O resultado da entrevista entre Juvenal e Elvira foi notável, embora se resolvesse ali que o rapaz só iria receber duas visitas semanais da professora. Assim mesmo, houve uma condição imposta por ela:
— Você irá freqüentar uma academia para tonificar sua massa muscular. O que eu irei fazer será, mais ou menos, o que vinha realizando com Lutécia, ou seja, um trabalho muito mais de educação do que de treinamento. Se você estiver disposto a estudar, passo-lhe tópicos relativos às diversas áreas do currículo universitário, inclusive noções de anatomia. E poderemos conversar também a respeito de como o espiritismo situa o corpo perante o espírito.
Era o gancho de que necessitava o jovem para perguntar sobre um dos temas de seu interesse, curiosidade que se aguçara depois da morte da irmã:
— Você deve ter conversado bastante com Lutécia a respeito dessas coisas, tanto que foi convencida a vir ao centro.
— Na verdade, falamos muito pouco sobre a teoria. O que me fez convidá-la a freqüentar o curso de mediunidade foram as sensações desagradáveis que sentiu nas vezes em que compareceu ao terreiro do Pai Benedito. Especialmente, intrigou-a a consideração do guia que recomendou que se afastasse dos trabalhos daquela instituição, indicando-lhe o caminho do kardecismo.
— Quer dizer que ela conversava com as almas dos mortos?...
— Vocês nunca falaram a respeito?
— Eu e minha irmã não tínhamos grandes colóquios. Mais jovem que eu três anos, nossos interesses eram muito diferentes. Ela não passava para mim de uma menina.
— No entanto, como dona de casa, era estupenda.
— Sem dúvida, professora. Eu preciso reconhecer que está fazendo muita falta, tanto que vou precisar de uma ou duas pessoas de confiança para substituí-la. Até estava pensando em ir procurar junto aos evangélicos. Mas, pensando bem, entre os espíritas deve haver gente necessitada de emprego.
— Você quer que eu mande alguma senhora responsável? Posso prometer uma dessas que se dedicam ao emprego com honestidade e discernimento, coisas que por aí raramente andam juntas hoje em dia, mas que no movimento espírita é muito freqüente.
— Pode mandar, mas meu tio é quem irá avaliar se serve ou não para tomar conta da casa.
— Vou perguntar ao Ricardo e, se encontrar alguém, encaminho. Está certo assim?
— Ótimo.
Nem José nem Ricardo ouviram o diálogo, entretidos em outra sala com a discussão de alguns tópicos levantados pela desconfiança religiosa do advogado.
Juvenal insistiu:
— Minha irmã se entendia com os mortos?
— Ela pretendia tornar-se médium, mas seguindo um caminho seguro, conforme os ensinos de Kardec, o qual, você sabe, escreveu “O Livro dos Médiuns”, justamente com essa finalidade, ou seja, de aprimorar as tendências dos sensitivos para reconhecerem a qualidade dos espíritos que se comunicam, através da análise de suas mensagens, além, é claro, das sensações morais e físicas que são capazes de passar aos encarnados. Se você estiver interessado, poderá ocupar o lugar de sua irmã no curso da tarde, ou acompanhar o curso que o centro proporciona à noite.
— Vou perguntar diretamente o que mais tenho curiosidade: meu pai ou minha irmã são capazes de vir conversar comigo através dos médiuns?
— Dificilmente. Eu acredito que, salvo melhor juízo, dada a natureza violenta da morte que sofreram, eles estão muito perturbados na pátria espiritual, enleados ainda nos problemas de readaptação às condições normais de quem está na erraticidade. Este assunto é muito extenso e eu não quero dar-lhe nenhuma idéia errada. Ao contrário do que eu disse, o seu pai e sua irmã podem ser espíritos muito evoluídos. Neste caso, já conscientes do que lhes sucedeu, estão muito mais interessados em sua evolução para a esfera mais adiantada do que em voltar para junto de nós para contar suas experiências.
— Quer dizer que, se fossem atrasados, estariam perturbados e, se fossem adiantados, não estariam dando importância nem mesmo a quem lhes roubou as vidas?
— Teriam compreendido e perdoado. Só vou adiantar-lhe mais uma hipótese: se fossem muito atrasados, nem notariam que estavam mortos, prosseguindo lá como se estivessem aqui. Mas isto é muito complicado para lhe explicar, sem que você tenha, ao menos, lido “O Livro dos Espíritos”. Nós temos aqui exemplares para emprestar. Quer levar um?
— Pode ser.
Foi assim que, de volta ao prédio vazio, Juvenal portava algumas apostilas e a obra de Kardec.
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