KARYN BOYER, ARTISTA COLOMBIANA
L. C. Vinholes
Durante os doze anos que vivi em Ottawa uma das pessoas que mais me chamou a atenção foi Karyn Boyer. Colombiana morena, elegante, vibrante, comunicativa e sempre envolvida com arte e literatura. Morava em Hull, cidade na Província de Quebec, situada na margem oposta do rio que banha a capital canadense. Pintava e escrevia poesia. Foram poucos nossos encontros, geralmente ocorriam por ocasião das exposições patrocinadas pela embaixada do Brasil, realizadas na galeria da Biblioteca Nacional que oferecia o apoio logístico. Provavelmente nossos contatos epistolares foram ainda menos frequentes do que os encontros propriamente ditos.
Além das lembranças de Karyn, que nunca se apagaram, ficaram também algumas das suas pinturas em cartões ou em algum suporte nada convencional, como por exemplo o trabalho de óleo sobre plástico, datado de 27 de agosto de 1985, sem título, com 120 x 125 cm, no corpo do qual está escrito “Adonde van / nuestros / palitos blancos / bolitas negras?”. Desde que decidi fazer doação ao Museu de Arte Leopoldo Gotuzzo de Pelotas de tudo o que havia reunido durante meus anos de exterior, para lá também foram as lembranças de Karyn.
O que até hoje ficou me fazendo companhia é uma cópia xerox do manuscrito de 1985, todo em papel A4, com texto na posição paisagem e caligrafia caprichada, personalíssima, de fácil leitura, com data e seu nome na capa, no qual estão registrados poemas por ela escritos. Como que enriquecendo ou diversificando o aspecto visual das páginas, Karyn, a artista plástica, acrescenta desenhos, sublinha palavras e se vale das letras maiúscula, às vezes dialogando com minúsculas. Em alguns momentos, como providência tomada sobre a cópia xerox, destaca palavras e desenhos utilizando pinceis atômicos de cores vermelho e azul. Um exemplo desta sua forma de expressão é o poema, sem titulo, ocupado da quita página de miniantologia.
Esta miniantologia, de treze folhas grampeadas, foi-me presenteada acompanhada de um cartão postal anunciando a exposição no Paço Municipal de Ottawa, em agosto de 1985, do Comitê de Arte do Sindicato de Crédito das Mulheres de Ottawa, reunindo obras de “arte de fantasia e pesadelos”, de Karyn e de suas engajadas parceiras.
Às vésperas da entrega desta miniantologia ao referido museu, relendo seus poemas e lastimando nunca mais ter tido notícia alguma da autora, resolvi escrever esta memória, traduzir para o português os dois primeiros poema e disponibilizá-los aos que apreciam a poesia em espanhol e que também apreciam acompanhar os nuances que oferecem as duas línguas ibéricas. Nesta tradução, procurei,.sempre que possível, seguir a grafia do original sem prejuízo da ideia e da mensagem das palavras. Por outro lado aproveitando a ousada uso do prefixo “in” pela poetisa, me vali dele no texto em português, ciente de que estava abrindo caminho para novos verbetes nos dicionários pátrios.
Mãos à obra.
Rosado – azul cabezón pequeño y sabio Rosado-azul cabeçudo pequeno e sábio
Yo Eu
feto feto
rosado – azul rosado - azul
flotanto en el aire inacuoso flutuando no ar inacuoso
libre livre
sabio sábio
de respuestas de respostas
aún no contestadas ainda não contestadas
resistentes al agua resistentes à água
infamiliar elemento elemento não familiar
que limita mi movimiento que limita meu movimento
Imperteneciente Não pertencente
a la húmeda transparencia à transparência humeda
ogligado allí ali forçado
allí engendrarse ali procriar-se
Reducirse ante ella Transformar-se frente a ela
en un verde em um verde
filamento filamento
flotante flutuante
componente compondo
cadena cadeia
de aveces bacteria às vezes de bactérias
Así se deja de ser Assim se deixa de ser
ser cabezon pequeño sabio ser cabeçudo pequeno sábio
para pasar a un estado para passar a um estado
menos esencial de desarrollo. menos essencial de desenvolmento.
II
Silencio Silêncio
es igual é igual
a un punto a um ponto
infinito de ceros infinito de zeros
Colorido Colorido
estado estado
del todo do todo
Blanco Branco
cuando en él quando nele
late lateja
pulso a pulso pulso a pulso
la posibilidad a possibilidade
de una nota. de uma nota.
Negro Negro
cuando encoqido quando encolhido
resiste resiste
a dejar de ser a deixar de ser
el inerte silencio o inerte silêncio
que habita que habita
entre los sonidos entre os sons
Silencio Silêncio
que habla que fala
fragmentado fragmentado
en un estado em um estado
gestal de inocencia gestal de inocência
dice diz
en bajas ondas em ondas baixas
la misma belleza a mesma beleza
del azul do azul
el hirviente o fervente
rojo roxo
escandaloso escandaloso
amarillo amarelo
Silencio Silêncio
que engendra silencio que engendra silêncio
Silencio Silêncio
donde habitan sonidos onde habitam sons
Él Ele
es el todo é o todo
todo inevidente todo inevidente
más latiendo fuerte mas latejando forte
el submarino sonido o som submarino
del punto cero. do ponto zero.
Não posso deixar de registrar que, em outubro de 1987, a pedido, encaminhei carta do gravurista Carlos Martins à artista franco-canadense Suzanne Desbiens, conhecida pelas suas expressivas ilustrações. Seu nome constava da lista de convidados para os quais eram anunciadas não só as exposições, mas também outro eventos realizados pela Embaixada do Brasil. Junto com os agradecimentos pelo encaminhamento da carta, Desbiens comenta que “Ma frustation est immense de ne pas pouvoir assistes à ses évènements culturels de grande qualité. J´habite depois octobre, a Montréal!”. Depois de informar ser “copine” de Karyn Boyer, acrescenta que, com ela, quando ainda residia em Hull, teve oportunidade de assistir a um magnífico concerto no Centro de Artes de Ottawa com músicas de Villa-Lobos. Diz também que esta experiência serviu de inspiração para Karyn criar as duas obras que me foram oferecidas e que hoje pertencem ao acervo do Museu de Arte Leopoldo Gotuzzo, uma delas sem título e a outra intitulada Rodantes, ambas, em cores vibrantes, mostram a habilidade das festejadas mulatas brasileiras nos seus movimentos de dança.
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