Uma coisa que a vida me ensinou; desejo não é algo que se
deixa controlar por códigos de ética, crenças religiosas ou convenções humanas
como o casamento. Ele é um jogador que muda as regras quando e como quer,
independente do jogo estar ou não razoavelmente favorável simplesmente porque
lhe deu vontade de fazer isso. E por que ele o faz? Porque vivemos em prol de
nossas necessidades e vontades e, independente do que é moral e eticamente
correto diante do que nos foi ensinado em algum momento da vida ou algo que
achamos interessante o bastante para acreditar, fazemos o que podemos e o que
não podemos para saciar nosso desejo, que anda de mãos dadas com a necessidade
e que reza de acordo com sua cartilha de forma que não se sabe dizer ao certo
quem é um e quem outro.
Os relacionamentos monogâmicos são, provavelmente, a melhor
forma de mostrar isso. Quem acredita que os sagrados votos do matrimônio significam
algo perante o desejo e que no meio do caminho não se vá trombar com alguém que
vá nos fazer olhar para o lado, seja apenas na prática ou na teoria, acredita
em Papai Noel, até porque não se pode domesticar sentimentos como se fossem
algo estático e que nunca vai mudar, já que essas mudanças fazem parte da
natureza humana. Você está contente com seu salário até a hora em que começar a
ganhar dez vezes mais, com a direção mecânica até o dia em que dirigir um carro
com direção hidráulica, e o mesmo vale para os parceiros sexuais, que não são
necessariamente as pessoas com quem nos relacionamos e a quem juramos
fidelidade eterna, que nada mais é que uma estória da carochinha. Se achássemos
que não, o divórcio não existiria e tudo que se conecta aos relacionamentos
seria lindo e maravilhoso, mas quem se aventura no mundo nada encantado das
relações monogâmicas sabe que não é bem assim. Somos fiéis apenas a nós mesmos,
mesmo quando damos a vida por quem mais amamos, até porque, se fazemos isso, é
porque a própria vida não teria significado, dependendo do quanto aquela pessoa
é importante. Sendo assim, quando nos sacrificamos, de certa forma o fazemos
mais por nós mesmos e o que isso gera de bom para a outra pessoa é apenas
consequência.
Mulher, quando está do lado, não se sabe o que pensa; quando
está longe, não se sabe o que faz, sabe-se apenas o que disse que ia estar
fazendo, que pode estar onde disse que estaria, mas não necessariamente o que
está acontecendo por lá. Ela vai atender o celular, não vai estar
necessariamente ofegante, o que não significa que não vai ter o telefone na mão
e um membro masculino em outra, ou mesmo que não vai tê-lo na boca quando
estiver ouvindo o corno falar. Vai estar no trabalho, o que não significa
necessariamente que o patrão ou algum colega de trabalho (caso seja apenas um)
não está fazendo com ela tudo o que bem entender. O mesmo podendo ocorrer em
várias outras circunstâncias, como consultas médicas, chás de bebê, idas ao
shopping, ao supermercado, ocasiões em que ela não vai necessariamente voltar
pra casa dando qualquer sinal de que passou na mão de um outro homem que, em
algum momento, acabou despertando sua curiosidade o bastante pra que ela
arriscasse passar algumas horas com ele entre as pernas e com quem aceitou se
encontrar de novo em outras ocasiões por ter se divertido muito todas as vezes
em que se encontraram. No caso do homem ocorre algo parecido, com a diferença
de que eles traem por natureza, só não o fazendo quando têm que agradecer por
terem conseguido arrumar alguém e que não teriam essa sorte de novo se
perdessem a que têm, enquanto a mulher trai porque a ocasião pareceu propícia
e, em alguns casos, embora mantenha a postura de mãe e esposa pela estabilidade
da casa, sempre guarda um lugar especial pro outro cara e reserva um tempo
especial na semana pra se realizar na vara do dito cujo.
Pensando em tudo isso, só me resta chegar a conclusão de que
ver no sexo um ponto central para os relacionamentos entre duas pessoas nada
mais é que uma grande armadilha que transforma o que deveria ser amor num
inferno constante, uma cruz que se carrega diariamente, e que termina por
envenenar a alma e fazer com que o próprio convívio se torne insuportável com o
tempo. Toda a vaidade envolvida nisso tudo, as eternas cobranças em torno da
sexualidade, como as possibilidades de traição se um não satisfizer o outro, a
fina linha que logo é atravessada para que o que já foi prazer acabe se
transformando em obrigação, e a própria supervalorização do ato sexual como se
ele não fosse simplesmente uma necessidade física e normal como respirar, comer
e dormir, me levam a pensar se a grande maioria não tem uma atitude errada, pra
não dizer suicida, no que diz respeito ao sexo.
Confiança, sem dúvida, é o alicerce de qualquer relacionamento,
ao menos o mínimo que se pode obter, já que a mente humana não é só a moeda
mais fungível que existe como também a que mais se desvaloriza. Pode-se
construir uma vida com alguém, adquirir-se patrimônio, ter uma relação de
amizade, carinho, convivência, não se tem tudo isso com qualquer um. Por outro
lado, da mesma forma que não se precisa saber necessariamente quem serve sua
bebida em um bar, não é necessário conhecer totalmente ou mesmo saber o nome de
quem se leva pra cama em algumas ocasiões, pelo menos não a ponto de se achar
que o sexo feito ocasionalmente é motivo pra que o desejo da outra pessoa se
torne uma propriedade. Tanto isso é verdade que a prostituição e a indústria de
filmes pornográficos, a quem se apela em certos momentos, são industrias
milionárias. Embora sejamos condicionados desde tenra idade a acreditar ou
mesmo ter certeza de que tornar nosso desejo propriedade de alguém é um fardo
do qual não se possa escapar, nem de longe é assim que tudo funciona ou tem que
funcionar. É possível pensar por si mesmo e não necessariamente tornar-se mais
uma engrenagem de um sistema moral torturante e falido, cujas falhas só se
tornam visíveis, muitas vezes, quando já é tarde demais e já estamos no final,
incapazes física e psicologicamente de procurar algo que nos faça felizes.