”.

 

Ter um país incorporando os valores dos povos indígenas e não maciçamente os dos saqueadores autointitulados “descobridores”.

 

- “Foi tão lindo ontem. Me emocionei em vários momentos”.

 

- Que belo este registro, tio!

 

- “Opa também fiquei muito Feliz oba oba oba”.

 

- “Realmente, eu também fiquei feliz! Parece que os ventos estão sendo outros... Mais interessantes”.

 

- “Eu me recordo desse texto. Acredito ter visto em cartas enviadas para o meu pai e também para mim, pois estivemos juntos em Milão, no final do século‘.

 

- “Algumas daquelas almas dotadas de sensibilidade artística, incrementadas pelo conhecimento global e comprometidas com os valores de diferentes culturas, talvez sejam aquilo que tem se definido como ‘visionários’.”

 

- “Ah que legal! Estive com ela no ano passado. Ela tem um grande desafio pela frente.

Mas parece ter energia e vontade política. Torcendo pra dar certo”!

 

- “Pindorama seria um nome lindo”!!!

 

- “Foi de lavar a alma a posse ontem, não foi? Nunca vivi nada tão tocante na minha longa vida política no Brasil”.

 

- “Verdade, lembro-me bem. Devemos nos sentir gratos aos povos originários. Aqui também estão abandonados à própria sorte. Já muitos alcoolizados e pedindo ajuda no metrô”.

 

- “Que beleza! Que lindo”.

 

- “Viva! Vale celebrar! Dias difíceis, mas também dias de transformações”.

 

- “Muitos mais de “Pindorama” imagino. Rs que bacana né. Torcer para que tenham iniciativa e apoio para trabalhar corretamente”.

 

Finalmente, não posso esquecer de registrar que meu interesse pelos povos originários, pelos pretos e pelos afrodescendentes do Brasil ficou igualmente marcado quando, em julho de 1957, deixei o porto de Santos com destino a Tokyo, para aproveitar da bolsa de estudos oferecida pelo Ministério da Educação do Japão. Em minha minúscula bagagem, levei comigo duas miniaturas de produção artesanal: um índio com seu belo cocar e um preto velho com chapéu de couro. Estes dois ícones da nossa gente, lado a lado com meus livros de estudo, passaram a ocupar a parte de cima do malão que me serviu de mesa de cabeceira. Por anos, foram meus parceiros no anoitecer e nas primeiras horas do dia. Mas, desde maio de 1963, quando, pela primeira vez, depois de visitar a Escola Primária do Bairro de Ottani da cidade de Suzu, na Prefeitura de Ishikawa, fisicamente me separei dos meus singulares companheiros que lá ficaram tendo a companhia diária das alunas e dos alunos para os quais compus a melodia do hino escolar. Desde então, nossos encontros só ocorreram em outubro de 1965, maio de 1966, julho de 1975, novembro de 1995 e em setembro de 2013, desta última vez acompanhado de minha esposa Helena Maria Ferreira.

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