Filigrana
~Valéria Tarelho~
Atingida por um raio,
dividi-me ao meio.
Eu, que era inteira,
tornei-me bipartida:
meu todo foi (cor)rompido.;
meu eu, que era indiviso,
demarcado por um veio:
inferno e paraíso,
divisam o que meu sentimento meneia.;
ponte onde o coração titubeia
e ensaio passos incertos:
não sei se fico, vou e atravesso,
se passei, passou, passamos
para o lado obscuro do verso.
Sei que a nossa poesia esmaeceu
e a palavra, nosso liame,
adormeceu em pleno dia.
Depois de ti, oscilo: sou bem, sou o mal,
ouro, prata,
reticência, ponto final.
Metade de mim é ousadia:
avança o sinal e desafia o perigo latente.;
range os dentes, mostra as unhas,
urra de ira, por teu desprezo.;
tange, no espelho da memória,
a silhueta de tua imagem fantasmagórica
e te lambe a face, numa carícia que arranha.
A outra metade sente-se acuada:
retrocede, retroage e rememora o passado
assanha, de dentro para fora, prazeres dormentes
que atiçam fogo na seda de minhas vestes:
sou osso, carne e pele flamejantes.
Esta minha parte, insana,
ri e chora o ruir de nossa história.;
gargalha e pranteia a dor da saudade,
que arde por teu corpo ausente.;
grita, enlouquecida, pelo desembaraçar de nossa trama
e, num apelo, implora que me chames de volta
e que me ames: torto, direito, pelo avesso.;
pouco ou muito, que me ames de qualquer jeito.
Sufoco na fumaça do amor remanescente,
que abrasa sob as cinzas
da pira que trago no peito.
Tenho em mim esta ferida exposta,
ulceração que inflama e não cicatriza:
chaga do amor que é chama e não apaga,
queima, mas o vento não alastra.
Levo você, onde eu for, no pensamento,
impresso na alma como um emblema,
uma ígnea insígnia:
indelével marca-d´água em meu poema |