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Contos-->Conto de Rua -- 03/04/2003 - 14:21 (Clóvis Luz da Silva) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
Eu cresci cercado de meninos travessos, sendo talvez o mais peralta deles, tanto que meu apelido era Macaco, não porque gostasse de bananas, mas pela velocidade com que subia nas mangueiras da Embrapa. Dentre meus amigos de rua, que naqueles tempos não eram sinônimos de pivetes, cheiradores de cola, mas sim de crianças que amavam a vida em todas as suas cores e travessuras, havia alguns tipos que ainda hoje me fazem ter saudades de minha infância.

Naqueles dias memoráveis tinha o baitola do Miruca, que queria ser o fanchão da rua. Brigava com todo mundo...até fumava. Lembro-me que numa de suas demonstrações ridículas de poder, baixou o calção para que víssemos os pêlos que já abundavam naquele lugar, como querendo dizer que aquilo era prova de sua superioridade sobre o resto da turma. Não sei como eu tive coragem de brigar com ele num jogo de bola na rua. Não me lembro se apanhei mais do que dei nele, até porque, no auge da briga quando rolávamos no chão, alguém me avisou da aproximação de minha mãe. Imediatamente larguei o Miruca, pois o medo de apanhar da mamãe foi maior que aquele que até então eu tinha daquele baitola.

Ah! O Pelé era uma outra figura. Tinha esse apelido não porque fosse um gênio do futebol, como o Edson. Não me lembro exatamente porque colocaram nele essa alcunha tão nobre. Foi outro com quem aprendi muitas coisas, tanto que de nossa relação me restou uma marca profunda, em forma de uma cicatriz no meu pé direito, resultado de uma outra homérica briga. Só que dessa vez minha mãe não veio me apartar da briga; eu é que corri até ela, chorando por ter chutado o arame farpado do cercado que protegia a castanhola em frente a casa do seu Lúcio.

O Fonfon tinha esse apelido por causa da fissura no palato e do lábio leporino. Era filho do Espanhol, e muito trabalhador, tanto que conseguiu me convencer a ajudá-lo na venda de picolés pelas ruas do Marco. O prazer de sair de casa para ajudar um amigo em sua labuta foi pago com minha reprovação na quinta série.

Peço licença ao querido leitor para uma exceção. Sim, porque esse personagem marcante de minha meninice não era criança como eu e meus diletos amigos, mas sempre que aparecia infundia em meu coração respeito e confiança. Era um senhor de idade avançada, de terno e gravata, que ia ao bilharito do seu Augusto três vezes na semana pra pegar dinheiro. Somente anos depois foi que descobri o motivo: era um fiscal que ia pegar propina pra deixar funcionando o bar. Que decepção. Minha ingênua credulidade, que honrava a presença daquele homem, foi cruelmente violentada, sem que eu soubesse. E naquele bar ainda havia a seguinte frase: “Obrgdo pela preferência”.

O Gustavo tinha fama de birola, porque jamais rachara uma mulher, tinha medo de ver uma xana e, além de tudo, tinha uma piroca muito pequena. Como sabíamos dessas intimidades de nosso camarada? Ora, desde quando há segredos entre crianças? Ainda mais quando a maior parte de nossos dias passávamos juntos, brincando de pira-se-esconde, pira-mãe, empinando rabiola, jogando fura-fura, peteca, tampa de refrigerante com tabatinga na parede, tomando banho na cacimba de dona Gercinda, vó do Canela, imitando o tarzan com os cipós naturais que achávamos nas clareiras abertas nas matas próximas do Curió; e ainda tinha a ponte na estrada da Ceasa cujo rio abaixo nos acolhia pela manhã ou à tarde, dependendo do ânimo da turma.

Pois bem, Gustavo nos dizia que era intriga nossa, que ele não era birola, que tinha até gostado de ver sua vizinha, Mônica, de bruço com uma cangula amarela deitada sob o sol de uma manhã qualquer.
- Gugu, isso não prova que tú és de fé. Dizia em tom de brincadeira.
- Cala boca, Macaco, por um acaso tu já deste um piço com alguma mulher? Reagiu indignado o Gugu.
- Ainda não, ora, eu tenho só doze anos. Mas eu já beijei a Sueli, e ela gostou, viu?
- Ah! Beijar...Isso prova alguma coisa? Se prova, eu já beijei aquela boçal da Maria. E depois ainda bati uma punheta em casa. Eu sou de fé, sim.
- Mas aquele beijo não valeu. Ela disse que tu a pegaste de surpresa. Por ela, jamais tu a terias beijado.
- Como de surpresa? Era a regra. Quando a Lúcia perguntou o que era preciso para a Maria me tirar do poço eu disse que queria um beijo. Já que ela se recusou a me dar o beijo na hora, resolvi cobrá-lo depois. Que mal tem nisso?

Deixa pra lá. O Gugu, meu melhor amigo, depois de algum tempo foi embora e nunca soubemos realmente se ele era ou não birola.

E eu, o Macaco, não era melhor que meus amigos. Tinha os mesmos sonhos que eles, os mesmos medos, as mesmas esperanças. Éramos irresponsáveis, loucos por aventuras. Nada poderia nos amedrontar. Nem mesmo a ameaça dos donos de pequenos sítios da estrada da Ceasa, que não deixavam que apanhássemos goiabas e cajus das árvores.

Não sei onde estão hoje o Gustavo, o Miruca, o Fonfon, a Mônica, a Sueli, a Maria, o Pelé. Com certeza o fiscal pilantra já morreu, graças a Deus. Uma coisa eu sei: é somente na infância que os homens podem descobrir os valores da vida, bons ou maus. De tudo o que vivi com os meus amigos, só lamento não ter sido mais corajoso, mais camarada, mais inocente. Porque eles podem já ter morrido e jamais ouviram eu dizer que, naqueles dias, eles eram a melhor parte da minha vida.
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