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Artigos-->GAO XINGJIAN, Nobel de Literatura (uma entrevista) -- 16/10/2000 - 19:21 (José Pedro Antunes) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
“O absurdo é a forma de nossa existência”



[Gao Xingjian, Prêmio Nobel de Literatura, fala sobre política, suas raízes e seu modelo, Wittgenstein]



DIE WELT: Como julga a atribuição do prêmio à sua pessoa?



Gao Xingjian: O prêmio é o reconhecimento de que não escrevo para ganhar dinheiro, nem para servir a um poder político.



DIE WELT: O livro “A montanha das almas”, pelo qual, sobretudo, o prêmio lhe foi atribuído, baseia-se numa longa jornada de 15.000 kilômetros ao longo do Yangtse, em meados dos anos 80. O que queria encontrar?



Gao: Com meu trabalho de pesquisa cultural, procuro provar que, ao lado da cultura confucionista da China, existe uma outra cultura, uma outra cultura chinesa, aquela que se espalha ao longo do Yangtse. Ela influenciou todos os grandes pensadores e artistas da China, que, por isso mesmo, de forma alguma foram conformistas para com o regime. É esse o pano de fundo se compreender a discussão sobre a minha pessoa, nomeadamente, se eu sou a personificação do modernismo. Mas eu mesmo me leio de modo diferente. Estou convicto de não ser contra a tradição. Eu justamente procuro uma outra tradição. Tento ler a cultura chinesa de forma diferente.



DIE WELT: Nessa discussão, funcionários da cultura o acusaram de “impureza intelectual” e julgaram a primeira fase da sua obra como “o mais pernicioso” dos artefatos desde a Revolução chinesa.



Gao: Eu mesmo não sei em que escaninho devo ser classificado. O certo é que eu dei início ao teatro moderno na China. Mas, em absoluto, eu não queria introduzir na China uma reedição da modernidade ocidental. Não é verdade que eu tenha tentado escrever um “Esperando Godot” à chinesa. Minha esperança, contanto que ela se oriente no sentido da literatura ocidental, é criar uma moderna literatura chinesa.



DIE WELT: Não foi a sua primeira fuga para a região do Yangtse.



Gao: Em 1983, quando a minha peça “A estação rodoviária” foi proibida, eu fugi do mesmo modo, justamente em direção à costa, onde me mantive escondido por uns quinze dias. Já sabia, então, que o meu nome estava na lista dos escritores a serem criticados. O ambiente estava declaradamente tenso, a ponto de os meus amigos se preocuparem seriamente com a possibilidade de eu pensar em me matar. Trataram de me fazer acompanhar sempre por dois escritores, ambos nadadores fantásticos, quando eu tivesse vontade de ir nadar.



DIE WELT: A fuga física era também uma fuga psíquica?



Gao: Quando da última fuga para o Yangtse, que durou cinco meses, não li jornais, nem ouvi rádio. Primeiro, porque não os tinha ao alcance. Em segundo lugar, eu não queria saber deles. As cartas dos meus melhores amigos eram minha única leitura. De repente, eu me senti liberto, redimido. Nada desse mundo dos mídia, que se supões tão real, me era mais importante.



DIE WELT: O que encontrou para si mesmo na cultura do Yangtse?



Gao: Salvação em todos os aspectos. Sou artista e pensador. Sob a pressão de todo um sistema, me coloquei em fuga, para sobreviver. Mais importante ainda: empreendi a minha fuga para poder prosseguir como artista e pensador, para não ser empurrado de volta aos paradoxos das instâncias políticas e sociais, para neles não perecer. Por isso, a única coisa conseqüente era que os fugitivos – no caso, eu mesmo – tinham de se distanciar do político e do social. Mas somente esta fuga não basta. Necessito de ter uma garantia, a de que vou continuar escrevendo, de que, pela escrita, estou preservando o meu país.



DIE WELT: Em sua obra, o senhor sempre retorna ao absurdo. Por quê?



Gao: 1984 foi o ano da pior ameaça contra os panda chineses. Ao mesmo tempo, enquanto os animais deveriam ser salvos, com o dinheiro do Estado e em nome da cultura chinesa, caçavam-se escritores: um exemplo fantástico para o absurdo. Pois o absurdo, eu não o criei em parte alguma da literatura. O absurdo é a forma de nossa existência, o absurdo não é uma reflexão, nem uma opinião que primeiramente se tem de abstrair. O real, sobretudo o real na China, me oferece este absurdo. Assim, na china, alguns jovens acreditam que aquele que se decide por um posicionamento contra o regime nada mais possui a não ser o próprio ego. Por isso, alguns jovens fazem de Nietzsche o seu ídolo, sem saber que o tempo de Nietzsche de há muito já se foi. Hoje eu vejo a existência humana só e unicamente na consciência lingüística. Isto vale também para o conhecimento do ego. Tão logo abandonamos a nossa língua, deixamos aquele ponto de partida com a ajuda do qual, e só com ele, acreditamos saber o que é a existência humana. Esta é a razão que me faz prezar Wittgenstein.



DIE WELT: Por que o senhor foi, finalmente, para Paris?



Gao: Até o final de 1984, nenhum texto meu, ainda que se tratasse de um ensaio para um jornal, tinha permissão para ser publicado. Apenas lentamente essa proibição foi sendo atenuada, quando Wang Meng (então ministro chinês da cultura), de próprio punho, liberou uma de minhas narrativas para a revista “Literatura do Povo”. Mas sempre eu supunha, meramente isso, que alguém estivesse à procura de pretextos para tornar a me colocar sob pressão, eu me safava, pois com eles não se pode discutir nada. O absurdo: quando eles a mim se dirigem, perguntam sempre: Está de acordo com a nossa crítica? Se digo que sim, dizem: Está vendo, tínhamos razão em criticá-lo. E por que deveríamos parar com isso? Se digo que não, têm mais um pretexto para me criticar. Por isso, desde então decidi não trocar mais uma palavra que fosse com eles. E emigrei.



DIE WELT: Portanto, não por razões políticas.



Gao: Não faço política. O que não me impede de criticar a política. Eu digo qual é a minha vontade. Se levo esta vida no exílio, é para ter esta liberdade de exercer a crítica.







Entrevistador: Shi Ming (jornal DIE WELT /

Berlim, 14/10/00)

Tradução: zé pedro antunes (para o jornal TRIBUNA IMPRESSA/ Araraquara, 15/10/00)

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