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Contos-->Felicidade (quando muita) -- 04/05/2003 - 20:03 (Carvalho de Azevedo) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos


O caminho íngreme e disforme serpenteava morro abaixo,através dos barracos pobres e mal pendurados na encosta.
Chovia. A garoa fina preconizava mudança de tempo
e temperatura, além de testemunhar os infindáveis escorregões de quem descia a viela. Já começava a escurecer, metade noite chegando, metade nuvens cinzentas pairando sobre os toscos barracos.
O mulherio, ocupava-se agora, de carregar as últimas latas d’água para a comida da noite e o lavar-se das crianças, antes de comer e dormir.
Umas poucas, ainda fariam mais uma viagem à bica, para trazer a água do “banho” de seus homens.
Não era o caso da Dóris, mulata bonita e jeitosa, ex modelo , ex mulata do Sargentelli.
Teria talvez, 30 ou 35 anos, mas guardava as formas, a leveza e o fascínio dos 20.
Ali, não havia ninguém que não a admirasse e a desejasse (dentre a comunidade masculina) e entre as mulheres, não havia nenhuma que não a invejasse.
Além da beleza física que ostentava, Dóris , era invejada pelo conforto e regalias que dispunha em relação às outras mulheres.
Zé Preto, seu companheiro, homem forte, trabalhador,respeitado e temido no morro, pelos seus metro e noventa e oito de altura, cem quilos de músculos, treinados diariamente descarregando carga no Mercado Central, onde desde menino trabalhava para sobreviver, proporcionava-lhe vida de princesa.
Seu barraco, na verdade, era a única construção de alvenaria que orgulhosamente o morro ostentava.
Tinha “3 cômodo de 3X4 mais banheiro “drentro” , trovejava Zé Preto, aos quatro ventos com seu vozeirão assustador.
-“2 televisão boa, geladera nova de 2 porta, vídeo cassete e vídeo-game prás criança”.
-“Dóris, só usava “ropas que cumbina com o sapato” igualzinho as “madame lá do shopping”.
-“Minhas criança tão na escola e eu levo toda as féria , eles no Maquidonaldi”.
-“Nos Domingo, dia que mais eu gosto, levô eles prá passear, sem faltá nenhum”.
-“É isso aí meu “cumpadi” Ter familha é isso aí !”
-“Tem de tê carinho, capricho, muito amor, coisa que não existe mais, filosofava” Zé Preto, catedraticamente.
Elen, Benito e Mayara, eram suas crianças com 8, 5 e 3 anos , respectivamente.
Elen era filha do primeiro casamento com Rosinha, que morreu de parto.
Viúvo e com a filha órfã de mãe, Zé Preto criou a menina fazendo o papel de “paimãe” que ele desempenhava com extraordinária habilidade e zelo.
Homem rude no jeito, era extremamente sensível e carinhoso no trato, com as pessoas que ele gostava .
Alguns desavisados, que colocavam em dúvida seu orgulho de macho, ele apenas dava um grunhido :” Qué vê “ ?
Ninguém jamais se atreveu a querer, nem tão pouco, ousou repetir o gracejo.
Um dia, Élen adoeceu. Febre alta, choro incontrolável, desesperador.
Zé Preto, com o que lhe restava de sobriedade, enrolou a menina numa manta fina, gasta pelo uso e, saiu a pé, madrugada adentro em busca de socorro.
Foi assim que conheceu Dóris. Ela vinha de um show.
O cachê miserável recebido, sequer era suficiente para o taxi.
Encontraram-se no ponto do ônibus. Ela chegando, ele querendo socorrer a filha.
-O que tem a criança ?
-Tá com febre alta, tá variando. Tô indo pro Pronto Socorro.
-Traga a criança aqui. Deixe eu dar uma olhada.
Entraram por um longo corredor estreito, com incontáveis portas de cada lado.
Dóris abriu uma das portas, entrou e convidou Zé Preto a entrar com a menina no colo.
-Põe ela ali, mostrando a ampla cama de casal que ocupava quase todo o exíguo cômodo.
Jogou a bolsa em um canto qualquer, tirou o casaco e, debruçando-se sobre a menina, desembrulhou-a da manta surrada.
Com o indicador apontado para uma porta, disse para Zé Preto :
-Anda homem, abra rápido o chuveiro na água fria.
Zé Preto obedeceu passivamente.
Dóris pôs a menina debaixo do acanhado jato de água e, quase que instantaneamente tirou-a.
Envolveu-a numa toalha, enxugou-a, vestiu-a com uma blusa leve e deitou-a na cama.
Apontou uma gaveta na cabeceira da cama e ordenou :
-pega aí esse comprimido e traga meio copo com água, rápido.
Zé Preto obedeceu dócil, quase servilmente.
Dóris fez a menina tomar o comprimido, enquanto com a costa da mão, examinava a temperatura.
-Tá baixando, falou com segurança . Daqui a alguns minutos ela estará melhor.
-Enquanto espera, vê se dá uma cochilada aí no sofá, você está com jeito de quem não dorme há uma semana !
Zé Preto quis dizer alguma coisa, Dóris não deixou.
-Não fale nada, deixe a menina dormir. Descanse, vou tomar um banho e fazer um café forte.
Zé Preto, sentou-se meio sem jeito no sofá, explorou com o olhar tímido e curioso o cômodo, pensou : que capricho !
Com o barulho da água caindo do chuveiro, acabou adormecendo, cansado !
Acordou com o ranger da porta, assustado, sem saber ao certo o que estava acontecendo.
-Que é isso dona ? Não é possível !
-A senhora me acha na rua com minha filha precisando de socorro, trás prá sua casa , cuida dela e de mim , a senhora é louca ?
-Não sou louca não, respondeu Dóris.
-Na sua casa falta uma mulher, na minha falta uma família. Juntos poderemos ser felizes, você não quer tentar ?
Zé Preto, para não contrariar seus preceitos , conceitos e preconceitos de macho e, para não dar o braço a torcer, respondeu :
-Se a menina gostá da senhora, tudo bem ! O nosso barraco tá muito vazio mesmo !
-Vamô tentá, se der certo, a gente junta os trapo.
Namoraram, noivaram e finalmente, após mais de 2 anos, casaram-se de papel passado, como mandava o figurino.
Nasceram, Benito e Mayara .
O carinho recíproco em família era extraordinário. Como costumeiramente se dizia, um nasceu para o outro !
Zé Preto, numa manhã linda de domingo, com o Sol invadindo seu barraco, (como ele nunca deixou de chamar sua casa) pleno de felicidade e alegria, sentou-se na soleira da porta, olhou o morro, admirou o crescimento absurdo da comunidade, que ele conhecera com meia dúzias de barracos.
Por entre os reflexos que a incidência dos raios do sol provocava nos telhados de zinco, viu as suas “crianças” se distanciando pelas vielas morro abaixo, agora, já adolescentes, indo passear . As suas crianças, já andavam sozinhas.
Chamou para perto de si a companheira amada, convidando-a para sentar-se junto à ele e voltou a filosofar :
-Nêga, não sabia que a felicidade, quando muita, chega a doer... no peito !
Com aquelas mãos enormes, deu a impressão de querer segurar o coração...
O infarto fulminante quase não o deixou terminar a frase .
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