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Contos-->Ainda uma mulher -- 12/09/2000 - 23:05 (Pedro Wilson Carrano Albuquerque) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
AINDA UMA MULHER

Emerenciana não precisava de relógio despertador para acordar às cinco horas. O cérebro dava o aviso no momento certo e logo ela via-se fora da cama, ali deixando João, seu marido, com quem se casara doze anos atrás.
Começava o dia lavando o rosto com água depositada em um latão, uma vez que em seu modesto barraco o produto ainda não era conduzido por canos.
Um buraco aberto na mata vizinha era o vaso sanitário de que dispunha. Ansiosa, aguardava o dia em que teria um dentro de casa, como já havia visto na cidade.
Agradecia a Deus, contudo, pelos alimentos às mãos-cheias oferecidos pela terra fértil da redondeza. Com eles as quatro filhas e o único filho mantinham-se com boa saúde. Ainda bem, pois o médico mais próximo encontrava-se a vinte e cinco quilômetros de distância.
Também não havia escola na região, o que impedia a alfabetização das crianças. Emerenciana gostaria de saber ler e escrever, pois poderia, assim, transferir à prole os seus conhecimentos.
Acordada, a criançada começava a preparar-se para ajudar a mãe na lavoura. Trabalho duro, mas compensador. Era o resultado da alienação de verduras, legumes, cereais e frutas que lhes dava condições para a aquisição de roupas e mantimentos em uma venda situada em lugar não muito distante.
Infelizmente, a mulher não podia contar com João na obtenção de recursos para a manutenção da família. Ele acordava tarde e, logo após, desaparecia na estrada, retornando pela madrugada, totalmente embriagado. Dava pena à esposa vê-lo no estado lamentável em que sempre se encontrava. Lembrava-se do jovem que a tinha levado ao altar e feito mulher. O que havia ocorrido com suas promessas e esperanças?
A bebida inutilizara o homem, tornando-o um parasita. Nem mesmo sexo o casal praticava mais, motivo por que o filho mais novo já completara quatro anos de idade. Quando chegava em casa, cambaleante, João trazia um hálito mal cheiroso e o corpo cansado, impotente para o amor. Muitas vezes aparecia carregado por seus companheiros de bar, banhado em seu próprio vômito, exigindo que a mulher o limpasse antes de arrastá-lo até o leito.
Apesar de tudo, Emerenciana ficava na expectativa de milagre que modificasse a vida do marido. Havia um pastor evangélico na vizinhança que lhe dissera estar o cônjuge possuído pelo demônio. Quem sabe se o pagamento do dízimo exigido pelo homem o levaria a orar pelo esposo e conseguir, com isso, afastá-lo de satanás e melhorar o seu comportamento?
Em certo dia, contudo, fato estranho ocorreu naquela choupana.
Emerenciana, após um refrescante banho de cavalo, deitou-se e adormeceu. Acordou à noite com barulho vindo da porta. Julgando tratar-se de João, manteve-se imóvel, fingindo dormir para evitar discussões.
Um ruído no colchão de palha indicava que o companheiro, como sempre, se acomodava ao seu lado.
Foi com grande surpresa que sentiu uma mão deslizar-se sobre seu corpo, já desacostumado com carinhos da espécie. Um toque suave no cabelo, um roçar de pés e um apalpar dos seios criaram uma dúvida em sua cabeça: não parecia ser João a pessoa que a afagava e beijava suas costas com tanta delicadeza.
Pensou em reagir contra a invasão de sua intimidade, mas o medo a deixou paralisada. De repente, pernas juntaram-se às suas e ela sentiu em seu dorso a respiração ofegante e uma demonstração de virilidade do invasor.
No lugar de impedir a posse de seu corpo, viu-se, surpresa, a facilitar a realização do ato. Por pudor, procurava imaginar que ali se encontrava o João de outrora, amoroso e sensual. Não teve coragem de virar-se e encarar o parceiro, mantendo-se imóvel como se estivesse dormindo, embora com o coração batendo aceleradamente.
Desprezada pelo marido, Emerenciana descobriu-se, de repente, desejada, acariciada, valorizada, beijada, suavemente possuída, o que há muito tempo não ocorria.
Verificou, orgulhosa, que ainda conseguia, com desconhecidos encantos, atrair e agradar um homem.
Amanheceu com o marido ao seu lado, desmaiado, com um ronco barulhento e sem ritmo. Teria sido João o amante que tão boas sensações havia despertado em seu corpo?
Levantou-se e agiu como agia em todos os dias. Procurou as horas e não encontrou o relógio de parede, assim como o rádio de pilha, o ferro de passar, alguns mantimentos e as roupas do varal.

Descobriu Emerenciana, então, que alguém furtara alguns de seus mais valiosos bens, entre eles a fidelidade ao marido. O intruso deixara, no entanto, a certeza de que ela, apesar de tudo, ainda era uma mulher, ou melhor, uma atraente mulher.
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