Quem assiste O CLONE pode até estar sensiblizado com o drama de Mel, a drogada. Eu, que pouco assisto a novela e sei do nela se passa pela leitura dos resumos dos capítulos nos jornais, não estou no grupo dos que acham que a novelista Glória Perez esteja tocando no cerne da questão do vício.
Creio mesmo que a tal senhora, que noutras ocasiões demonstrou ser um tanto quanto preconceitusa quando chamou o meu Estado, o Pará, de o fim do mundo, novamente me deixa intrigado pela forma como ela aborda o consumo de cocaína e outras drogas.
A realidade brasileira não é a mesma da novela. Glória Perez clonou essa realidade, ao centralizar a discussão sobre as drogas no seio de uma família rica. Essa não é a versão mais verdadeira dessa calamidade que toma milhões de lares no país; a versão original clonada por Glória Perez tem seu centro nuclear nos milhões de jovens drogados cuja família não tem qualquer condição de tratá-los em clínicas de recuperação, nem de contratar psicólogos e outros profissionais do comportamente. São miseráveis vítimas de um sistema social que estrangula os jovens num misto de utopia e desesperança. Utopia por levá-los a acreditar que, esperando que o Governo lhes dê educação, lazer, trabalho, poderão ser "alguém" na vida. Desesperança porque, quando percebem que tais realidades lhes são negadas pela total falência da sociedade capitalista, vêem-se entre a cruz e a espada: fazer das tripas coração em busca de uma ocupação qualquer que lhes permita ter roupas, sapatos, ir ao cinema com a namorada ou fugir para as drogas e os crimes que as financia.
Essa realidade não está sendo discutida no Clone, simplesmente porque, para Glória Perez, é espantoso que uma moça rica, com todas as chances de ser bem-sucedida, se entregue ao vício. Esse é o drama. As drogas não combinam com a riqueza, com as portas abertas, com o sucesso; enfim, não são de um ambiente em que as carências materias pudessem explicá-las. Drogas combinam com pobreza, com falta de educação, de cultura, de civilidade. Mel não tem tudo isso ao seu dispor?
Os pobres da novela O CLONE se entorpecem com álcool, enquanto os ricos com cocaína. É a lógica do capitalismo: o que é caro só os ricos podem comprar! Aos pobres, o barata, o banal. Glória Perez é excelente novelista! |